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Letícia Piccolotto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Esquecidos por investidores, negócios sociais podem mudar vidas e dar lucro

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Imagem: rawpixel.com/Freepik

11/12/2021 04h00

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Vivemos um período de grandes desafios sociais, econômicos e ambientais. A crise trazida pelo coronavírus foi somente a primeira de uma série de transformações que devem caracterizar os próximos anos de nossa geração: mudança climática, transição demográfica e desigualdade social.

Temos evidências concretas sobre a complexidade deste período e do quanto ainda precisamos avançar na garantia de direitos para pessoas e ecossistemas.

Uma das evidências dessa complexidade é o fato de que o Brasil não apresentou progresso satisfatório em nenhuma das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), conforme aponta o Relatório Luz 2021.

Definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), os 17 ODS apontam as prioridades para o desenvolvimento dos países até 2030. Nas 169 metas, o desempenho do nosso país é o seguinte:

  • 54,4% estão em retrocesso,
  • 16% estagnadas,
  • 12,4% ameaçadas e
  • 7,7% mostram progresso insuficiente.

Diante da urgência de promover mudanças, precisamos contar com a participação da maior parte dos atores sociais, não relegando esse trabalho somente ao setor público ou às organizações da sociedade civil.

É dessa urgência que nasce o empreendedorismo social.

Assim como uma organização filantrópica ou uma ONG, os negócios sociais têm como missão enfrentar um problema social a partir de soluções inovadoras e, muitas vezes, tecnológicas.

E ao cumprir seu objetivo social, também produzem resultados iguais ou melhores do que um negócio tradicional: são autossustentáveis e trazem lucro para seus fundadores e investidores.

O Brasil tem um rico ecossistema de empreendedorismo social.

Segundo a edição 2021 do "Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental", iniciativa realizada pela Pipe Labo, são 1.272 empresas atuando nas mais diversas áreas, como greentechs, ou tecnologias verdes (49%), civictechs (40%), edtechs (28%) e healthtech (27%).

Desde seu início, o BrazilLAB, primeiro e único hub de inovação govtech do Brasil, tem apoiado o trabalho dos empreendedores de impacto.

Ao longo de nossos cinco anos de história, tivemos a oportunidade de acelerar mais de 100 startups e suas soluções desenvolvidas para o enfrentamento de desafios públicos em diferentes áreas, como educação, meio ambiente, saúde e inclusão produtiva.

Além disso, também contribuímos para a formação de uma rede com centenas de organizações dedicadas a fortalecer esse ecossistema, especialmente produzindo conteúdos, garantindo investimentos e gerando conexões.

Mas é possível fazer mais: o empreendedorismo social pode ser ainda mais potente e transformador quando ele é desenvolvido por atores e regiões específicas.

Transformando a periferia

Um estudo inédito realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Arymax traz evidências sobre essa potência. Lançada na quinta-feira, 9 de dezembro, a pesquisa descreve o trabalho dos empreendedores sociais da periferia e aponta os avanços e também os desafios deste grupo.

O empreendedorismo social da periferia é muito mais diverso do que o tradicional. Em relação ao gênero, a maioria dos empreendimentos sociais é liderada por uma mulher (70%, contra 48% na não-periferia) e com uma participação majoritária de pessoas negras (pretas ou pardas), que formam 87,5% desse grupo —entre os empreendedores do grupo não-periferia, 91,4% se autodeclaram brancos.

Se podemos comemorar a maior diversidade de gênero e raça, também precisamos reconhecer os pesados desafios que os empreendedores sociais da periferia enfrentam.

O primeiro deles, sem sombra de dúvidas, está relacionado ao financiamento: enquanto os negócios sociais do grupo não-periferia recebem, em média, R$ 712.511 como capital inicial, os empreendimentos liderados pela periferia operam com R$ 19.148 como montante para início de sua operação —um valor 37 vezes menor!

Além disso, os negócios sociais da periferia sofreram mais os impactos da covid-19 (49% versus 23% dos não-periferia), possuem uma receita muito menor (21 vezes menor em relação aos empreendimentos de fora da periferia) e têm menos beneficiários diretos de sua atuação (19 vezes menor em relação ao grupo não-periferia) dada a sua frágil estrutura de operação, como recursos financeiros e equipes.

O que fazer?

Os negócios sociais são uma alternativa poderosa e estratégica para enfrentarmos conjuntamente os desafios sociais que se apresentam para toda a sociedade.

Eles se tornam ainda mais relevantes quando são liderados por indivíduos da periferia; para esse grupo, os negócios não só geram impacto social para as comunidades, algo que já seria esperado de uma iniciativa deste tipo, mas também transformam a vida dos próprios empreendedores.

Mas é preciso reconhecer os desafios a que eles estão expostos. E também atuar para combatê-los.

Como já discuti algumas vezes aqui na coluna, o financiamento é um pilar fundamental desse processo, sendo imprescindível garantir mais recursos para iniciativas sociais. O recado é claro: impacto social também pode trazer lucro.

O caminho é longo, deve envolver mudança na cultura e nos olhares de investidores, mas é fundamental.

Os empreendedores sociais são aliados imprescindíveis para que possamos combater desafios históricos que ainda vivenciamos para, finalmente, nos conectarmos às oportunidades do século 21.