Musk, pirata? Bloqueio do X no Brasil usou 'arma' para derrubar 'gatonet'
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O novo bloqueio do X (ex-Twitter) no Brasil nesta quinta-feira (19) envolveu técnicas usadas para derrubar serviços que distribuem séries e filmes pirateados, os chamados "gatonet", segundo dirigente da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações).
A volta da rede social, fora do ar por ordem do STF (Superior Tribunal Federal), foi classificada como "brincadeirinha" por técnicos da agência. Eles veem com ceticismo a justificativa da plataforma controlada por Elon Musk de que tudo não passou de um imprevisto na hora de fazer novas configurações de rede.
A força-tarefa para manter o X inacessível no país ocorreu no mesmo dia da sétima fase da Operação 404, que tirou 675 sites e 14 aplicativos que distribuíram conteúdo pirata. A ação envolveu as polícias de nove estados brasileiros, a PF, o Ministério da Justiça, os ministérios públicos de São Paulo e Santa Catarina e órgãos de cinco países. Pode até ser coincidência. Mas é digna de nota: o presidente da Anatel disse à Folha que avisou o ministro Alexandre de Moraes que Musk passaria a agir como pirata.
O que rolou
Bloqueado em todo o Brasil desde 30 de agosto, o X subitamente voltou a funcionar na manhã de quarta (18), porque:
- Os gestores da rede social tiraram seu endereço de tráfego da infraestrutura da empresa e o moveram para os servidores da Cloudflare. Isso fez com que...
- ... O site ficasse "escondido" atrás da infraestrutura da Cloudfare, de modo que o bloqueio feito por provedores brasileiros não o alcançasse. Com isso...
- ... O X passou ser acessível até das dependências do STF. Só que...
- ... Mover o domínio de uma plataforma alvo de ação judicial é artimanha típica de criminosos, bastante usada por piratas do streaming. Por isso...
- ... A Anatel usou as mesmas armas que adota no combate a esses grupos: bloqueio dinâmico de IPs. No passado, ordens judiciais miravam apenas um endereço. Ao perceberem a derrubada do site, os piratas migravam o sistema para outro servidor e restabeleciam o serviço. No entanto...
- ... As autoridades brasileiras passaram a acompanhar o caminho do IP pelos diversos servidores internet afora para bloquear o site a cada novo restabelecimento.
Isso foi feito na quinta. Não tenha dúvida que dá para fazer. É trabalhoso, coloca uma carga nas mais de 20 mil prestadoras que têm no país. É indesejável, mas, diante da ordem do Supremo, nem a gente nem os prestadores temos opção. Tem que fazer
Dirigente da Anatel
- ... Foi ainda mais trabalhoso devido à forma como empresas como a Cloudflare operam. As CDNs (sigla em inglês para rede de entrega de conteúdo) fazem uma espécie de túnel entre o servidor de seus clientes e o restante dos usuários, de modo que o endereço de tráfego observado seja o dela...
- ... Como há vários serviços abaixo do guarda-chuva da CDN, vida de quem quer bloquear apenas um dos clientes dela fica difícil. Para isso...
- ... A Anatel contou com a ajuda da Cloudflare --que desconhecia ter sido contratada pelo X. Ela aplicou um filtro em sua base para identificar quais eram os endereços usados pelo ex-Twitter...
- ... A situação foi encerrada, quando, já na noite desta quinta, o X retirou seu serviço da Cloudflare.
Por que é importante
No meio da confusão, o X informou que a operação que restabeleceu o acesso no Brasil ocorreu após uma mudança de "operadora de rede" e o resultado foi uma "restauração inadvertida e temporária". A justificativa de que foi um acidente não colou.
Ele alega que foi acidente. Mas, cá entre nós, é um acidente tipo ganhar na Mega-Sena. Não é provável
Dirigente da Anatel
Colabora para essa impressão o fato de o X ter sua própria rede. Aderir à rede da Cloudflare seria visto como "pouco profissional" para uma empresa de porte tão grande.
Não é bem assim, mas tá quase lá
Para além da forte conotação ideológica do embate entre Alexandre Moraes e Elon Musk, o caso é simbólico de outra batalha: grandes plataformas contra Judiciários locais. O envolvimento da Cloudflare adiciona um novo tempero ao já apimentado conflito.
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Quero receberNão que seja o caso da Cloudflare, mas algumas plataformas de registro de domínio ocultam os donos do endereço. Argumentam que fazem isso para proteger a privacidade de clientes. No entanto, criminosos se valem dessa possibilidade para esconder suas operações ilícitas atrás da infraestrutura —e boa vontade— dessas companhias. Quando confrontadas por autoridades judiciais, elas alegam que os termos de seus serviços preveem a camuflagem.
Um dos sucessos das várias fases da Operação 404 tem sido exigir a derrubada de sites e apps que promovem conteúdo pirata por infringirem os termos dessas plataformas. Não bastava apontar o descumprimento a leis nacionais.
A gente fica fora do domínio legal e vai para o domínio dos termos e condições de prestadoras e plataformas. É isso que está pegando: termos e condições se sobrepondo à legislação de um país. É isso que vem acontecendo com o X
Dirigente da Anatel
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