A Física e a pandemia do novo coronavírus nos vestibulares - parte 3
Completando a trilogia A Física e a pandemia do novo coronavírus nos vestibulares, publico hoje mais duas questões onde tento imaginar como a pandemia poderia aparecer como pano de fundo de questões de Física em provas de vestibular.
Se você ainda não viu as duas outras publicações nesta mesma linha, confira em parte 1 e parte 2.
Enunciado para as questões 4 e 5:
Termômetros digitais, como o da imagem ao lado, podem medir a temperatura de um objeto sem tocá-lo e quase instantaneamente, mostrando o valor da medida numa telinha de cristal líquido. Para tanto, basta apontar o termômetro para o objeto e capturar, ao clique de um botão, a radiação térmica invisível por ele emitida.
Para garantir a perfeita pontaria, pode ser usado um sistema de mira laser, representado de forma meramente ilustrativa na imagem. Mas a mira pode ser desligada pelo operador do termômetro uma vez que a medida da temperatura não tem nada a ver com o laser em si.
Tais termômetros, por serem muito ágeis e atuarem sem o contato físico, têm sido muito úteis no controle da temperatura corporal de pessoas que circulam, por exemplo, em aeroportos.
Um dos sintomas característicos da covid-19 é a febre e, portanto, o controle da temperatura corporal de indivíduos em locais com grande circulação humana pode ajudar a descobrir possíveis contaminados com a covid-19, isolando-os de forma segura, evitando o efeito dos superespalhadores da doença, ou seja, o contágio de muitas pessoas por um único indivíduo contaminado.
Lamentavelmente, notícias falsas têm sido espalhadas nas redes sociais por negacionistas que alegam que tais equipamentos emitem uma radiação perigosa à saúde e que poderia penetrar no cérebro daqueles que têm sua temperatura medida na testa. Influenciados por estas fake news, muitas pessoas se negam a medir a temperatura pela testa e oferecem, por exemplo, o pulso, alegando que ali a radiação emitida pelo termômetro seria menos danosa. Mas o laser usado nestes termômetros é tão somente luz visível vermelha, de baixa intensidade, tal com a luz vermelha presente em lâmpadas, nas telas de TV e smartphones, e até mesmo na radiação solar.
Questão 4. Uma das maneiras de descobrir a temperatura T absoluta de um corpo à distância é medir a frequência de pico da curva espectral da radiação eletromagnética por ele emitida e aplicar a Lei de Wien que afirma que
onde C = 1.10¹¹ Hz/K é uma constante típica da natureza.
Admita que:
- Uma pessoa está com febre quando a sua temperatura corporal supera 37 °C;
- 1 THz = 1.10¹² Hz.
Suponha que um destes termômetros digitais em perfeito funcionamento e bem calibrado detecte frequência de pico de 31,1 THz para a radiação térmica emitida pelo corpo de uma pessoa. É correto afirmarmos que:
a) a pessoa está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 38 °C.
b) a pessoa não está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 38 °C.
c) a pessoa não está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 31,1 °C.
d) a pessoa está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 311 °C.
RESOLUÇÃO
Pela Lei de Wien, fornecida no enunciado, temos:
Note, nos cálculos acima, que as unidades Hz presentes tanto no primeiro quanto no segundo membro da equação se cancelam, restando para a resposta a unidade K. Como as alternativas estão todas em °C, fizemos a conversão de K para °C lembrando que o valor de uma temperatura em K é sempre 273 unidades acima do valor em °C.
Perceba ainda que a alternativa D é para alguém bem distraído que, obtendo o valor 311, não percebesse a necessidade de conversão de K para °C. Mas tem um detalhe: como uma pessoa poderia ter temperatura corporal de 311 °C? Impossível! É um valor muito acima da temperatura de ebulição da água sob pressão de 1 atm. Um vestibulando atento descartaria, de pronto, esta alternativa. Concorda?
Concluímos que a temperatura aferida pelo termômetro digital foi de 38 °C. Portanto, a pessoa está com febre.
Resposta: alternativa A
Observação: por um lapso, eu havia digitado B como resposta. Mas o correto é, obviamente, a alternativa A. Obrigado a todos que avisaram!
Questão 5. Nos termômetros digitais, a temperatura pode aparecer na tela de cristal líquido tanto em graus Celsius (°C) quanto em graus Fahrenheit (°F). E a troca de unidades na medida, bastante simples, é feita através de um botão que, clicado, alterna entre °C e °F. Suponha que o botão emperrou e o equipamento travou as medidas em °F. Um operador do termômetro, brasileiro, bastante acostumado com medidas de temperatura em °C, se vê em apuros ao aferir T = 104 °F para a temperatura corporal de uma determinada pessoa e não saber se ela está ou não com febre. Lembrando que, na pressão de 1 atm, o gelo funde a 32 °F e a água ferve a 212 °F, é correto afirmar que o indivíduo que teve a temperatura aferida em 104 °F:
a) está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 40 °C.
b) não está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 40 °C.
c) está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 72 °C.
d) está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 39 °C.
RESOLUÇÃO
Usando a equação de conversão de °C para °F, previamente conhecida¹, teremos:
Descobrimos, pelos cálculos acima, que T = 104 °F correspondem a 40 °C que, estando acima de 37 °C, caracteriza estado febril.
Resposta: alternativa A
¹ Observação: A informação "Lembrando que, na pressão de 1 atm, o gelo funde a 32 °F e a água ferve a 212 °F" fornecida no enunciado é para, caso você não se lembre da equação de conversão de °C para °F, você possa deduzi-la usando a ideia de que as variações de temperatura em qualquer escala obedecem relações lineares.
_____
É isso!
Espero que você tenha curtido a trilogia e que, de alguma forma, ela possa ser útil!
Abraço do prof. Dulcidio! Física na veia! E, se for prestar vestibular, desde já, boa prova!
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