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IA já mostra como são entidades que surgem após uso de Droga psicodélica
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Uma dupla fez um mapeamento de entidades com as quais usuários de DMT (dimetiltriptamina) —uma droga psicodélica que atua no cérebro— tiveram contato, oferecendo ilustrações que foram criadas com auxílio da inteligência artificial generativa Midjourney. O trabalho do pesquisador David Jay Brown e da artista Sara Phinn estará no livro "The Illustrated Guide to the DMTEntities", com previsão de lançamento em 2024.
O projeto se soma a um crescente número de pesquisadores que vêm mapeando essas experiências psicodélicas.
No ano passado, por exemplo, o estudo "Phenomenology and content of the inhaled N, N-dimethyltryptamine (N, N-DMT) experience" analisou 3.778 relatos compartilhados no Reddit, constatando que 45,5% destes incluem encontros com entidades, sendo estas:
- majoritariamente femininas (24,2%)
- divinas (17%)
- alienígenas (16,3%)
- criaturas reptilianas ou insetoides (9,2%)
- seres mitológicos como elfos mecânicos (8,4%) e bobos da corte (6,5%).
Não é à toa, portanto, que o DMT ficou conhecido como a "molécula espiritual" e que ela também apareça mesmo em religiões como o Santo Daime —afinal, a ayahuasca (chá de ervas amazônicas consumido durante os ritos) possui DMT e harmina em sua composição.
O curioso é descobrir que quase metade dos usuários experienciam encontros com entidades e que elas se repetem ao ponto de ser possível criar um "bestiário" que, no entanto, pode ser um compilado de cosmologias já existentes.
Desde a fundação do Santo Daime nos anos 1930, a religião já se caracterizava pelo sincretismo com outras religiões como o Catolicismo e Espiritismo, ou ainda outras manifestações esotéricas, de pajelança e encantaria e religiões de matriz afro-brasileira. Isso fica mais claro nos hinos entoados nos rituais do Santo Daime, em específico o hinário "O Cruzeiro", criado por Mestre Irineu, fundador da religião.
Conforme descreve Gusman Neto em "A inserção da Umbanda no Santo Daime":
- O hinário evidencia a presença de "elementos oriundos de universos simbólicos que permitam a analogia com a Umbanda", assim mencionando entidades como o "Papai Velho e Mamãe Velha", "caboclos" e "mãe d'água", que são compatíveis à cosmologia da Umbanda.
Por outro lado, também santos católicos, como Santa Maria, aparecem na narrativa do Daime.
O que ocorre no caso dos usuários do DMT é que esses encontros acontecem principalmente após estarem sob o efeito da droga por pelo menos 5 a 10 minutos, algo difícil de ser experienciado somente pela inalação.
Por isso, pesquisadores têm conseguido estender a experiência com administração venosa, assim permitindo que esses encontros sejam mais frequentes e também mais longos, portanto com mais possibilidades de interação.
Por ora, a maioria dos relatos contam com experiências positivas nas quais os usuários são recebidos de forma pacífica e acolhedora pelas entidades. Porém, como esses encontros são muito rápidos, é difícil estabelecer uma conversa mais aprofundada e, conforme levantado na pesquisa, são geralmente unilaterais (somente a entidade se manifesta).
Para o pesquisador David Jay Brown, estender esse período de contato pode ser especialmente importante caso essas entidades acabem compartilhando informações que nos permitam criar tecnologias avançadas.
Independentemente se você acredita que há mesmo entidades que consigam ser contatadas através do uso de DMT ou se a substância apenas estimula o cérebro ao ponto de gerar ideias que não apareceriam tão facilmente em sobriedade, essa é uma proposta bastante interessante e visitada já há décadas.
Talvez quem conseguiu melhor representar isso foi o psicanalista Carl Jung em seu conceito de inconsciente coletivo e na formulação dos arquétipos.
- Jung propôs em sua obra que todos os humanos compartilham um mesmo imaginário (ou inconsciente), no qual certas figuras se repetem independentemente de sua origem geográfica e histórica.
- Para além das correlações narrativas entre religiões, como é o caso do Cristianismo e a incorporação de datas e entidades pagãs em sua cosmologia, há também o que Jung chamava de "sincronicidade" --isto é, um mesmo conceito ou ideia estar sendo compartilhado em lugares e tempos distintos sem que, por sua vez, os envolvidos possuam qualquer forma de conexão ou troca.
