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Opinião

MPF mira WhatsApp, mas atinge negócio da Meta em cheio com ação bilionária

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Se você quiser esconder um segredo, há dois ótimos lugares na internet. Um é a segunda página de resultado de toda busca no Google. O outro é na política de privacidade da qualquer plataforma conectada. Ao primeiro ninguém vai. O segundo poucos leem. Nesta semana, Idec e MPF comprovaram não só terem lido a última versão do documento explicando como o WhatsApp usufrui dos nossos dados, como também demonstraram ter gostado bem pouco do que encontraram ali.

O resultado: tascaram uma ação civil pública no aplicativo mais famoso do Brasil. Pedem R$ 1,7 bilhão e que cada um dos 150 milhões de brasileiros no WhatsApp possa recusar os termos, considerados abusivos, sem deixar de ser usuário. As duas entidades também incluíram a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) na ação por considerar que a xerife da privacidade no país foi complacente com o app e tornou sigiloso o processo contra ele (veja abaixo o posicionamento do órgão).

Isso é o que está escrito no processo. O desdobramento não dito é outro: se tiverem êxito, MPF e Idec pode atingir em cheio o negócio da Meta, dona do WhatsApp. Se obtiverem a liminar pedida à Justiça, o WhatsApp Business seria afetado imediatamente. O WhatsApp já acionou a Justiça para derrubar a liminar, mostram documentos públicos a que a coluna teve acesso. O app argumenta não haver urgência no caso, já que a regra mudou há três anos e passou pelo escrutínio de quatro autoridades públicas (PGR, Cade, Ministério da Justiça e ANPD). Esta última não só analisou o caso e descartou irregularidades como abriu nova frente de investigação a que o WhatsApp responde atualmente.

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Imagem: Arte/UOL

Em 2021, o WhatsApp mudou sua política de privacidade pela segunda vez após ter sido comprado pelo Facebook, em 2014. Na primeira vez, em 2016, o burburinho já tinha sido grande, porque:

  • O aplicativo mexeu na política para passar a mandar para Facebook e os outros serviços do grupo dados como...
  • ... Detalhes do modelo de celular, contatos da agenda, registros de uso no app, transações financeiras feitas no app, localização do usuário etc. Foi tanta coisa que...
  • ... O Ministério da Justiça abriu processo administrativo para averiguar a situação. A ação foi arquivada em 2022. Na época da mudança, não havia legislação específica que amparasse a privacidade dos brasileiros. Só que...
  • ... Na última alteração na privacidade do WhatsApp, o Brasil já contava com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que entrou em vigor três anos antes. Na ação, MPF e Idec listam 24 alterações substanciais que aprofundaram a coleta dos nossos dados e a integração deles à plataforma da Meta (o Facebook mudou de nome em 2021). Foram incluídas...
  • ... Novas formas de determinar nossa localização ("Se você não utiliza nossos recursos relacionados à localização, usamos endereços IP e outros dados como códigos de área de número de telefone para calcular sua localização geral") e informações do aparelho (nível da bateria, força do sinal de conexão e frequência e duração das interações com o app). Mas...
  • ... Ainda em 2021, o WhatsApp informava que as mudanças na atualização da política estavam relacionadas a recursos destinados a empresas, dentro da modalidade Business. Com isso...
  • ... WhatsApp ou Meta continuariam a não podem ler mensagens ou ouvir ligações e ver a localização que usuários compartilham. Além disso, contatos do usuário ou informações de grupos do aplicativo de mensagem não poderiam ser compartilhados com a Meta. Acrescentava ainda que...
  • ... As alterações eram destinadas a empresas que optassem por serviços da Meta, como a hospedagem em nuvem e o de pagamento, o Meta Pay.
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Imagem: Arte/UOL

Ainda que bilionária, a multa é dinheiro de pinga para a Meta -equivale a menos de um dia de faturamento, de US$ 36,4 bilhões no primeiro trimestre. História bem diferente é obrigá-la a fornecer o WhatsApp a quem não concordar com a política de privacidade e proibir o compartilhamento de dados com os outros apps do grupo. E são dois os motivos.

