Musk x Maduro: quem ganha em briga com ditadura, IA e fake news?
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Na semana em que o governo federal lançou seu ambicioso plano de inteligência artificial, outro encontro improvável fez tecnologia e política darem as mãos. Quer dizer: as mãos trocaram algo mais próximo de socos do que cumprimentos. Os donos delas, você conhece: o multibilionário Elon Musk e o ditador Nicolás Maduro.
O pano de fundo é outra constante: no último domingo, Maduro renovou o mandato de sua ditadura numa eleição para lá de contestável e, desde então, faz chover sobre opositores a bruta força do poder conferido por militares. Já Musk, que se vale do poder de ninguém senão da grana, usa o megafone do X para escancarar a falta de regra da rede social. Seria fácil para progressistas e conservadores decidirem de que lado ficar, mas dessa vez não vale nem torcer pra briga.
Até porque, nessa história, a dupla em questão entra com a mão, e a sociedade entra com a cara e a dignidade, como explico abaixo.
Não é de hoje que os dois não se bicam, mas a cena esquentou, porque:
- Musk declarou seu apoio à oposição venezuelana na eleição, que tinha tudo para marcar o fim da era Maduro. Mas...
- ... Não foi o que aconteceu, já que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) anunciou Maduro vencedor, com 51% dos votos, contra 44% do ex-diplomata Edmundo González. No entanto...
- ... A corrida eleitoral e o próprio pleito tiveram indícios claros de fraude. Nesse clima...
- ... Musk aproveitou para espalhar fake news: escreveu "isso tá bagunçado" ao repostar um vídeo que mostra pessoas roubando caixas do que seriam urnas eletrônicas; na verdade, eram aparelhos de ar condicionado. Dava para saber...
- ... Já que uma mulher exibida no vídeo diz em alto e bom espanhol que eram caixas de ar condicionado, segundo nota adicionada ao post por usuários do X. Só que...
- ... O deslique não passou despercebido por Maduro, que acusou Musk de espalhar fake news e o acusou de interferir no pleito. Também...
- ... Chamou o empresário para a briga e o acusou de hackear o CNE. Porém...
- ... Especialistas em segurança checaram: o site não parece ter saído do ar devido a um ataque de negação de serviço, mas, sim, porque alguém 'desligou' o domínio. Coisa de administrador. Não pouco, já que...
- ... O CNE deveria divulgar as atas de votação que comprovariam ou refutariam a vitória de Maduro. Depois de tudo...
- ... Musk foi ao X para chamar Maduro de burro e para topar a treta explicitamente:
Eu estou indo atrás de você, Maduro. Vou carregar você para Gitmo [Base de Guantánamo] em um burro
Elon Musk
PS: Musk ecoa muita coisa que parece mentira. Uma delas é difícil de acreditar, mas é verdade: Maduro está na lista de procurados pelos Estados Unidos. Ele é acusado de narcoterrorismo, e o Departamento de Estado oferece US$ 15 milhões por informações sobre a localização do ditador venezuelano.
Se você notou, leitor, Musk descumpriu ao menos duas regras do X, do qual é dono: espalhou desinformação e ameaçou agredir alguém. Desde que ele comprou o Twitter, as regras da rede social vêm sendo enfraquecidas, canceladas ou ignoradas.
O X autorizou a circulação, de forma velada, posts que exibem suicídio, mutilação, zoofilia, agressão violentíssima a mulheres e, de forma explícita, cenas de sexo e pornografia.
O clima de terra sem lei é evidente nos posts de Musk, mas não se restringe a eles. Por ser uma figura proeminente no site (são 192 milhões de seguidores) e decisivo sobre o impacto das Big Tech nos rumos da democracia, Musk deveria se comportar melhor. Ao que tudo indica, porém, isso não só é impossível como tem alvo certo: apoiador escancarado de Donald Trump, ele já postou uma deepfake, vídeo modificado com IA, de Kamala Harris. E não para aí.
Na semana passada, usuários notaram que o X usa posts e dados que circulam na rede para treinar o Grok, sua inteligência artificial. Notaram, porque a rede não avisou com o devido destaque nem pediu consentimento de forma transparente, algo vetado por leis de proteção de dados mundo afora. Não é prática isolada entre as Big Tech, mas os ares parecem estar mudando.
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Quero receberA Meta foi impedida na Europa e no Brasil de recorrer a dados públicos para treinar IA, o que levou a dona de Instagram e WhatsApp a suspender o lançamento da IA da Meta nesses locais. Diante disso, o X ir pelo caminho interditado é Musk desafiando autoridades. Dito e feito: aqui no Brasil, a ANPD abriu processo para averiguar a legalidade da ação. Ainda assim, num eventual governo Trump, que tende a reverter as discussões sobre regulamentação de redes sociais, é improvável que o X seja contido de qualquer forma.
Já Maduro é um ponto de tensão para todo o continente. A esse respeito, os colegas Jamil Chade, Josias de Souza, Reinaldo Azevedo e Leonardo Sakamoto já escreveram sobre:
- Judiciário na Venezuela;
- As novas ameaças;
- o que Lula falou e o que deveria ter falado;
- Os ataques ao Carter Center;
- A contagem paralela de votos;
- A conivência dos militares venezuelanos;
- A 'máquina repressiva';
- As centenas de prisões;
- A ameaça à região e;
- Os países que reconhecem e os que contestam os resultados da eleição.
Muito provavelmente uma briga entre os dois terá o mesmo fim que a luta entre Musk e Mark Zuckerberg. Dessa vez, porém, não tem nada de engraçado no embate. Quando o ícone do desrespeito à democracia e do descaso com direitos humanos se digladia com o símbolo do poder econômico revestido com a aura de sofisticação dada pela tecnologia, os candidatos à derrota não serão Musk nem Maduro.
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