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Inteligência artificial criou um perfume só para mim. Será que ela acertou?
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No começo desse ano, me mudei para a Suécia. Como Zuckerberg não dá ponto sem nó, um dos primeiros anúncios que apareceu no meu Instagram combinava exatamente alguns dos meus tópicos preferidos: inteligência artificial, inovação e moda. Foi assim que descobri a No Ordinary Scent ou NOS, uma perfumaria sueca fundada em 2019 e que tem como proposta usar inteligência artificial para criar fragrâncias personalizadas para cada cliente, a partir da análise de imagens.
Conversei com a fundadora da marca, Sandra Kinnmark, que disse que a ideia de fundar a NOS surgiu depois de perceber como era difícil encontrar empresas que fizessem fragrâncias personalizadas, principalmente online.
"Cheiros são algo muito pessoal para nós, então queríamos criar uma experiência online em que se pudesse criar fragrâncias pessoais baseadas em emoções, sentimentos e visões", ela explica.
Tanto Sandra quanto a outra fundadora da NOS, Amelie Saltin Thor, já haviam trabalhado em startups na Suécia e internacionalmente. Essa experiência ajudou na hora de apostar no uso da IA para fazer análise de imagens que criariam essas fragrâncias personalizadas.
Apesar de o termo técnico suscitar complexidade, o processo de encomenda do perfume é bastante simples.
Você mesmo pode dar nome ao seu perfume e escolher até três imagens que darão o "tom" da fragrância. A recomendação é que se escolha mais do que uma foto para que o perfume tenha um cheiro mais complexo, mas fica à escolha do cliente.
Tecnicamente, você pode escolher três imagens quaisquer, porém é encorajado enviar imagens que trazem memórias, assim adicionando mais uma camada de sentido à fragrância personalizada.
No meu caso, resolvi nomear minha fragrância "Sehnsucht", saudade em alemão e nome de uma música que gosto da banda Einstürzende Neubauten. Coloquei fotos de pessoas que sinto saudade, em ocasiões que pareciam banais, mas que agora fazem muita falta.
Com isso, uma análise prévia é feita na hora e você pode ter uma ideia de como serão as notas de saída (ou cabeça), notas de coração (ou corpo) e as notas de fundo (ou base).
Cada perfume leva entre dez a vinte ingredientes. No caso da base, que leva as notas mais profundas e persistentes, foram escolhidas fragrâncias como madeira, terra, baunilha e café. Já no caso dos acordes, em que há a combinação das notas de saída e de coração, estão disponíveis fragrâncias florais e frutais, ou então especiarias e aldeídos.
Para associar esses elementos com as imagens, o algoritmo da NOS analisa as imagens enviadas pelos clientes a partir de suas cores, tonalidades, leveza, a existência de elementos da natureza, pessoas, animais e outros.
No meu caso, foi interessante ver como as imagens que enviei resultaram em um perfume de base âmbar, grão tonka e amêndoas assadas; coração composto por pêssego, troncos salgados e almíscar metálico; e cabeça de pimenta rosa.
Senti que a fragrância era um pouco mais doce do que estava acostumada (prefiro perfumes frescos), mas ainda assim o fundo amadeirado deu um equilíbrio que me fez pensar na palavra "agridoce" —um termo que me parece muito bem casado com saudade.
Sandra me contou que a equipe nunca tem acesso às imagens, que são guardadas em uma plataforma criptografada. Com isso, o algoritmo usa dados agregados obtidos das imagens para melhorar suas análises e apresentar mais opções para o usuário. Ou seja, quanto mais material o algoritmo tiver acesso, mais aprimorado ele irá ficar.
Mas apesar de essa análise levar a um resultado específico, Sandra comenta que a IA está sempre aprendendo com os feedbacks dos usuários. "Nós começamos associando a 'leveza' das imagens com cheiros frescos, mas o algoritmo agora é muito mais específico", diz.
Sandra acredita que é justamente nessa constante aprendizagem que reside a beleza da tecnologia. "É tudo feito em cocriação com as pessoas que estão, de fato, usando os perfumes em vez de ser produto de uma decisão de estrategistas de marketing em grandes corporações".
Nesse ínterim, a IA acaba fazendo uma análise que outrora ficava reservada aos semioticistas. Tanto na comunicação quanto na arte, há pesquisadores que fazem, justamente, a análise de imagens a partir de sua composição, cores, elementos, técnica e outros quesitos que possibilitam uma interpretação daquela obra.
Ainda que haja certos consensos (por exemplo, que a cor preta tem um sentido mais reservado ou até soturno), trata-se de uma convenção que pode mudar muito facilmente com o tempo e com a cultura —assim como cor-de-rosa era outrora uma cor associada a meninas.
Pensando nisso, a NOS cria fragrâncias que são agênero. Enquanto algumas marcas continuam produzindo perfumes para homens e mulheres, cada vez mais na indústria da moda há essa demanda por criações neutras ou então que sejam capazes de subverter as associações de gênero. No entanto, o algoritmo busca categorizar o que cores, elementos e formatos podem significar e como eles podem ser traduzidos em cheiro.
Essa abordagem sinestésica é vista, por exemplo, na pesquisa do neurocientista Paul Bach-y-Rita, que criou dispositivos de "substituição sensorial" para ajudar pessoas portadoras de alguma deficiência a conquistarem a percepção afetada através de outros sentidos. É essa também a perspectiva do implante do artista Neil Harbisson que, apesar de não enxergar cores, consegue percebê-las através de sons.
Enquanto a conversão feita pelo implante de Harbisson se dá em nível de frequência de luz e som, o algoritmo da NOS é mais subjetivo. Contudo, ele torna acessível ao público uma estratégia comum no marketing e na indústria de bens de consumo, isto é, criar fragrâncias e gostos que suscitem memórias e, assim, venda.
É a ideia do cheiro característico do McDonald's e de como ele é produzido de modo a padronizar todas as franquias no mundo, ou então como certas lojas possuem um aromatizador com essência específica.
Com a personalização de fragrâncias oferecidas pela NOS (que também trabalha com marcas buscando esse tipo de produto), qualquer um consegue criar o seu próprio cheiro e "gatilho" de memória afetiva.
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