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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

EUA boicotam a China? Não quando os chineses querem comprar iPhone 14

iPhone 14 Pro é o modelo mais procurado pelos chineses e também um dos mais caros da série - Brittany Hosea-Small/AFP
iPhone 14 Pro é o modelo mais procurado pelos chineses e também um dos mais caros da série Imagem: Brittany Hosea-Small/AFP

15/09/2022 04h00

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A cooperação entre Estados Unidos e China já viveu dias (muito) melhores. Há 30 anos, quando as fábricas low-cost de Shenzhen e Guangdong inundavam as lojas do Walmart, ajudando os americanos a controlar sua inflação, tudo era felicidade.

Na medida em que a China se cansou do papel de sócio júnior de seus parceiros ocidentais e iniciou a criação de suas próprias tecnologias e, com elas, passou a competir com marcas dos Estados Unidos, o caldo entornou.

Há quase dez anos, os americanos tentam chutar a escada pela qual os chineses tentam ascender ao clube das nações desenvolvidas.

O pacote de maldades não é pequeno. Restrições à atuação de Huawei e ZTE para vender suas tecnologias 5G, ameaças contra apps chineses que fiquem muito populares —caso do TikTok— , proibição a empresas americanas em colaborar com parceiros chineses e pressão sobre aliados europeus e asiáticos (como Japão e Coreia) para que não vendam tecnologias de ponta a compradores chineses.

O jogo anti-China iniciado por Obama, agravado por Trump e que segue intacto na administração Biden, tem encontrado uma surpreendente resistência vinda de... aliados americanos.

Paradoxalmente, a turma que mais pressiona governo e congressistas americanos a pegar leve com a China são as companhias americanas. E não é difícil de entender suas razões.

Esta semana, a consultoria chinesa TF Securities divulgou que as pré-reservas pelos novíssimos modelos do iPhone 14 registraram um recorde histórico no país. Ou seja, há mais demanda hoje pelos novos iPhones do que havia, em 2021, pela então novíssima versão 13 do smartphone da Apple.

Mais do que isso: segundo a consultoria, 85% das reservas feitas em Apple Stores de Pequim e Xangai são dos modelos Pro, os mais casos da marca.

O caso dos iPhones é icônico.

Às voltas com uma economia americana que não deve crescer mais que 2% este ano e com mercados ricos —como a Europa e o Japão— sofrendo com taxas raquíticas de expansão, qual mágica os executivos da Apple podem fazer para entregar —ainda mais- lucro aos acionistas da empresa?

Certamente não será elevando suas vendas em países como o Brasil. Afinal, quem por aqui tem R$ 15 mil para desembolsar na versão topo de linha da Apple? Uma diminuta elite, talvez.

Na China, no entanto, apesar do momento relativamente difícil da economia local, o consumo das famílias mostra-se fortemente resiliente.

Lá, compram-se não só os novos iPhones, como milhares de unidades dos carros da Tesla e montanhas de chips da Nvidia —ao menos aqueles cujas exportações (ainda) não foram oficialmente proibidas.

A pujança da economia chinesa faz, todos os anos, estas grandes corporações americanas financiarem lobbies —uma prática legal nos Estados Unidos— para pressionar os políticos locais a pegarem leve com os chineses.

Eventualmente, para ganhar voto, muitos deputados —de todas as orientações ideológicas— criticam a China em público, mas em privado sabem que parte da força do capitalismo e das corporações americanas depende das vendas para o mercado chinês.

Ao menos até hoje, o ex-sócio júnior americano pode desapontar seus congêneres ocidentais o quanto quis. Ao final do dia, quanto tilintam notas de renminbi nas lojas chinesas da Apple, Tesla e afins, o establishment americano prefere deixar para lá as rusgas com a ascendente potência chinesa. Afinal, o dinheiro não tem ideologia.