Sem Guerra Fria: China e EUA é disputa capitalista, diz pesquisador chinês
As disputas entre americanos e chineses, ainda que reais, não representam uma nova guerra fria e os dois países, embora não atuem de forma tão integrada quanto no passado, ainda colaboram. A opinião é do pesquisador chinês Ho-fung Hung, da John Hopkins University.
Autor de livros que analisam a ascensão chinesa no mundo, como "The China Boom: Why China Will Not Rule the World" ("Por que a China não vai governar o mundo", em tradução livre) e "Clash of Empires", Ho-fung conversou com a coluna durante visita à Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), onde participou de um encontro de pesquisadores sobre China.
Em seu último livro, "Clash of Empires", o senhor usa o termo "Chimerica" para falar da colaboração entre americanos e chineses, mas também usa a expressão "New Cold War". Afinal, as duas nações vivem uma nova Guerra Fria?
Ho-fung Hung - Nos anos 1990, a China e os Estados Unidos colaboraram tão intensamente que alguns analistas americanos usavam a expressão "G2" para definir esta relação que, na verdade, formava uma única grande economia, determinando os rumos da produção global.
É evidente que esta relação se deteriorou muito e isto aconteceu bem antes de Trump chegar ao poder. Em grande parte, a disputa ocorre quando os EUA entendem que a China não se contentaria em ser um sócio júnior na parceria. Começam uma guerra de tarifas comerciais e muitas acusações envolvendo questões relacionadas a direitos humanos que, antes, não eram um problema.
Embora existam diferenças ideológicas de lado a lado, não é a ideologia o motor deste conflito. Por esse motivo, considero incorreta a abordagem mais comum, usada na imprensa, de tratar a disputa como uma "Guerra Fria".
Objetivamente, o que há é uma concorrência intercapitalista entre duas nações que, muito frequentemente, colaboram entre si, quando isto é conveniente para o desenvolvimento de suas economias.
Mas há boicotes explícitos, como a proibição da exportação de itens de alta tecnologia para a China, a exemplo dos semicondutores mais avançados...
Ho-fung Hung - Sim, isso existe e já impactou negativamente o crescimento chinês.
Quando escrevi, em 2008, o livro com subtítulo "por que a China não vai governar o mundo", eu o fiz porque nosso grupo já previa esse embate e a desaceleração da economia chinesa.
Devemos admitir que estes boicotes têm sido eficientes em retardar a ascensão chinesa. Por outro lado, acabam por incentivar os chineses a desenvolver-se mais em áreas nas quais ainda não possuem plena capacidade técnica, como a indústria de chips.
A China tem conseguido superar estes obstáculos?
Ho-fung Hung - Em parte sim, embora com dificuldade. Muitas empresas chinesas têm divulgado a obtenção de patentes incríveis, mostrando que dominam novas tecnologias. Mas boa parte destas patentes é inútil. No fundo, tem como objetivo credenciar suas empresas a obter novos investidores.
Há também o caso da Huawei, que teve sucesso em desenvolver chips de arquiteturas avançadas que, antes, não eram feitos na China. Ocorre que o processo de fabricação da Huawei é mais lento e caro que o executado por empresas ocidentais. É uma conquista, mas não tira as companhias chinesas de uma situação de desvantagem competitiva.
Há muito esforço do governo chinês de financiar pesquisa e desenvolvimento nestas áreas, não?
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Quero receberHo-fung Hung - Sem dúvidas, há muito dinheiro disponível para a indústria chinesa de semicondutores. Mas só dinheiro pode não ser suficiente.
Recentemente, por exemplo, esta política foi questionada por órgãos de combate à corrupção. A maior empresa de chips da China é a SMIC, com sede em Xangai. Eles receberam bilhões de dólares em incentivos e recursos para pesquisa e desenvolvimento. Há pouco tempo, porém, um dos principais executivos da empresa foi preso, suspeito de usar os financiamentos públicos para outros fins, não para diminuir a dependência chinesa de tecnologia do Ocidente.
Há, portanto, um desafio de dar eficiência a estes investimentos.
Esta é sua segunda visita ao Brasil. O senhor avalia que o Brasil pode se beneficiar da disputa entre EUA e China?
Ho-fung Hung - Em tese, sim. Na medida em que a China deixa de fazer parte de seus negócios com os EUA, ela passa a buscar novos parceiros. O Brasil, como grande economia e grande mercado que é, pode ocupar parcialmente este espaço. É claro, isto depende da estratégia e da visão dos brasileiros sobre como explorar esta oportunidade.
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