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Plano de IA de Lula mira supercomputador, mas sem superar EUA e China

A gestão Lula apresentou nesta terça-feira (30) o plano brasileiro de inteligência artificial com investimentos totais de R$ 23 bilhões até 2028, segundo documento a que o UOL teve acesso. Dentre as ações, está a ambição de construir um supercomputador potente para estar no top 5 mundial — atualmente, o ranking é composto por máquinas nos Estados Unidos, Europa e Japão, que consumiram investimento estimado entre R$ 877,9 milhões e R$ 3,3 bilhões.

Elaborada ao longo de cinco meses, a política nasce no meio de um frenesi mundial devido à IA generativa, aquela capaz de criar conteúdo, e, ainda que considerada internamente como um avanço, não dá ao governo esperanças de que fará o Brasil bater de frente com as potências na área, China e Estados Unidos.

A aposta é que permitirá ao país criar tecnologia nacional sem depender das big techs, as grandes companhias da área que dominam tanto os serviços de IA quanto os recursos necessários para criá-los. E também alçará o Brasil à condição de competidor capaz de compartilhar infraestrutura e projetos de pesquisa e desenvolvimento com países da América Latina e África.

Para um integrante do governo a par dos trabalhos, o plano será o ponto de partida e estará em contínua revisão, já que a tecnologia avança rapidamente. "Não é para disputar com EUA e China, mas o Brasil pode se posicionar muito bem", afirmou.

O governo Lula pretende fazer da iniciativa uma vitrine dos esforços brasileiros a respeito da IA para a comunidade internacional. É por isso que está no horizonte levar o plano para a reunião do G20 no Rio de Janeiro, em novembro, e para o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro.

Elaborada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a proposta possui ações já em fase de desenvolvimento e que, por serem de impacto imediato, devem ser lançadas em até 12 meses. São pouco mais de 30 ferramentas para as áreas da saúde (diagnóstico de câncer, pneumonia e tuberculose, além da compra automatizada de remédios), clima (previsão de eventos climáticos), trabalho (contratação com IA) e segurança pública (gestão de vídeos). O investimento estimado é de R$ 435 milhões.

Essas ações são aplicações, levantadas pelo governo entre a iniciativa pública e privada, para mostrar à população que a IA pode ser usada "com potencial de melhoria da vida das pessoas se usada para o bem", afirmou um integrante do governo a par dos anúncios.

A parte mais substancial do plano, porém, está em cinco eixos temáticos. Parte do eixo da infraestrutura, para a qual o governo pretende destinar R$ 5,79 bilhões, o supercomputador perseguido pelo governo ficará no LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica), em Petrópolis (RJ). A ideia é turbinar o Santos Dumont, máquina com 5,1 petaflops/s (5,1 quatrilhões de operações matemáticas por segundo).

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LNCC e a Eviden, empresa do Grupo Atos que trabalha com computação, assinaram em abril deste ano novo contrato equivalente a R$ 98,2 milhões para elevar a potência para 17 petaflops/s. Ainda assim, o desafio para ele chegar ao top 5 mundial será gigantesco.

Na dianteira do Top500, projeto científico internacional que mapeia os mais potentes supercomputadores do mundo, a lista compreende do primeiro, o norte-americano Frontier e seus 1.206 petaflops/s, ao quinto, o finlandês Limu e seus 442 petaflops/s.

Dentro dessa linha, haverá estímulo para criação de processadores de alto desempenho e a obrigação para que as unidades de armazenamento e processamento estejam próximas a fontes de energia renovável e utilizem práticas sustentáveis. Essa é uma preocupação mundial, pois data centers são grandes consumidores de energia elétrica e água, usada no resfriamento. Grande hub de tecnologia do mundo, a Irlanda já gasta mais eletricidade com essas centrais de dados do que com casas em áreas urbanas.

O segundo eixo, com investimentos previstos de R$ 1,15 bilhão, focará na formação e capacitação de profissionais para trabalhar com IA e de acadêmicos para atuar em pesquisas na área. O terceiro eixo será para melhorar o serviço público com IA e terá investimento de R$ 1,76 bilhão. O quarto está voltado à inovação empresarial, o que incluirá financiamento de empresas que criem iniciativas com a tecnologia e o incentivo a startups da área. Para essa parte, investimento de R$ 13,79 bilhões.

O quinto será focado em regulação e governança e terá investimento de R$ 103 milhões. O governo federal planeja criar avaliações de risco de ferramentas de IA e ambientes de experimentação de novas plataformas, as chamadas "sandboxes". Para concretizar essa etapa, no entanto, o Executivo depende do Congresso, onde tramita a lei que irá regulamentar a IA no Brasil.

Aprovado na Câmara dos Deputados, o texto está no Senado, parado em uma comissão específica. Somente depois de passar por ela é que o projeto de lei vai ao plenário.

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O que Lula disse na conferência

No evento, Lula voltou a fazer analogias entre a IA e a "inteligência humana". Entre o deboche e a seriedade, o presidente tem cobrado que o investimento em tecnologia seja acompanhado pelo investimento em capital humano. "[Falam] 'Essa inteligência artificial vai causar 16 milhões de desempregados.' Se for para isso, eu não quero", disse.

O presidente cobrou ainda uma base de dados comum do governo, que poderia ser feita com ajuda da inteligência artificial. A ideia seria unir dados de órgãos como SUS, CadÚnico, Receita, entre outros —sem levar em consideração, no entanto, os entraves da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Se essa coisa é tão boa, por que que é artificial? Por que é artificial se ela pode ser manipulada pela inteligência humana? No fundo, no fundo, é inteligência humana que pode aperfeiçoá-la, porque ela nada mais é do que a gente ter capacidade de fazer a coletânea de todos os dados.
Lula, durante a conferência

O secretário-executivo da pasta, Luis Manoel Rebelo Fernandes, classificou a iniciativa como "audaciosa e realista".

O Brasil pretender um computador top 5, além de investir em capacidade nacional, é uma meta audaciosa e viável e isso foi incorporado ao plano. O Brasil poderia se contentar apenas em aplicar o que já está aí e não em desenvolver tecnologia nacional
Luis Manoel Rebelo Fernandes, secretário-executivo do MCTI

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De onde virá o dinheiro para o Plano de IA:

  • crédito via BNDES, Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico): R$ 12,72 bilhões
  • recurso não reembolsável via FNDCT: R$ 5,57 bilhões
  • Lei Orçamentária Anual: R$ 2,9 bilhões
  • investimento mais contrapartidas do setor privado: R$ 1 bilhão
  • estatais: R$ 430 milhões
  • outras fontes: R$ 360 milhões

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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