Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Falhar contra a pandemia é falta de sabedoria política, diz Harari no SXSW
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Essa semana tive a oportunidade de participar da conferência South by Southwest, mais conhecida como SXSW, considerada por muitos como um dos maiores eventos de tecnologia, inovação e economia criativa do mundo.
Não sei dizer ao certo quantos painéis consegui assistir nessa edição. Acompanhei o debate único entre Yuval Harari, escritor e historiador israelense autor de best-sellers como "Homo Deus" e "21 Lições para o Século 21", e a atriz e neurocientista Mayim Bialik, conhecida principalmente por sua atuação na série The Big Bang Theory.
As visões oscilaram entre uma perspectiva positiva sobre os avanços no campo da inovação e da ciência nas últimas décadas para um choque de realidade em relação à responsabilidade do ecossistema tech.
Mayim compartilhou a sua visão como neurocientista e destacou que a humanidade ainda é resistente a processos de mudança e inovação: "Apesar de os nossos cérebros serem muito adaptativos e orientados a aprender, em último caso, perseguimos o caminho da menor resistência".
Harari por outro lado enfatizou que em sua visão precisamos urgentemente discutir ética na formação de desenvolvedores. Para o historiador, é ultrajante a sociedade exigir de um médico ou de um cientista cursos de ética para que possam se formar em universidades e não exigir o mesmo à programadores que estão modelando de forma brutal a sociedade atualmente:
"Não estão apenas desenvolvendo algoritmos, estão codificando sociedades e economias inteiras", disse.
Em relação a pandemia, o historiador afirmou que, do ponto de vista científico, a humanidade nunca esteve tão apta a enfrentar esse desafio, uma vez que temos ao nosso alcance inúmeros recursos tecnológicos:
"Se não o fizermos, se falharmos no combate à pandemia, não é uma lei da natureza infalível. É porque sofremos uma total ausência de sabedoria política. Espero que isso nos faça entender o quanto somos responsáveis pelo nosso próprio futuro como espécie", afirmou.
Cenário Black Mirror ou não
Assisti também à apresentação de Amy Webb, escritora e futurista fundadora do Instituto Future Today que lançou no evento o seu famoso relatório anual com as tendências para o mundo da tecnologia. Desta vez o estudo está ainda mais detalhado por conta de todas as mudanças e disrupções frente ao cenário da pandemia de covid-19.
Amy fez algumas afirmações e reflexões que poderiam ser resumidas em dois cenários: o catastrófico e o de transformações. No cenário catastrófico viveremos em episódios ainda mais assustadores do que aqueles apresentados na série Black Mirror. No cenário positivo, a sociedade finalmente atuará de forma coletiva e consciente. Você pode acessar o relatório com essas reflexões diretamente no site do Instituto Future Today. Vale a pena a leitura!
Outra fala que me chamou atenção foi da escritora, empreendedora e líder política do Partido Democrático americano, Stacey Abrams. Sua apresentação abriu oficialmente o evento e deu o tom para tantos outros painéis que também discutiram a questão da diversidade, justiça racial, representatividade e ativismo político.
Em um momento onde estamos nos sentindo cada vez mais impotentes frente ao desastre político em relação à gestão da pandemia no Brasil (no fechamento deste texto o Brasil bateu o recorde de mais de 287 mil mortes por covid-19), Abrams trouxe um olhar de esperança para que a nossa voz continue ecoando:
"Se uma ideia não está sendo ouvida quando apresentada de uma forma, faça com que ouçam de outra maneira. Pode não funcionar exatamente como você pretende, mas isso não o isenta de sua responsabilidade. Política tem a ver com a criação do mundo que você deseja ver", disse.
Músicos, diretores de filmes, empresários e empreendedores do ramo do entretenimento também marcaram presença em painéis que discutiram o futuro da indústria.
Empatia
Willie Nelson, músico americano especialmente reconhecido no Texas falou sobre a nova relação com a audiência em um mundo que ainda enfrenta a pandemia do covid-19. Descobrir que Willie tinha sido um grande amigo de Muhammad Ali e que guarda até hoje uma foto dele com uma frase sobre empatia e senso de comunidade foi outro momento especial que fez sentido em meio a tantas notícias ruins sobre a pandemia no Brasil.