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A própria Meta explica o primeiro:

Se estivermos impedidos de partilhar dados entre os nossos produtos e serviços, isso poderá afetar a nossa capacidade de fornecer os nossos serviços, a forma como os prestamos ou nossa capacidade de direcionar anúncios, o que poderia afetar adversamente nossos resultados financeiros
Meta, em balanço financeiro do primeiro trimestre de 2024

O segundo é ainda mais fundamental. Ainda que sua participação esteja crescendo muito, o WhatsApp não responde por 0,05% da receita da Meta. Por outro lado, seus 2,7 bilhões de usuários, mais de 50% da população mundial conectada, são uma mina de ouro. Torná-los rentáveis, porém, exige um esforço tremendo.

Na Meta, é crucial não só calcular quantas pessoas usam Instagram, Facebook e WhatsApp, mas saber quem elas são. O processo é complicado, pois é preciso descobrir se o Marquinhos de uma plataforma é o Mark que tem conta em outra. Feito isso, ela direciona publicidade com base nos interesses demonstrados pelo Marcos.

Para isso, leva em conta o nível de atividade dos perfis. Só que o WhatsApp é uma treta à parte, pois a criptografia das mensagens impede saber o teor da interação. O jeito é considerar dados relacionados ao número de telefone e ao aparelho celular. Sem eles, a coisa fica bem difícil. Pode ficar ainda pior porque a ação do MPF embaralha um pouco as coisas. Não se sabe se a ideia é reverter apenas as mudanças de 2021 ou aquelas implantadas em 2016, essas, sim, que promoveram uma maior integração entre WhatsApp e Meta.

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Imagem: Arte/UOL
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Idec e MPF jogam contra o histórico de vitórias da Meta no Brasil, mas levam debaixo do braço o que aconteceu fora do Brasil. Na União Europeia, ela foi condenada a pagar 230,5 milhões de euros por irregularidades na mudança de política do WhatsApp de 2021. Muitas delas semelhantes às levantadas aqui no Brasil. Na Índia, a questão chegou à Suprema Corte.

Por aqui, em resumo, as entidades argumentam que a Meta coagiu os usuários a aceitar a nova política de privacidade do WhatsApp, não foi transparente sobre as mudanças feitas, não tinha motivação técnica para reunir tantos dados e ainda lançou mão de práticas abusivas contra o consumidor. A acusação é de violar LGPD, Marco Civil da Internet e Código de Defesa do Consumidor.

Segundo documentos públicos acessados pela coluna, o WhatsApp argumenta que já teve sua política investigada pela ANPD e afasta a ideia de que o órgão foi inerte, já que ele foi o primeiro a iniciar algum procedimento a respeito.

Junho de 2024 é um mês para a Meta esquecer. Nem quando o WhatsApp foi tirado do ar, a pressão de autoridades públicas foi tão grande. Já estão no cangote Cade, Ministério da Justiça e ANPD. Mas agora o que está em jogo é diferente. Se na semana retrasada, a ANPD jogou água no chope da festa que a Meta iria fazer com sua inteligência artificial chegando a Instagram e WhatsApp por aqui, agora o MPF mira o coração dos negócios da empresa. Os desdobramentos dessa ação podem redefinir o futuro da empresa no Brasil.

O QUE DISSE A ANPD SOBRE A AÇÃO

A ANPD ainda não foi notificada sobre a ação judicial.

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Em relação a um suposto sigilo do processo em tela, esclarecemos que ele foi objeto de medidas de transparência ativa - ou seja, praticada de forma espontânea e proativa pela ANPD. Em 11/05/2022, a Autoridade publicou uma notícia explicando como foi a atuação da ANPD no caso e divulgando em transparência ativa os principais documentos. Os trechos públicos do processo também estão disponíveis na seguinte página. Além disso, qualquer cidadão interessado pode ter acesso aos documentos públicos do processo por meio da transparência passiva: basta enviar um pedido de acesso à informação à Autarquia.

Também cabe salientar que, assim como qualquer órgão público, a ANPD tem a publicidade como regra e o sigilo como exceção. Em casos excepcionais, a Autoridade é obrigada a restringir o acesso a certos documentos e informações, sem margem para discricionariedade. Neste caso, certas informações do processo se enquadram em uma das exceções que demandam a restrição de acesso: a hipótese legal do art. 55-J, II da LGPD. O dispositivo determina que a ANPD zele pela observância dos segredos comercial e industrial, bem como das informações protegidas por lei. Os trechos que não se enquadram na hipótese legal mencionada estão públicos por meio das medidas de transparência citadas acima.

DEU TILT

Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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