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Letícia Piccolotto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que poucos negócios de tecnologia são liderados por mulheres no país?

Setores de inovação ainda carecem de participação feminina - DCStudio/ Freepik
Setores de inovação ainda carecem de participação feminina Imagem: DCStudio/ Freepik

14/05/2022 04h00

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No Dia das Mães, no último domingo (8), após mais de dois anos de pandemia, muitas famílias tiveram o privilégio de se reunirem novamente com suas figuras maternas, encontro que há muito era esperado e que merecia ser celebrado.

Por aqui, também tivemos a sorte dessa alegria. Estive com meus três filhos e nossa família, em um dia cercado de celebrações, mas também de muita reflexão sobre a maternidade, o espaço que ela ocupa em minha vida e os desafios para que ela seja real, possível e equilibrada com os vários papéis que decidi assumir.

Não há um único caminho e é impossível "dar conta" de tudo o que surge em nossas vidas. Ser múltipla e abraçar todos objetivos de vida sempre envolverá escolhas difíceis —como ter que sair apressada do almoço de Dia das Mães e pegar o voo que garantiria minha participação no Aspen Ideas, nos EUA.

Minha experiência pessoal é bastante singular, mas ela também é parte de um desafio coletivo, enfrentado especialmente pelas mulheres que desejam empreender seus próprios negócios.

Os desafios do empreendedorismo feminino são temas que ganham cada vez mais espaço e que tenho exposto amplamente em minhas redes e aqui na coluna.

Para relembrar a seriedade dessa questão, é importante ter noção do volume que estamos tratando: as mulheres representam a metade dos microempreendedores individuais (MEI) existentes no país (48%), são 32 milhões de empreendedoras, que contribuem para que o Brasil atinja a marca da 7ª maior proporção global de mulheres em novos negócios.

De acordo com o relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2020, produzido pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ), realizado com 49 nações, mais da metade das empreendedoras iniciais, aquelas com empreendimento de no máximo 3,5 anos, ou seja, quase 60%, atuam em apenas seis atividades.

Já entre os homens, o número das principais atividades aumenta para 14, mais do que o dobro. O que revela o quanto que quando o assunto é empreendedorismo, as mulheres ainda atuam em um universo de atividades mais restrito que os homens.

E o desafio vai além: as atividades mais desempenhadas pelas mulheres estão focadas em áreas como confecção de peças de vestuário, salões de beleza e a de comércio varejista de cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal.

Em contrapartida, os homens apresentam forte atuação em atividades ligadas à construção civil, atividades paisagísticas e instalações elétricas, além de serviços de transporte e manutenção de veículos.

Além das mulheres terem um universo menor de atividades em que atuam predominantemente, elas também são as que mais empreendem por necessidade.

De acordo com o relatório da GEM, quase 55% delas tiveram que ir para o caminho do empreendedorismo por não encontrar outro meio para ter uma renda. Entre os homens, o empreendedorismo por necessidade aparece em 46% dos casos.

O trabalho autônomo se tornou também uma das alternativas encontradas pelas mulheres em meio à pandemia.

Uma pesquisa realizada pela Closeer, uma plataforma de freelancers, apresenta que 70% desses profissionais no Brasil hoje são mulheres. Por essa pesquisa, 54% diz que o motivo da atividade é para aumentar a renda.

Os dados da Pnad/IBGE, do segundo trimestre de 2021, mostram que o desemprego entre as mulheres estava em 17%, em comparação a quase 12% dos homens e 14% no geral. Esse fator ajuda a explicar a maior quantidade de mulheres em empregos sem carteira assinada.

A não-inovação no empreendedorismo feminino

Um dos ambientes mais carentes de participação feminina são as áreas de STEM —acrônimo em inglês que significa ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

Somente 33% dos pesquisadores são mulheres e, em áreas disruptivas, como inteligência artificial, representamos apenas 22% dos profissionais.

No Brasil, 54% dos títulos de doutorado foram obtidos por mulheres, embora somente 25% dos diplomas se concentrem nas áreas de matemática e ciência da computação.

Um levantamento feito a partir de esforço conjunto entre Distrito, B2mamy e Endeavor mostra que, no Brasil, no empreendedorismo tradicional —no qual as empresas não têm em seu core a inovação— 46,2% das empresas são fundadas por mulheres.

No ecossistema de inovação esse percentual é de apenas 9,8% —4,7% fundadas exclusivamente por mulheres e 5,1% cofundadas por mulheres (fundação mista entre mulheres e homens)—, o que demonstra o quanto o empreendedorismo de inovação ainda é um ambiente muito restrito à presença feminina.

Mas, então, o que impede o aumento de negócios de base tecnológica liderados por mulheres?

O grande desafio segue sendo a falta de reconhecimento e investimento em negócios liderados por mulheres.

No universo das startups, a situação se repete: de acordo com o Female Founders Report 2021, as startups lideradas só por mulheres receberam apenas 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado em 2020.

Os desafios de desigualdade de gênero são profundos e estruturais.

Levará tempo até que possamos reverter tendências tão arraigadas, mas a mudança está em curso.

Crescem o número de programas de formação para lideranças femininas —como o Women Leadership Network Program, da Universidade de Columbia—, as aceleradoras de startup focadas no fortalecimento de negócios liderados por mulheres —como a B2Mamy—, além de negócios disruptivos e inovadores que estão sendo pensados e implementados pelo e para o público feminino —como a startup EuEnsino, acelerada pelo BrazilLAB.

Todo esse movimento me traz esperança de que um futuro melhor possa ser construído. Em que as mulheres tenham direito a participar e contribuir para o avanço da sociedade. E em que a maternidade não seja uma escolha limitante ao desenvolvimento profissional, mas sim uma decisão de vida tomada de maneira autônoma e amparada por toda a sociedade.