Facebook x Apple: entenda a treta de gigantes por nossos dados pessoais
O ano está quase acabando, mas sempre há tempo para mais uma briga entre gigantes da tecnologia. Dessa vez, sobem no ringue Facebook e Apple. De um lado, a empresa conhecida por não ligar a mínima para a privacidade dos usuários, de outro, a empresa que afirma considerar privacidade um direito fundamental de todos.
A causa dessa discussão é uma mudança que a Apple anunciou junto ao lançamento do iOS 14, mas que só entrará em vigor no início do próximo ano.
O que a Apple quer mudar?
Atualmente, se um app quer coletar dados dos usuários para fins de publicidade segmentada, mesmo que para enviar a um terceiro —como Facebook— pode fazê-lo sem uma permissão explícita do usuário, basta que essa prática esteja presente na política de privacidade (aquela que ninguém lê).
Funciona mais ou menos assim: digamos que existe um app usado para gerenciar a rotina de passeios do seu cachorro. Mas acontece que esse app tem um recurso muito comum em diversos apps por aí: ele permite aos usuários fazerem login usando a conta do Facebook. O desenvolvedor do app também usa anúncios do Facebook para divulgá-lo, e o SDK do Facebook no app para poder receber estatísticas de como os anúncios estão se saindo.
Você instala esse app e cadastra informações suas e do seu pet —a raça dele, por exemplo. Você também cadastra passeios no app, incluindo em quais parques você gosta de levar seu cachorro para passear. O código do Facebook que existe dentro desse app —mesmo que você não use login com Facebook— pode receber essas informações e começar a montar um perfil seu.
Como muitos outros apps também têm esse código do Facebook rodando dentro deles, a empresa consegue montar um perfil muito completo dos seus hábitos e preferências: qual raça de cachorro você gosta, os lugares que gosta de ir, qual tipo de comida é sua favorita, etc.
Dessa forma, quando alguém vai montar uma campanha de marketing no Facebook ou Instagram, é possível fazer um direcionamento extremamente específico de quem verá aquele anúncio. Exemplo: "mostre este anúncio para pessoas que moram na região oeste da cidade de São Paulo, tem interesse em corgis, Parque Villa-Lobos e gostam de comida italiana".
Lembrando que isso acontece mesmo que você não tenha uma conta no Facebook.
Tudo isso é possível hoje em dia graças a um número chamado de IDFA, que nada mais é do que um identificador longo e único que apps podem acessar.
Esse identificador é o mesmo em todos os apps que o tentam ler e é único por dispositivo, o que na maioria dos casos quer dizer que é único por pessoa.
Em posse desse identificador, as ferramentas de analytics presentes dentro dos apps conseguem correlacionar atividades de um usuário ao longo de vários apps, permitindo então a criação desse perfil publicitário.
Tudo o que a Apple pretende fazer com uma atualização próxima do iOS é exigir que, quando um app quiser ter acesso a esse identificador, o mesmo peça permissão explícita para o usuário, da mesma forma que apps precisam da sua permissão explícita para acessar coisas como câmera e GPS. Então, após essa mudança, se um app ou ferramenta de analytics presente nele quiser acessar isso, você verá um alerta na tela pedindo sua permissão.
Quais os argumentos do Facebook?
Não é de se admirar que uma mudança dessas tenha causado espanto na empresa do mundo que mais lucra com a montagem de perfis de usuários para venda de anúncios direcionados: o Facebook.
De acordo com a empresa —que tem feito campanha em jornais contra a medida— poucos usuários permitiriam o rastreamento deles por diferentes apps.
Aqui vale uma pausa para apreciarmos o fato de que a própria premissa do argumento já o prova moralmente questionável. Afinal, se muitos usuários negariam essa permissão, isso prova que eles se sentem desconfortáveis com o nível de coleta de dados ao qual estão sujeitos.
Prosseguindo. De acordo com o Facebook, isso prejudicaria os pequenos negócios, que utilizam sua plataforma de anúncios para chegar a potenciais clientes.
Particularmente, considero esse argumento muito mais um apelo se utilizando de uma classe muito querida por políticos — especialmente em 2020 — para tentar angariar apoio e forçar a Apple a permitir a invasão de privacidade dos seus usuários.
A verdade é que essa medida prejudica exatamente uma empresa, que não é pequena: o Facebook. Pequenas empresas sobreviveram por séculos sem precisar de direcionamento fino de anúncios para potenciais clientes, não vai ser isso que irá matar as pequenas empresas.
Fica claro aqui que o Facebook está preocupado sim é com as potenciais perdas com vendas de anúncios na sua plataforma, que se torna menos competitiva quando eles não conseguem montar perfis detalhados dos usuários como faziam antes.
O que acontece daqui para frente?
Eu acredito que a mudança imposta pela Apple nesse caso tende a ser positiva para todos os usuários e realmente negativa apenas para empresas que se beneficiam com a venda indireta de dados dos consumidores.
Acho bem provável que as reclamações do Facebook não surtam nenhum efeito prático no curto prazo e que a medida entre de fato em vigor.
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