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Lidia Zuin

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Zumbi? Frankenstein? Cientistas já transformam cadáver de aranha em robô

Cientistas fazem corpo de aranha morta pegar peça eletrônica para desligar uma luz LED - Preston Innovation Laboratory/Rice University
Cientistas fazem corpo de aranha morta pegar peça eletrônica para desligar uma luz LED Imagem: Preston Innovation Laboratory/Rice University

Colunista do UOL

11/04/2023 04h00

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Talvez você já tenha ouvido falar da área da robótica conhecida como soft robotics, que tem como objetivo criar robôs com design que se assemelhe à anatomia de outros seres vivos, principalmente animais.

Diferente dos robôs "comuns" que geralmente são compostos por partes rígidas, a soft robotics busca usar outros materiais que proporcionem uma maior adaptabilidade, semelhante a de componentes biológicos como músculos ou tendões, por exemplo.

Essa proposta de se criar novas tecnologias a partir do design que já encontramos na natureza é conhecida como biomimética e já tem um longo histórico se considerarmos que mesmo o design de aviões tem inspiração em pássaros.

A novidade agora, porém, é que alguns cientistas propõem o uso literal de um corpo biológico para a realização de tarefas robóticas ou mesmo a criação de novos "seres", como os nanorrobôs baseados em DNA.

A abordagem que usa cadáveres é recente e ficou conhecida como necrobótica em julho de 2022, quando pesquisadores da Rice University, nos Estados Unidos, publicaram um artigo no qual apresentavam um experimento feito com corpos de aranhas. Ao aplicar ar pressurizado nas pernas do animal morto, os cientistas foram capazes de recriar o movimento de pinças robóticas.

Com músculos que funcionam apenas para a retração, as pernas das aranhas são esticadas a partir de um mecanismo hidráulico composto por câmaras de sangue que se expandem e contraem de acordo com o movimento a ser realizado.

Essas válvulas, no entanto, são abertas e perdem a pressão quando a aranha morre, daí o motivo pelo qual suas pernas se contraem quando vão a óbito.

Ao estimular esse mecanismo no cadáver, os cientistas conseguiram usá-lo para realizar tarefas de coleta e posicionamento em pequena escala, bem como levantar outras aranhas —levando em conta que o animal consegue, em vida, levantar objetos de até 130% do seu peso.

Contudo, além de o processo de produção ser muito difícil, por se tratar de um componente biológico (e, portanto, biodegradável), foi registrada uma média de mil ciclos de atividade antes de o sistema ficar deteriorado —uma média muito baixa ao se considerar as demandas de uma linha de produção.

Assim, além de ser extremamente questionável do ponto de vista ético e moral, a tecnologia não é eficiente.

Enquanto que alguns pesquisadores buscam delimitar as questões éticas da biomimética, por exemplo, outros argumentam que esse é só mais um desdobramento daquilo que fazemos há séculos, como usar a pele e outras partes de animais mortos para produzir roupas, ferramentas e, obviamente, alimento.

A verdade é que, em 2015, outros cientistas já chegaram a fazer um experimento parecido com animais vivos.

À época, eles implantaram um chip no sistema nervoso central de baratas, assim sendo capazes de controlá-las remotamente.

Mais tarde, esses mesmos cientistas criaram mochilas solares para recarregar a bateria desses implantes, assim estendendo o tempo de vida do sistema a ser usado, por exemplo, em situações de desastre para localizar vítimas. Nunca o filme "Joe e as Baratas" pareceu tão real.

Diante de estudos como estes, fica cada vez mais claro o próximo passo que seriam os testes em mamíferos e em seres humanos.

Na realidade, no começo deste ano, foi confirmado que o implante neural financiado por pessoas como Jeff Bezos e Bill Gates já está sendo testado em humanos.

Menos popular que a Neuralink, o implante Synchron já foi aprovado pelo FDA talvez também pelo fato de ser menos invasivo, assim não requerendo uma cirurgia de abertura cerebral ou qualquer perfuramento no crânio. O implante é feito em duas horas, e 48 horas depois o paciente já está liberado.

Inserido através das veias, o dispositivo é composto por vários pequenos sensores que interagem com o córtex motor e, assim, através de uma antena inserida por debaixo da pele do peito, é possível coletar dados cerebrais crus e enviá-los a dispositivos externos. Isso possibilita pessoas com mobilidade reduzida a interagir "mentalmente" com dispositivos de casas inteligentes ou mesmo um computador ou celular.

Um dos pacientes envolvidos no estudo, Phillip O'Breen, já conseguiu usar o implante Synchron para tuitar na plataforma agora sob direção de Elon Musk.

De um ponto de vista menos acadêmico, esse tipo de ocorrência me faz lembrar um diálogo entre duas personagens do jogo "Overwatch" que são cientistas. Enquanto Mercy é vista como a médica e cientista boazinha, Moira é uma cientista experimental que não tem muitos bloqueios éticos, desde que seu objetivo seja conquistado.

No diálogo, Mercy diz que preferiria esperar um século para poder conquistar progresso científico do que causar os danos que Moira provoca com seus experimentos.

Em contrapartida, ela responde:

Que maravilhoso deve ser poder escolher ter paciência."

Apesar de várias dessas propostas tecnológicas terem um argumento voltado ao auxílio ou resolução de algum problema, quão longe aceitamos ir?

Esse é justamente o questionamento que aparece no excelente conto filosófico "The Ones Who Walk Away from Omelas" (1973), de Ursula K. Le Guin:

  • Neste cenário imaginado, uma cidade vive em perfeita harmonia, mas às custas de crianças que são deixadas em cativeiro.
  • Em um determinado momento da vida, todos os moradores de Omelas devem ir visitar o cativeiro para entender como o sistema funciona, porém a maioria prefere ignorar o que viu e seguir aproveitando sua boa vida.

Diante disso, quantos de nós estaríamos dispostos a visitar esses cativeiros e abandonar nosso conforto às custas do sofrimento alheio?

A julgar pela maneira como ainda continuamos financiando empresas que utilizam trabalho escravo e se sustentam a partir do sofrimento animal, o desconforto causado pelo conhecimento de experimentos com cadáveres de aranha e implantes neurais parece ser bastante relativo e similar àquele que discuti na semana passada.