EUA querem retalhar Google, e desfecho é o pior pesadelo de Apple e Meta
(Esta é a versão online da newsletter de Tilt enviada hoje. Quer receber a newsletter completa, apenas para inscritos, na semana que vem? Clique aqui e se cadastre)
A União Europeia passou a última década mordendo bilhões aqui e acolá das grandes empresas de tecnologia quando as flagrava minando a concorrência. Mas foram os Estados Unidos que desferiram o golpe mais violento nos esquemas monopolistas das Big Tech.
Como resolução para um processo judicial que o Google perdeu, a Casa Branca propôs retalhar a empresa em partes menores —no cenário mais extremo, Chrome e Android seriam companhias separadas.
Com certo exagero, a reação norte-americana atinge bem mais do que a raiz do problema. De quebra, tira o sono de Apple, Meta e Amazon. Em maior ou menor medida, essas outras Big Tech na fila do processinho usam e abusam de suas plataformas populares para catapultar os próprios serviços para além do alcance da concorrência. É uma bomba atômica no coração da indústria de tecnologia dos EUA, mas, tanto na política quanto nos negócios, timing é tudo: e, para sorte do Google, o árbitro dessa luta está prestes a mudar.
O que rolou?
O juiz Amit Mehta, do tribunal de Columbia, condenou o Google em agosto por monopólio das buscas. Nesta semana, o Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês) mandou a ele as sugestões para desmontar o monopólio do Google nas buscas. Não brincou no discurso:
O campo de jogo não é equilibrado devido à conduta do Google, e a qualidade do Google reflete os ganhos ilícitos de uma vantagem adquirida ilegalmente. A solução deve fechar essa lacuna e privar o Google dessas vantagens
DoJ, na ação
E caprichou na proposta:
- Busca obrigar o Google a vender o navegador Chrome. Piora...
- ... Sugere ainda a venda do sistema operacional Android OU a proibição de a busca do Google vir instalada de fábrica no Android. Acrescenta que...
- ... Caso desabilitar a pesquisa online não funcione, o jeito será mesmo vender o Android. Fora isso...
- ... O DOJ quer proibir o Google de pagar para fazer de sua busca o padrão de celulares e navegadores - havia acordos assim com Apple, Samsung e Mozilla. Em paralelo...
- ... Pretende forçar o Google a compartilhar com rivais os dados que tornaram seu buscador imbatível, além de liberar rivais para turbinarem suas buscas online com os resultados de pesquisa do Google. Olhando para o futuro...
- ... O DOJ tenta impedir o Google de manter quaisquer fatias em companhias de inteligência artificial que possam competir nas buscas online. Por outro lado?
- ... O próprio Google vai propor à Justiça como desmontar o monopólio das buscas em 20 de dezembro. Longe de acabar...
- ... Essa disputa terá no ano que vem um capítulo importante: as manifestações em juízo do governo dos EUA e do Google, que devem defender suas propostas. Já uma decisão?
- ... Só no segundo semestre de 2025, quando o juiz Mehta deve dar um veredicto. De antemão, o Google chamou de "radical" a proposta do DOJ.
A proposta excessivamente ampla do DOJ vai muito além da decisão do tribunal. Ela destruiria uma série de produtos do Google -- inclusive além da Busca -- que as pessoas adoram e consideram úteis em suas vidas diárias
Kent Walker, vice-presidente de assuntos globais do Google e da Alphabet
Por que é importante
O DOJ deu um tapa no que vinha fazendo a UE (multa mais exigências de mudança de conduta) ao mesmo tempo que apelou para um receituário conhecido. Dividir empresas em várias partes é carta que já pintou na mesa lá nos EUA nos casos do Sistema Bell (resultou em várias companhias telefônicas regionais) e da Microsoft (virou nada).
Esse último é quase um prenúncio do que pode acontecer. Na virada do milênio, o governo norte-americano decidiu separar a Microsoft em duas: Windows de um lado, e Internet Explorer do outro. O motivo: a empresa usava o sistema operacional para impulsionar seu navegador. Funcionou. O Netscape, uma vez líder de mercado, já era só uma lembrança quando a Justiça decidiu quebrar a empresa de Bill Gates no meio. Quando a gestão democrata de Bill Clinton deixou a Casa Branca, e o republicano George W. Bush assumiu, os ventos sopraram a favor de Gates. A companhia seguiu intacta, obrigada a ser supervisionada pelo governo e não repetir o mal feito.
Donald Trump assume em janeiro e tem escalado uma galera alinhada com a ideia de deixar a mão do mercado solta, soltinha, para, no máximo, tomar um tapinha de leve do Estado. Trump anunciou Pam Bondi para o DOJ. Ela é ex-procuradora da Flórida. Mas é o novo chefão da Comissão Federal do Comércio (FTC, na sigla em inglês) dá que o tom do que aguarda as Big Tech: Brendan Carr é crítico das redes sociais. Não por achar que são coniventes com discurso de ódio, mas por acreditar que excluem conteúdo demais -e pesam a mão com os conservadores. Mais favorável ao "liberou geral" do que ele, só o Elon Musk.
Newsletter
Um boletim com as novidades e lançamentos da semana e um papo sobre novas tecnologias. Toda sexta.
Quero receberNão é bem assim, mas tá quase lá
Podendo dar em nada ou não, a proposta de divisão do Google será um processo pedagógico para alguns (mostrará como uma só empresa detém várias das mais cruciais ferramentas para nosso cotidiano e as integra de tal modo que elas mais parecem uma só coisa) e catártico para outros (com quantas integrações entre plataformas dominantes se faz um monopólio?).
Quando usamos esses serviços, mal percebemos como várias etapas de acesso são suprimidas porque uma mesma empresa está por trás de todos eles. O chefe da área jurídica do Google explica o que poderia mudar:
A proposta do DOJ exigiria literalmente que instalássemos não uma, mas duas telas de escolha separadas antes de você acessar o Google Search em um telefone Pixel. E o design dessas telas de escolha teria que ser aprovado pelo Comitê Técnico
Kent Walker
Não parece algo capaz de afugentar consumidores. Ainda mais por se tratar de serviços que fomos doutrinados a usar, já que sua onipresença os tornou inescapáveis. Para o Google, duro mesmo é o tiro dado pelo DOJ em sua investida na IA. Para Kent, é algo que pode "resfriar nosso investimento" naquela que é "a inovação mais importante do nosso tempo". Mais do que disparar contra práticas do passado, o governo dos EUA quer, desde já, impedir que o monopólio seja perpetuado para outras áreas. Apple, Meta e Amazon que se cuidem.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.