Marte está em aproximação com a Terra nesta terça; entenda o fenômeno!
Você já parou para pensar que a distância entre a Terra e os outros planetas do Sistema Solar varia com o passar do tempo? Desta forma, ocorrem aproximações e afastamentos entre o nosso planeta e um outro planeta qualquer do Sistema Solar.
Nesta terça-feira (13), Marte está em aproximação com a Terra. E isso se deve ao fato de que Terra e Marte estarão do mesmo lado em relação ao Sol, fenômeno conhecido na Astronomia como oposição. Sendo extremamente rigoroso, a mínima distância entre Marte e o nosso planeta ocorreu no último dia 6 de outubro e foi de aproximadamente 62 milhões de quilômetros. Hoje, dia 13, ela aumentou para 62,7 milhões de quilômetros, o que na prática, exceto com instrumentos muito sensíveis, é imperceptível.
Uma primeira ideia
A ilustração a seguir ajuda na compreensão do fenômeno da oposição Terra-Marte. Nela, fora de escala, vemos a Terra e Marte do mesmo lado do Sol, o que é conhecido na Astronomia como oposição.
Quando a Terra e Marte estão em lados opostos em relação à nossa estrela, o que chamamos na Astronomia de conjunção, a distância entre ambos é máxima. Mais uma vez, e logo abaixo, uso o recurso da ilustração para agilizar a compreensão da ideia.
Desta forma, periodicamente, Marte e Terra assumem posições em relação ao Sol tal que a distância Terra-Marte pode ser máxima ou mínima. Confira na ilustração a seguir.
A melhor época para observarmos Marte é quando a distância entre ele e nós aqui na Terra é menor pois, estando mais perto dos nossos olhos, Marte estará visualmente maior e mais brilhante. E, quando estivermos olhando para Marte, o Sol estará às nossas costas, em posição oposta (daí o nome oposição para o fenômeno). Sendo assim, tão logo o Sol se põe do lado oeste, se olharmos do lado leste, com o Sol às nossas costas, veremos Marte ascendendo ao céu escuro da noite que acabou de começar. E teremos uma noite inteira para observarmos Marte bem brilhante no céu até o raiar do dia seguinte pois, quando o Sol estiver nascendo a leste, Marte estará se pondo a oeste.
Melhorando o Modelo com uma pitada de Kepler
Deu para entender a ideia de aproximação e afastamento Terra-Marte?
Mas a ideia, como apresentei acima, é apenas uma primeira aproximação. Na realidade, o fenômeno é ainda mais complexo pois as órbitas dos planetas ao redor do Sol não são perfeitamente circulares! Johannes Kepler (1571-1630), em sua Primeira Lei, a Lei das Órbitas, afirma que:
A órbita da Terra tem excentricidade e = 0,0167. Se tivesse e = 0, valor nulo, seria uma órbita perfeitamente circular. Logo, não dá para dizer que a órbita da Terra é tão oval. Mas circular não é! E o Sol não está exatamente no centro da órbita mas ocupa uma posição excêntrica chamada foco da elipse.
Marte tem excentricidade orbital maior, de valor e = 0,093. Embora não seja também uma órbita tão oval, é acentuadamente mais elíptica do que a órbita da Terra. Desta forma, a distância Terra-Sol varia no decorrer do tempo assim como também não é constante a distância Marte-Sol. Somente em órbitas circulares e com o Sol no centro a distância planeta-Sol poderia ser constante.
O ponto da órbita de um planeta ao redor do Sol em que a distância planeta-Sol é mínima é chamado de periélio. De forma oposta, o ponto de máximo afastamento de um planeta em relação à nossa estrela é chamado de afélio.
Podemos, de forma simples, usando geometria, demonstrar que as distâncias planeta-Sol no afélio (distância máxima) e no periélio (distância mínima) são:
Onde "e" é a excentricidade orbital e "a" a distância média planeta-Sol, também conhecida como semieixo menor da órbita.
Para a Terra, para a qual a = 150 milhões de quilômetros (aproximadamente) e e = 0,0167, teremos:
Concluímos que a distância Terra-Sol varia entre 147,5 milhões de quilômetros e 152,5 milhões de quilômetros.
Analogamente, para Marte, para o qual a = 227900000 km e e = 0,093, teremos:
Concluímos que a distância Marte-Sol varia entre 207 milhões de quilômetros e 249 milhões de quilômetros.
