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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Guerra na Ucrânia fortalece papel da China na produção mundial de chips

Ucrânia produz gases nobres importantes para a fabricação de chips. Com a guerra, China deve ocupar a posição do país do Leste Europeu - Pixabay
Ucrânia produz gases nobres importantes para a fabricação de chips. Com a guerra, China deve ocupar a posição do país do Leste Europeu Imagem: Pixabay

31/03/2022 04h00

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Pegue um eletrônico qualquer em sua mesa, na sua casa, em seu escritório. Mais de 90% deles possuem componentes chineses ou foram totalmente construídos no país asiático. Apesar do enorme domínio da China nesta indústria, o país ainda carece de autossuficiência na produção de chips, os "processadores" que equipam celulares, notebooks, torres de telefonia ou carros autônomos.

Segundo dados do MOFCOM, o poderoso ministério do Comércio do país, mais de 93% dos processadores embarcados pela indústria nacional são importados. Isto não seria exatamente um problema, já que a China possui grande superávit em conta corrente e, sob certo aspecto, até resolveria alguns conflitos comerciais com países como Japão, Alemanha ou Coreia do Sul, no estilo "eu te vendo equipamentos completos, mas também compro componentes de você".

Ocorre que, há ao menos 4 anos, os Estados Unidos elevam a pressão para que empresas chinesas não tenham acesso a quaisquer chips —mesmo que alemães, coreanos ou japoneses— que usem alguma patente de empresa americana.

A estratégia é clara: sob o pretexto de defender os direitos humanos, evitar a espionagem ou qualquer outra desculpa formal, busca-se impedir que a China tenha acesso a um componente vital para sua indústria tech e, com isso, atrase o crescimento da rival em um mercado dominado por empresas americanas.

As bombas que arrasam Mariupol, Kharkiv e Kiev, no entanto, colocaram novos elementos nesta equação.

Ainda que a Ucrânia não seja uma potência tech, o país é o maior produtor global de alguns gases nobres, como neônio, xenônio e argônio. Apenas duas fábricas ucranianas respondiam, antes da guerra, por 50% da produção mundial de argônio.

Tais gases, quando energizados, são capazes de gerar um tipo específico de luz, com baixa radiação, e que não causam interações químicas com outros elementos. Estas características são valiosas na indústria de processadores, pois as luzes que geram são as mais adequadas para "queimar" placas de silício de forma precisa no processo de fabricação de chips.

Desde a guerra, o preço do neônio aumentou 10 vezes e do xenônio, 44 vezes, com óbvios impactos sobre o custo —para as empresas e para o consumidor final— de produtos eletrônicos.

A China, que produz apenas 6,3% dos gases nobres que sua indústria eletrônica consome, no entanto, tem expandido rapidamente sua produção.

Xenônio - Creative Commons - Creative Commons
Amostra de xenônio: gás nobre é valioso na fabricação de processadores
Imagem: Creative Commons

Explica-se: estes gases são um subproduto do processo de fabricação de aço e, apesar de seu alto valor, por carências tecnológicas, são frequentemente desperdiçados. Agora, no entanto, grandes e médias empresas chinesas têm se dedicado a equipar as usinas de siderurgia do país para captar tais gases.

Em tese, outros mercados podem "copiar" a iniciativa chinesa, mas ninguém terá a mesma escala da China, país líder mundial na produção de aço bruto.

O resultado desta equação é que a China terá posição predominante na produção destes insumos essenciais e, portanto, mais poder de barganha para negociar com os países que também produzem semicondutores... como Japão, Alemanha, Coreia do Sul e, claro, os Estados Unidos.

É razoável argumentar que a guerra, mais cedo ou mais tarde, acabará e que a Ucrânia voltará à sua produção pré-conflito.

Na verdade, não será bem assim.

O delicado processo de captação e "purificação" destes gases no país europeu deve exigir a reconstrução de fábricas e plantas de produção que, por sua complexidade tecnológica, podem levar até cinco anos para serem totalmente concluídos —período em que o mundo precisará produzir chips em ritmo cada vez mais acelerado.