Daí em diante a conversa pode saltar para teorias como a dos alienígenas do passado (sim, aquela divulgada pelo ufólogo Giorgio A. Tsoukalos) e outras seitas como o Comando Ashtar, já mencionado nesta coluna.
Mas quero mencionar uma outra via, a hipótese do modelo dos oito circuitos de consciência proposta pelos cientistas Timothy Leary e Robert Anton Wilson.
O modelo propõe o uso de determinadas substâncias ou práticas (como a meditação) de modo a alcançar novos estados de consciência e, assim, por exemplo, conectar-se com entidades.
Coincidentemente ou não, o mais avançado nível de consciência pode ser obtido através do uso de DMT, altas doses de LSD, experiências de quase morte ou ainda o consumo de qualquer dose de quetamina.
Ao conquistar esse circuito de consciência, os autores argumentam que o indivíduo seria capaz de entrar em contato com outras entidades, descritas como anjos ou extraterrestres.
Curiosamente, na pesquisa "Phenomenology and content of the inhaled ?", 281 relatos (16,3%) incluem encontros com alienígenas, seres celestiais e extraterrestres.
Enquanto alguns usam psicodélicos especificamente para ter uma experiência religiosa, outras pessoas podem acabar se "convertendo" após esses encontros.
Nesta pesquisa, por exemplo, foi levantado que participantes que antes se identificavam como ateus mudaram seu posicionamento para algo como agnóstico após o uso de DMT.
Em outros contextos, as mesmas substâncias podem também ser usadas para fins recreativos ou ainda, como já é conhecido, para fins corporativos. Para além da popular informação sobre como Steve Jobs era adepto da microdosagem para fins criativos, mais recentemente essa prática se tornou mais comum em contextos como o do Vale do Silício.
Uma reportagem na Wired mostra como, em 2016, profissionais de San Francisco (Califórnia, EUA) estavam usando psicodélicos para potencializar sua criatividade e produtividade, assim gerando mais ideias de produtos, serviços e tecnologias que não se formam apenas com a ajuda da tradicional cafeína.
No documentário "Take Your Pills" do Netflix, por exemplo, vemos esse mesmo tipo de abordagem com o uso deliberado de medicamentos como Adderall.
O fato de Brown e Phinn estarem usando um produto desse contexto corporativo (Midjourney) para criar ilustrações que mapeiam essas entidades vislumbradas em viagens de DMT é, no mínimo, urobórico. Fica para futura referência conferir a publicação e a recepção dos leitores, de modo a entender se a curadoria feita por Phinn junto à IA conseguiu traduzir bem as visões experienciadas coletivamente.
Por ora, os dois autores acreditam que essas figuras têm muito a ver com os arquétipos propostos por Jung que, por sua vez, são amálgama de diferentes referenciais culturais.
Em "Atlas Mnemosyne", por exemplo, Aby Warburg buscou justamente criar um dicionário imagético desses arquétipos que perpassam as culturas humanas.
Tendo isso em consideração, o "The Illustrated Guide to the DMT Entities" pode se tornar uma nova iteração desse esforço em mapear as imagens do inconsciente coletivo, bem como o resgate do uso de psicodélicos como forma de experiência mágica.
Se considerarmos o trabalho de historiadores como Carlo Ginzburg, por exemplo, entendemos que as noções de magia e bruxaria na Idade Média não eram literais, mas sim conhecimento de plantas e substâncias que induzem a estados de consciência alterados que, por sua vez, produziam figuras compartilhadas, como a do sabbath.
Em livros como "História Noturna", Ginzburg não acredita que, de fato, houve grupos de bruxas que se reuniam na floresta para dançar em torno do fogo, mas que essa foi uma imagem compartilhada por diferentes indivíduos que, por sua vez, se utilizaram de substâncias psicodélicas para experienciar estados alterados de consciência.
De forma semelhante, pode ser que estejamos mais uma vez adentrando um caminho potencialmente mágico e potencializado pela tecnologia —da manipulação de substâncias químicas às suas experiências plasmadas em imagem curada pela inteligência artificial ou ainda em realidade virtual, se quisermos acreditar que essa tecnologia pode um dia vir a ser mental em vez de apenas cibernética.
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