'Alexandre Files', Kamala 'comuna' e IA: a semana de Musk sem o Brasil no X
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Em uma semana sem X (ex-Twitter) no Brasil, o brasileiro redescobriu que as notícias não surgem por geração espontânea nas redes sociais —são portais como o UOL que as publicam primeiro, como a prisão da influenciadora Deolane Bezerra—, viu que a vida no Threads é meio parada —cadê o Trending Topics?— e o Bluesky, de tão pequeninho, mal cabe numa janela.
Em Berlim para cobrir a IFA, maior feira de tecnologia de consumo sa Europa, estou longe da possibilidade de ser multado por usar VPN para acessar o X. Daqui, me desculpem os brasileiros, uma coisa fica nítida: a vida segue para o X.
Elon Musk, dono da plataforma, criou a conta "Alexandre Files" para mostrar decisões sigilosas do ministro que o bilionário vê como ilegais. Como mostro abaixo, é uma espécie de segunda temporada do "Twitter Files", mas sem a repercussão que só a audiência brasileira conseguiria dar. O embate com o ministro do STF dominou os 253 tuítes de Musk contabilizados pela coluna até sua publicação. Muito ruído, mas há algumas publicações que demonstram as reais intenções de Musk.
O que rolou?
Na prática, os documentos da "Alexandre Files" revelam pouco para além do que já se sabe, mas são o trampolim perfeito para Musk reforçar o que seus fãs já acreditam:
- 31/8: após publicar seu manifesto ("começamos a lançar luz sobre os abusos cometidos por Alexandre de Moraes"), o perfil lança a primeira pedra: mostra ordens de Moraes, expedidas em 8 de agosto, para bloquear contas de sete pessoas, entre elas a do senador Marcos do Val (Podemos-ES). A conta classifica as decisões como censura.
- 1/9: Dessa vez, a pedrada é contra uma decisão não cumprida de 18 de agosto de 2024, que mandava Musk bloquear usuários que estariam promovendo uma campanha contra os policiais federais envolvidos na investigação das milícias digitais. Entre os nove alvos, estavam Marcos do Val e o foragido Allan dos Santos.
- 3/9: Dessa vez, a decisão criticada é de janeiro de 2023. Ela exigia a remoção das contas do influenciador Monark, do senador Alan Rick (União-AC) e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). Musk viu nela cinco problemas: atentar contra liberdade de expressão, falta de publicidade, violar o foro parlamentar, infringir a autodeterminação informativa e não ter embasamento jurídico. Os quatro primeiros são debatíveis --na Justiça e não no X-- mas o último não faz sentido: o X não era parte do processo para ter acesso à argumentação do juiz, direcionado apenas a quem teve conta removida.
- 5/9: O alvo agora é a decisão de março de 2023 que pediu a suspensão de três pessoas comuns. Para Musk, a ação evidencia como a censura de Moraes atingiu "não apenas políticos e jornalistas proeminentes, mas também cidadãos brasileiros comuns". Novamente reclama que o juz não apresentou ao X provas das ilegalidades cometidas pelo trio.
Por que é importante
Em sua conta, Musk dedicou sua semana a Moraes e ao bloqueio do X no Brasil. A predileção ofuscou a corrida presidencial dos EUA. Ainda assim, sobrou espaço para afagos a Donald Trump e maldade contra Kamala Harris.
Entre replicações e posts, Musk publicou 253 tuítes desde a proibição do X até a publicação desta coluna. Teve de tudo: elogios ao presidente da Argentina Javier Milei; defesa da Starlink (ela chegou às Ilhas Salomão!), republicação de críticas de Nikolas Ferreira ao ministro do STF Flávio Dino e críticas à política migratória dos EUA. Em meio a tudo isso, pincei cinco mensagens que escapam do ruído e revelam como funciona a cabeça de Musk:
1) Kamala comunista
Em resposta a uma publicação da candidata democrata, Musk publicou a imagem de Kamala vestida como se fosse uma ditadora comunista. Ele provavelmente usou o Grok, a IA do X. A ferramenta tem menos escrúpulos que os serviços de outras empresas e abraça a criação de mentiras ou verdades fantasiosas como ninguém. As outras até evitam criar conteúdo que se apoie em material protegido por direitos autorais ou que representem eventos históricos ou figuras políticas. No mundo de Musk turbinado pela IA falastrona, vale tudo e mais um pouco.
