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Racistas na Europa e hackers nos EUA: bancos de DNA sofrem ataques inéditos

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O que pessoas mal intencionadas poderiam fazer se colocassem as mãos no meu DNA? A pergunta é a premissa de vários filmes de fim do mundo, mas nunca estivemos tão próximos de uma resposta quanto agora.

Na Europa, um grupo de pesquisadores assumidamente adeptos do "racismo científico" admitiu ter acessado os dados genômicos de milhares de britânicos, segundo o vídeo de uma reunião secreta interceptada pelo grupo antirracista Hope not Hate. Nos Estados Unidos, a 23andMe, pioneira dos testes rápidos de DNA, teve os dados de clientes vazados após uma invasão hacker, em meio a um processo de falência.

Se tem alguém que pode falar sobre o assunto é Tábita Hünemeier. Além de ser uma das líderes do DNA do Brasil, um pioneiro banco de sequenciamento genômico brasileiro, ela já fez um teste da 23andMe e aciona constantemente o UK Biobank para suas pesquisas. A bióloga e professora do Instituto de Biociências da USP analisa a situação com cautela. Ainda assim, conclui com preocupação: "É uma coisa grave".

O que rolou?

São poucos os países que possuem bancos genéticos. É o caso de Estônia, Reino Unido e Espanha. No Brasil, Hünemeier e Lygia da Veiga Pereira estão construindo a mais ampla iniciativa até agora, que deve bater a meta de ter 15 mil genomas ainda este ano. No caso britânico:

  • O responsável é o UK Biobank, que mantém dados genéticos, médicos e sociais de 500 mil voluntários. Fundado em 2003 pelo Departamento de Saúde e por entidades de pesquisa médica, ele...
  • ... Já ajudou em pesquisas de interesse público, como sobre diabetes e Parkinson. Não é fácil ter acesso a ele nem é todo mundo que pode fazer isso, já que...
  • ... É preciso estar vinculado a uma instituição de pesquisa confiável, enviar um pedido detalhando o objetivo da pesquisa, qual o interesse público dela, que tipo de dado será usado (genético, fenóptico, social, médico) e como vai usar tudo. Um comitê avalia e, para decidir se libera as informações, leva em conta como o grupo vai proteger os dados. Ainda assim...
  • ... O pesquisador não tem acesso a todo o banco. Recebe apenas a fração que pediu e, ainda assim, de forma anonimizada. Só que, dada a sua riqueza...
  • ... O UK Biobank é acionado por cientistas do mundo todo, inclusive pesquisadores questionáveis. É o caso do dinamarquês Emil Kirkegaard, líder da Fundação da Diversidade Humana, grupo barrado por não ser considerado confiável pela comunidade britânica. Fato é que...
  • ... Nos mais de 40 artigos publicados no Mankind Quartely, um periódico para lá de descrediado, ele já disse coisas execráveis como:
  1. Negros norte-americanos têm renda menor por serem menos inteligentes que a média;
  2. Pessoas com "nomes de muçulmanos" têm QI menor na Dinamarca;
  3. "[Pais seriam] idiotas se não selecionassem [geneticamente] os filhos contra 'gayzice.'"
  4. "Africanos são propensos a violência em qualquer lugar."
  • ... Além disso, pesquisadores sérios que se associaram à fundação já foram expulsos de suas universidades. Acontece que...
  • ... É exatamente o grupo de Kirkegaard que alega estar em posse de dados do UK Biobank, segundo reportagem do jornal britânico Guardian.
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Por que é importante

O racismo científico, da qual a eugenia era o ramo mais evidente, explodiu entre o fim do século 19 e começo do 20, explica Hünemeier. Só sofreu um ponto de inflexão após a Segunda Guerra Mundial. "A gente teve uma guerra eugenista que extrapolou tudo. O projeto eugenista da Alemanha não foi o primeiro, mas foi o mais amplo. Usou mal a ciência para apoiar ações racistas, não só contra judeus, mas contra ciganos, homossexuais e gente com deficiências física e intelectual."

Por outro lado, Adolf Hitler, secundado por Josef Mengele, incentivou que soldados alemães tivessem filhos com mulheres nórdicas. "Foi um projeto em dois sentidos: eliminar quem eles não queriam e estabelecer quem seria o padrão", descreve Hünemeier. No Brasil, o projeto de embranquecimento da população previa a extinção de negros em algumas décadas.

O rumo começou a mudar em 1947. O Código de Nuremberg criou conceitos éticos de pesquisa, consolidados em 1964 pela Convenção de Helsinki. Depois, vieram os comitês de ética nacionais. De quebra, o estabelecimento de padrões éticos melhorou a ciência. Frenologistas usavam o tamanho do crânio para comprovar que pessoas brancas europeias eram mais inteligentes que africanos negros. Só que, validar suas teses, escolhiam a dedo o crânio a ser usado para comparação. Isso ocorria porque a genética era determinista e acreditava que uma característica do indivíduo podia influenciar todo o resto. Hoje, explica Hünemeier, a visão é que o sistema é produto de um complexo arranjo de condições.

Movimentações como as do grupo de Kirkegaard, principalmente munido de dados genéticos legítimos, podem corroer as salvaguardas criadas a duras penas.

Estamos confiantes de que os nossos procedimentos de acesso estão funcionando, mas infelizmente operamos num mundo onde pessoas antiéticas tentarão minar isto
Rory Collins, professor e líder do UK Biobank

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Não é bem assim, mas tá quase lá

É sempre possível, porém, que a Fundação da Diversidade Humana esteja apenas blefando, avalia Hünemeier. E, ainda que o grupo tenha os dados na mão, os resultados de uma pesquisa feita com eles não seriam aceitos por periódicos científicos de renome. De todo modo, os dados genéticos podem dar respaldo científico a ideias racistas, já correntes na sociedade.

O problem é usar como feramenta de discriminação em países que tem população miscigenada. É como se tu torcesse a informação genética. 99,9% do nosso genoma é igual, seja uma pessoa da África, Europa ou Ásia
Tábita Hünemeier

Já o ataque cibercriminoso ao 23andMe é preocupante em todos os sentidos, ainda que não tenha atingido as informações genéticas, apenas os dados cadastrais. Acontece que o assédio de hackers é uma constante no mundo da ciência. Mas é hora de acionar um alerta vermelho, se até o sistema de uma empresa robusta —ainda que mal das pernas— como a 23andMe sucumbe às investidas.

Impressiona como o hacker conseguiu quebrar os dados. Do ponto de vista bioinformática, esperava-se ser um sistema seguro. Sempre tem hacker. Isso acontece 10 vezes a cada minuto. Às vezes, eles nem sabem o que tem lá dentro. Só se dedicam a quebrar algo seguro
Tábita Hünemeier

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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