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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com mercado aquecido, carros elétricos já melhoram o ar de cidades chinesas

Carros da Xpeng: com três anos de vida, empresa já alcançou a marca de 100 mil vendas - Divulgação/ Xpeng
Carros da Xpeng: com três anos de vida, empresa já alcançou a marca de 100 mil vendas Imagem: Divulgação/ Xpeng

14/10/2021 04h00

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Para construir o parque industrial mais eficiente do mundo, a China fez dolorosos sacrifícios nas últimas décadas. O ar das grandes cidades ficou, muitas vezes, irrespirável, já que era preciso produzir energia abundante —e barata. A qualidade da gasolina e do diesel utilizado na mobilidade urbana, então, era sofrível e os pulmões de crianças e idosos em Pequim, Xangai ou Shenzhen sentiam isso claramente. Nas novas megalópoles, o fluxo de migrantes do interior assegurou por anos a fio mão de obra barata submetida a intermináveis jornadas que, como sabe-se hoje em dia, levou muitos trabalhadores ao suicídio.

Todos os fatores acima são verdadeiros, mas fazem parte de um passado cada vez mais distante.

Um estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 2018, por exemplo, mostrou que o trabalhador chinês já é mais bem remunerado que qualquer outro na América Latina, com exceção do Chile.

O poder de compra destes operários, diz a OIT, é equivalente ao de empregados de indústrias no sul da Europa, como portugueses e gregos.

Há 15 anos, a China é o país que mais investe em energias renováveis e parece construir, passo a passo, a utopia de desenvolver cidades que se movem sobre matriz elétrica —e não movida a combustível fóssil.

Em Shenzhen, há mais de 10 anos, toda a frota de táxis e de ônibus é 100% elétrica. Só a BYD, empresa líder na venda de carros elétricos, com sede em Shenzhen, vendeu 71 mil veículos totalmente movidos a baterias nos últimos 30 dias.

A Tesla, outra estrela global do setor e com forte presença na China, onde produz carros para venda no mercado doméstico e para exportar para seu país de origem, os Estados Unidos, comercializou 55 mil unidades no último mês, apenas para chineses. Os dados são da Associação de Fabricantes de Veículos Automotores da China.

Vistos isoladamente, os números podem representar pouco. Mas observe em perspectiva: desde que foi fundada, em 2003, por Elon Musk, a Tesla levou 10 anos para completar 100 mil veículos vendidos. Agora, só na China, vende mais da metade disso em um só mês.

A fabricante chinesa Nio, que por seu design sofisticado é frequentemente comparada à Tesla, levou um pouco menos de tempo para atingir a meta centenária: sete anos para chegar ao carro de número 100 mil.

Esta semana, com apenas três anos de vida, a Xpeng comunicou que fechou sua venda de número 100 mil. Sob qualquer ângulo, é um mercado que se acelera velozmente.

Quem vive na China ou, ao menos, a visita com regularidade, nota claramente a transformação na cena urbana.

Postos de gasolina deram lugares a centrais elétricas, onde é possível recarregar o carro (e o celular) enquanto se usa centros de serviços variados, como refeições, corte de cabelo e até consultas médicas.

A mudança mais sensível, porém, está na atmosfera. A qualidade do ar em cidades como Pequim é, atualmente, radicalmente diferente do que foi nos anos 90 e início da década de 2000. O céu é azul a maior parte do tempo e os números de internações por males respiratórios anotados na capital chinesa caíram em mais de 60%, segundo dados da autoridade municipal de saúde.

A mudança está sendo tão rápida que trouxe novos problemas à indústria da mobilidade. Se, agora, não é preciso se preocupar (tanto) com a estabilidade dos regimes no Oriente Médio, há permanente temor de falta de energia elétrica disponível... para carregar carros e ônibus.

Neste verão, no hemisfério norte, chineses foram aconselhados a "maneirar" no uso do ar-condicionado e indústrias em diversas partes da costa oriental alteraram turnos de trabalho para operar fora dos horários de pico de consumo.

A superprodução trouxe, ainda, um desafio adicional: faltam chips. Os processadores com arquitetura específica para controlar engrenagens elétricas e equipar os carros que não emitem dióxido de carbono estão em falta na China e, em função da guerra comercial com os Estados Unidos, têm sido difícil importá-los no ritmo desejado pela indústria.