Outros painéis sobre o papel do setor privado e da filantropia em escala global também foram muito interessantes. Questões sobre meio ambiente, mudanças climáticas e empoderamento feminino foram brilhantemente discutidos pela ex-presidente e CEO da Pepisco, Indra Nooyi e Melinda Gates, co-fundadora e co-presidente da Fundação Bill e Melinda Gates.
Indra está colaborando agora na divulgação do Prêmio Earth Shot Prize. Em suas palavras, "esta iniciativa é o Prêmio Nobel para soluções disruptivas e de larga escala que possam enfrentar os desafios ambientais dos próximos 10 anos."
Já Melinda Gates trouxe uma forte mensagem quando questionada sobre o desenvolvimento da humanidade: "o ponto inicial é a empatia. É preciso entender culturas para poder trazer mudança. Na Índia, por exemplo, a sogra é a maior influenciadora das jovens mulheres. É preciso educá-las para chegar a algum resultado."
Além desses temas, outro painel interessante foi realizado pelo escritor Charles Yu e a atriz Lisa Ling. Os dois trouxeram reflexões sobre o desafio de dar mais evidência e voz aos preconceitos em torno da comunidade asiática, especialmente no cenário atual com inúmeras questões geopolíticas envolvendo potências econômicas como a China e os EUA, além das consequências que ainda estão em desdobramento por conta da pandemia do covid-19.
A história e relevância do SXSW
A SXSW é uma conferência como nenhuma outra. Suas edições anteriores combinaram painéis que discutiram temas de fronteira, com especialistas, acadêmicos e entusiastas das novas tecnologias e que, muitas vezes, compartilhavam o palco com artistas, músicos, comediantes e cineastas.
Nomes como Quentin Tarantino, renomado diretor de cinema, a cantora Amy Winehouse, Kevin Systrom e Mike Krieger, fundadores do Instagram, além de Barack e Michelle Obama participaram das edições do SXSW e são a amostra do que os organizadores, que têm realizado o evento desde 1987, na cidade de Austin (Texas), acreditam: a inovação precisa ser incentivada em toda a sua complexidade e abrangência. Sobretudo, ela está conectada com a capacidade de inspirar, abraçar a diversidade e ter criatividade.
A SXSW teve sua edição 2020 —para a qual eu já tinha minhas passagens aéreas compradas— cancelada em virtude da pandemia de covid-19. Foi uma alegria saber que o evento foi mantido para esse ano e, de maneira inédita, teve todas as suas atrações em formato 100% online.
O grande desafio da SXSW 2021 era reproduzir o ambiente vibrante da conferência presencial para o mundo digital. Para isso, além de criar uma plataforma específica para a transmissão de todos os conteúdos, a organização também desenvolveu a SXSW XR, um ambiente virtual que é uma verdadeira réplica da estrutura física do evento.
Com ele, os participantes podem assistir a painéis ao vivo, participar de meetups, eventos especiais e performances. Também foi possível interagir com a estrutura, por exemplo, tirando fotos em frente ao Paramount Theater, ponto turístico da cidade.
A oportunidade de trafegar entre as salas em apenas um clique foi uma experiência extremamente positiva.
Mas as inovações não param somente no formato do evento.
O conteúdo também foi totalmente adaptado para dar conta do atual contexto. Com isso, foram criadas três novas trilhas especialmente para essa edição: uma nova urgência, que buscou discutir os avanços necessários em desafios acentuados pela pandemia, como injustiça racial, pobreza, nacionalismo e crise climática; conexão na desconexão, com reflexões sobre o impacto do distanciamento físico durante o momento da pandemia e os novos usos da tecnologia para promover a interação entre indivíduos; e resiliência cultural, com discussões sobre o futuro das artes na próxima década.
Vamos sair dessa
A sensação após participar de um evento tão vibrante e diverso como o SXSW é de que tudo é possível. De que de fato a humanidade tem hoje ao seu alcance a força, o conhecimento, a tecnologia e soluções para que possamos superar os desafios mais complexos da nossa sociedade, como a pandemia do covid-19 e a degradação ambiental.
Para uma empreendedora como eu, inúmeras ideias e conexões surgiram ao longo dessa experiência, o que me fez terminar a semana um pouco mais otimista com o nosso cenário atual.
Acredito que não foi por acaso que ao participar de uma sessão do Music Festival do SXSW estava rolando um cover da Patti Smith, da música People Have the Power.
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