Note, pelos cálculos acima, que a distância Terra-Sol, em média em torno de 150 milhões de quilômetros, varia muito pouco (2,5 milhões de quilômetros para mais e para menos) devido à pequena excentricidade orbital do nosso planeta.
Mas a distância Marte-Sol, em média 228 milhões de quilômetros, tem variação mais acentuada (21 milhões de quilômetros para mais e para menos) uma vez que a excentricidade orbital marciana é acentuadamente maior. Desta forma, quando as aproximações (ou oposições) entre a Terra e Marte ocorrem perto do periélio marciano, Marte está mais perto do Sol e, portanto, mais para dentro do Sistema Solar e, consequentemente, ainda mais perto da Terra.
Sem muito rigor, desconsiderando que as órbitas de Marte e da Terra ao redor do Sol não estão exatamente no mesmo plano, a menor distância Terra-Marte, numa oposição periélica de Marte, deve ser algo em torno de 207 - 150 = 57 milhões de quilômetros, valor bem próximo da realidade. E o máximo afastamento entre a Terra e Marte pode chegar próximo de 249 + 150 = 399 milhões de quilômetros.
Em 2020 Marte ficará a aproximadamente 62 milhões de quilômetros da Terra. Em 2018 Marte chegou mais perto de nós e ficou a 57,6 milhões de quilômetros de nós pois a oposição ocorreu ainda mais perto do periélio marciano. Em 2003 a aproximação Terra-Marte foi incrível, em torno de 55,7 milhões de quilômetros.
Complicou? Calma! A ilustração abaixo, bastante didática, mostra de forma mais realística as órbitas elípticas da Terra (em azul) e de Marte (em vermelho). As letras "A" e "P" representam, respectivamente, o afélio e o periélio de cada um dos dois planetas. Note que o Sol não é o centro de nenhuma das órbitas, mas o foco da elipse de cada uma delas. As datas representam diversas oposições de Marte desde 2018 até 2031, datas de aproximações Terra-Marte, com ambos os planetas do mesmo lado do Sol. Mas observe que, quando mais longe de "P" periélio de Marte uma oposição ocorre, maior fica a distância Terra-Marte, ou seja, a aproximação entre os dois planetas não é tão acentuada. Nas oposições periélicas, ou seja, próximas do periélio de Marte, a distância Terra-Marte é sempre menor.
Repare que teremos outras aproximações Terra-Marte nos próximos anos. Mas tem um detalhe: até 2027 elas acontecem cada vez mais longe do periélio marciano e, portanto, não serão aproximações tão acentuadas. Somente em 2033 voltaremos a ter oposição periélica de Marte e, portanto, aproximação Terra-Marte mais acentuada. Por isso, não perca a oportunidade de observar Marte mais perto de nós por estes dias!
De quanto em quanto tempo ocorre a oposição de Marte?
A ilustração acima, de certa forma, responde à pergunta pois nos mostra que as oposições de Marte ocorrem a cada dois anos aproximadamente. Na verdade, se fizermos a conta com os meses e não apenas os anos, elas acontecem a cada 26 meses.
A Terra, você sabe, tem período orbital T = 1 ano, ou seja, demora um ano para dar uma volta ao redor do Sol. E Marte? Quanto tempo Marte demora para completar a sua órbita em torno do Sol?
Para responder a esta pergunta, mais uma vez lançamos mão da teoria que vem do genial Johannes Kepler (1571-1630). Mas desta vez vamos de Terceira Lei:
Vamos chamar a distância média Terra-Sol que é a = 150 milhões de quilômetros de uma unidade astronômica (UA). Assim, para a Terra, a = 150 milhões de quilômetros = 1 UA. Para Marte, em que a distância ao Sol vale a = 228 milhões de quilômetros, se a dividimos por 150 150 milhões de quilômetros, encontramos a = 1,52 UA. Em outras palavras, em média Marte é 0,52 UA (ou 52%) mais afastado do Sol do que a Terra.
