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Reportagem

'IA não substitui cérebros', diz chefe do centro que criou o exoesqueleto

Apontada como o futuro de diversas áreas, a inteligência artificial também vai fazer a diferença da neurociência, diz Edgard Morya, coordenador de pesquisas do Instituto Santos Dumont, em Macaíba (RN). Ao lado do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), a entidade liderada por Morya fez do estado nordestino um polo mundial do estudo da mente humana.

Ainda assim, não pense que a IA será capaz de solucionar todo e qualquer problema. Para o cientista, essa tecnologia não é capaz de substituir o cérebro humano, dada a grande complexidade do órgão.

E olha que, segundo Morya, a IA vai revolucionar a neurociência. Dispositivos inteligentes, como relógios, por exemplo, coletarão nossos dados, que serão processados por IA para indicar se nossos hábitos precisam mudar hoje —e em que medida— para não sofrermos as consequências daqui a alguns anos.

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Morya é gerente do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IIN-ELS) do Instituto Santos Dumont (ISD). Foi essa instituição que, liderada pelo neurocientista Miguel Nicolelis, concebeu e construiu o exoesqueleto usado por um homem paraplégico para dar o pontapé inicial na abertura da Copa do Mundo 2014, realizada no Brasil.

12.jun.2014 - Juliano Pinto, 29, deu um "chute simbólico" na abertura da Copa do Mundo, na Arena Corinthians, utilizando o exoesqueleto, equipamento desenvolvido pela equipe do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis.
12.jun.2014 - Juliano Pinto, 29, deu um "chute simbólico" na abertura da Copa do Mundo, na Arena Corinthians, utilizando o exoesqueleto, equipamento desenvolvido pela equipe do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Imagem: Reginaldo Castro/Estadão Conteúdo

Morya estima que aparelhos da chamada "internet das coisas médicas" comecem a surgir dentro de cinco anos. Com isso a Saúde 5.0 sairá do papel. Ainda que preveja a chegada iminente da nova onda em tratamento de saúde, o neurocientista afirma que o investimento devesse ser em outra área.

Não adianta nada a gente pensar só desenvolver tecnologia: os processadores estão muito mais rápidos, dobram a velocidade de um ano para o outro, mas não investimos nos cérebros humanos e eles não estão se desenvolvendo nesse ritmo
Edgard Morya, coordenador de pesquisas do Instituto Santos Dumont

Leia a entrevista abaixo:

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Brasil distante da saúde 5.0

Já sabemos que a Saúde 5.0 será a integração da internet das coisas médicas com a inteligência artificial.

Mas as informações demoram ou levam certo tempo para chegar ao Brasil. Quando a gente fala de indústria 4.0 ou saúde 4.0, fora do Brasil já estão um ponto na frente.

Quando é que nós vamos parar de ver o Brasil correr atrás de Estados Unidos e Europa? Quando realmente tivermos mais pessoas desenvolvendo pesquisa para o futuro. Precisamos para isso desenvolver os cérebros humanos. É onde um projeto de Estado, de país, precisa investir na educação, da infância à faculdade. Precisamos disso para esses profissionais criarem novas possibilidades.

Edgard Morya, coordenador de pesquisas do Instituto Santos Dumont
Edgard Morya, coordenador de pesquisas do Instituto Santos Dumont Imagem: Thiago Domingos/UOL

Inteligência artificial x cérebro humano

Embora muitas pessoas dizem que isso vai acontecer, a inteligência artificial não substituiu o cérebro humano. Para quem estuda o funcionamento de um neurotransmissor, das moléculas, de sinapses e das redes, o cérebro humano é muito mais complexo do que uma IA.

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Para a gente resolver problemas do futuro, precisa antes resolver problemas presentes. E nenhuma IA vai aqui no interior do país resolver problema algum.

Não adianta nada a gente pensar só desenvolver tecnologia: os processadores estão muito mais rápidos, dobram a velocidade de um ano para o outro, mas não investimos nos cérebros humanos e eles não estão se desenvolvendo nesse ritmo.

Saúde do futuro

Tem um exemplo simples: sabemos que a população do Brasil está envelhecendo e haverá mais pessoas com doenças neurodegenerativa. Não precisamos esperar pessoas com Alzheimer e Parkinson começarem a pressionar o SUS (Sistema Único de Saúde), o que vai impactar o país, e só então tomar uma decisão. Temos condição de fazer algo já.

Hoje, todo mundo usa um relógio que mostra frequência cardíaca, quantos passos deu. Imagina uma informação dessa com qualidade para avisar que você está com a frequência cardíaca alterada. Mas, em vez de dizer, 'opa, você já em uma alteração', é uma detecção que diga: 'se você continuar desse jeito, daqui um ou dois anos pode ser mais grave'.

Em cinco anos, você já vai ver dispositivos nesse sentido.

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Autonomia para quem tem Parkinson

Um exemplo bastante notório aqui no instituto foi justamente a neuromodulação do Parkinson. Você usa um eletrodo implantado no sistema nervoso ou sobre a pele e liga uma estimulação elétrica que faz uma modulação fisiológica. Você quer que aquela função no sistema nervoso seja reestabelecida.

Com isso, a pessoa que tem Parkinson num estágio mais avançado fica autônoma: ela consegue levantar da cadeira, se alimentar e tomar banho sozinha. Esse é o efeito que a neuromodulação causa. São nesse sentido as tecnologias que a gente está desenvolvendo aqui para o futuro.

No Brasil, você consegue desenvolve nanotecnologia com sensores para neuromodulação? Ainda não.

Mas essa é uma tecnologia que a pesquisa já aponta nessa direção. Quanto menos invasivo e menos o dispositivo causar lesão, melhor para o paciente. E isso ainda que ele não tenha patologia nenhuma.

Aquilo que o exoesqueleto construiu

Maria Vitória Lima da Silva, atleta paralímpica, no Instituto Internacional de Neurociência Edmond e Lily Safra, do Instituto Santos Dumont
Maria Vitória Lima da Silva, atleta paralímpica, no Instituto Internacional de Neurociência Edmond e Lily Safra, do Instituto Santos Dumont Imagem: Thiago Domingos/UOL
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O exoesqueleto é um dos exemplos de como um projeto, que foi desenvolvido pelo Miguel Nicolelis, pode impactar a sociedade e ter aplicação em seres humanos.

Tudo que nós vemos nesse prédio, nesse instituto, aqui ao redor e todo o impacto na sociedade vem dessa interface cérebro-máquina que ele pensou lá atrás num projeto de 1999 com o John Chapin.

Começou com um rato, um modelo animal, e em 2024 a gente tem um prédio, uma estrutura de 15 mil metros quadrados para desenvolver pesquisa de cérebro-máquina com impacto para reabilitação.

Conhecimento acessível

O Brasil precisa mudar um pouco o olhar para a pesquisa. Lá no exterior, a indústria olha um artigo científico e fala, 'opa, uma nova forma de fazer registro ou modulação de sistema nervoso ou do sistema endócrino', já começa a pensar na aplicação.

Aqui, não. Se você desenvolve algo nesse sentido, vira um artigo científico, você vai usar para ensinar as pessoas, multiplicar a informação e acaba por aí.

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Esse pessoal que a gente forma aqui e está indo para o mundo inteiro precisa fazer as informações que estão sendo desenvolvidas chegarem de forma simples a crianças, profissionais de saúde, já que eles não estão acompanhando essa literatura [técnica]. A gente precisa transformar a informação científica e o desenvolvimento tecnológico em algo acessível para a população.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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