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Quero receber2) Algoritmo do X explicado
Musk explicou que o algoritmo do X aprende as preferências dos usuários a partir das interações deles com determinados conteúdos. Bem, isso já foi verdade. Mas, desde que as redes sociais detectaram que engajam mais os conteúdos com teor emocional e que reforcem a visão de mundo dos usuários, são eles os que mais se veem nas timelines. No caso do X, a coisa é ainda pior, já que há uma ênfase em sugestões às pessoas, baseadas sabe-se lá em qual critério.
3) Alexandre roubou eleição
A essa altura, a luta de Musk pode até parecer pela defesa da liberdade de expressão. Mas ele tem outras duas agendas, uma mais evidente, outra, camuflada. A primeira, de curto prazo, é acusar Alexandre de Moraes de ter favorecido Lula nas eleições de 2022 e prejudicado Bolsonaro. "Sob as leis brasileiras, isso poderia render 20 anos de prisão", escreveu. O outro propósito, de longo prazo, é manter a chama dos bolsonaristas acesa. Ele sabe o que faz: ao falar para um público cativo, conseguiu que o post fosse visto por 51 milhões.
4) A IA do X
Entusiasta da IA ao mesmo tempo em que diz que ela pode extinguir a humanidade, Musk foi tímido quando o assunto surgiu. Entrou no ar o Colossus, supercomputador da xAI com 100 mil GPUs da Nvidia, o que lhe dá força para deixar no chinelo as máquinas de outras empresas e até equipamentos destinados a experimentos científicos. Fora isso, foi montado numa velocidade alucinante: 122 dias. Nada disso, porém, empolgou Elon Musk tanto assim. Ele dedicou um único tuíte a algo que deveria ser para lá de celebrado.
5) Queridinho dos militares
Alvo de centenas de artigos jornalísticos por dia, Musk dá pouca bola a eles. Nesta semana, uma reportagem mostrou como a imagem de Musk foi usada por um golpista para roubar uma advogada no Brasil. Nenhuma palavra. Nem para dizer que obviamente ele não está pedindo Pix pra pagar as multas de Moraes. Mas ele se preocupou em rebater um texto específico. A revista Wired contou como a Starlink é cada vez mais o serviço de internet queridinho dos militares norte-americanos. Aproveitou ainda para relembrar quando a empresa do bilionário não forneceu internet aos ucranianos em plena guerra contra a Rússia. Musk tentou explicar em post no X: a decisão foi tomada por não ter recebido uma autorização prévia do governo-americano; sem isso, a atuação da empresa poderia fazer dela um serviço de guerra usado por ucranianos, o que, diz Musk, daria aos russos o direito de derrubar seus satélites.
Não é bem assim, mas está quase lá
Ao que parece, Elon Musk enxerga os próprios negócios com a extensão das organizações a que ele se afilia, seja o governo dos EUA, seja um grupo de militantes políticos, como os bolsonaristas. Diante desse raciocínio estranho, o que ele faz é calculado como um movimento desse grupo —como no caso da Ucrânia— e o que fazem a eles é encarado como um gesto contra o próprio Musk —como no caso da ausência de argumento jurídica para o X bloquear contas.
Com essa lógica em mente, ele se coloca na cadeira do réu e se sente livre pra descumprir leis. Ignora convenientemente que, como dono de uma plataforma que pretende dar voz a todos, ele deveria proteger os milhões que dela dependem em vez de arriscar tudo por um punhado de usuários.
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