Podemos escrever a Terceira Lei de Kepler para a Terra e para Marte. E, comparando as duas expressões, encontramos uma relação entre seus períodos "T" e suas distâncias médias "a". Veja:
De posse da expressão que deduzimos acima e está destacada em vermelho e dos valores numéricos do período T da Terra, e das distâncias médias Terra-Sol e Marte-Sol, podemos calcular o período orbital de Marte:
Obtivemos 1,87 anos para o período de revolução de Marte. Quase dois anos. É este o tempo que Marte demora para completar uma volta ao redor do Sol.
Na prática, e fazendo mentalmente uma aproximação, enquanto a Terra dá uma volta em torno do Sol em um ano, Marte dá praticamente meia volta. Assim, a cada dois anos, Marte completa uma volta no Sol e acaba encontrando-se do mesmo lado do Sol com a Terra. Se fizermos o cálculo de forma mais rigorosa, e sem aproximação, encontraremos 26 meses, ou seja, 24 meses (dois anos) e mais dois meses.
Viagem para Marte?
Depois da conquista da Lua, nosso satélite natural, o próximo astro ao ser visitado por nós humanos será, com certeza, Marte. Talvez ocorram outras viagens à Lua antes, como ensaio para um voo mais longo e desafiador. Mas Marte é, certamente, o próximo alvo da conquista humana.
Você já parou pra pensar se existe alguma época melhor para lançarmos uma nave para Marte? Pense! Use todo o raciocínio e tudo o que calculamos acima e vai concluir que SIM!
Diferentemente de uma viagem entre dois pontos fixos, em que podemos partir em qualquer dia e horário, numa viagem entre a Terra e Marte, corpos que orbitam o Sol, podemos usar a aproximação natural Terra-Marte para encurtar a viagem. Neste sentido, missões para Marte sempre estimam um intervalo de tempo chamado "janela de lançamento" para que a nave chegue em Marte quando ele estiver mais próximo da Terra. Os lançamentos de naves que vão demorar meses para chegar até Marte sempre ocorrem meses antes da oposição marciana.
Não é por acaso que temos neste exato momento três sondas humanas a caminho do planeta vermelho! Finda esta janela, qualquer missão que não pode ser lançada terá que esperar 26 meses para ter outra oportunidade (ou janela) de viajar para Marte em futura aproximação com o nosso planeta.
Registro astrofotográfico
Fotografei Marte no domingo, dia 11 de outubro, com telescópio. Embora não seja a máxima aproximação, é quase! O céu estava nublado e, para conseguir a imagem, tive que esperar uma brecha entre as nuvens. O resultado você confere na imagem a seguir que é o resultado do empilhamento de cerca de 5000 frames selecionados de um total de 10000 e empilhados e tratados em diversos softwares dedicados à astrofotografia. Trato desta técnica neste post e neste outro também.
Em 2018, praticamente com o mesmo equipamento, tentei registrar Marte em oposição. Mas o resultado foi "diferente". Veja:
Na astrofoto acima quase não se nota o relevo marciano. Por que? É que em julho de 2018 Marte estava sob uma intensa tempestade de areia em escala planetária. Nem os melhores telescópios daqui da Terra conseguiam enxergar através da poeira em suspensão que tomou conta do planeta vermelho. Curioso, não?
O divertido de observarmos os planetas com telescópio, em particular Marte, é acompanhar de longe a dinâmica planetária, ou seja, as mudanças que acontecem lá no planeta. Nesta super live do canal AstroNEOS, o astrônomo brasileiro Nelson Falsarella dá um show de informações sobre "como" e "o que" observar Marte.
Foi daí que saiu a inspiração para eu compor a figura com as órbitas elípticas da Terra e de Marte com as oposições entre as datas de 2018 e 2031. Fica a dica se quiser aprofundar o tema!
E, por falar em AstroNEOS, o canal fará hoje uma live com vários astrofotógrafos do Brasil que vão capturar e mostrar imagens de Marte mais próximo da Terra em tempo real. Imperdível!
Não deixe de tentar observações de Marte a olho nu, o que também é muito divertido. Basta, por estes dias, procurar por um ponto bem brilhante e alaranjado que surge no céu do lado leste, logo depois que o Sol se põe.
Bons céus! Boas observações!
Abraço do prof. Dulcidio. E Física na veia!
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Em tempo: este post comemora 16 anos do Física na Veia, que nasceu aqui mesmo no UOL como um blog independente em 16 de outubro de 2004 e desde 2007 faz parte do UOL Ciência e Saúde, atualmente chamado de Tilt.
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