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Pedro e Paulo Markun

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Metaverso do Facebook coloca avatar em 'bolha' contra assédio; isso basta?

Vítima de assédio no metaverso relatou o que ocorreu quando entrou no Horizon Venues, da Meta - Reprodução
Vítima de assédio no metaverso relatou o que ocorreu quando entrou no Horizon Venues, da Meta Imagem: Reprodução

Colunistas do UOL

13/02/2022 04h00

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O metaverso ainda está cercado de pontos de interrogação e, para muita gente, parece conversa fiada. Mas uma coisa é certa —nele, é fácil replicar diversos comportamentos humanos, inclusive os mais reprováveis. Prova disso foi o caso que ganhou espaço na mídia do mundo inteiro há poucos dias. Dada a relevância do assunto, vamos relembrar o episódio em detalhes.

Tudo começou em dezembro passado, quando a psicoterapeuta canadense Nina Jane Patel descreveu o que tinha enfrentado em seu blog.

Pois Nina contou a seus leitores o que enfrentou segundos após entrar no Horizon Venues, a aplicação social de realidade virtual da Meta (ex-Facebook), que já promoveu, entre outros, um show do Foo Fighters. Ela foi cercada por quatro homens.

Antes que você imagine a cena, lembre-se: Nina e seus agressores estavam no metaverso e, portanto, o episódio transcorreu entre seus avatares.

Mas foi pouco diferente do que se passa muitas vezes em casos de assédio no mundo real.

Os avatares com vozes masculinas cercaram a canadense, disseram algumas grosserias de caráter sexual e tiraram fotos. Quando Nina reclamou do cerco, ouviu de uma voz masculina: "Não finja que você não está gostando..."

Em seu blog, Nina não poupou seus abusadores:

"Minha experiência de assédio sexual foi, para dizer o mínimo, chocante. Chocante porque não estou acostumada a ser tratada de maneira tão depreciativa, talvez em 1996, mas certamente não em 2021. Uma experiência horrível que aconteceu tão rápido e antes que eu pudesse pensar em colocar a barreira de segurança no lugar. Eu congelei".

A barreira de segurança é um dispositivo oferecido aos usuários do Horizon World e Horizon Venues, que permite criar uma bolha em torno de seu avatar, caso ache que está desconfortável ou em risco.

Mas mesmo sendo cofundadora e vice-presidente de pesquisa em metaverso da Kabuni, Nina não atinou para essa possibilidade.

A Kabuni é uma pequena empresa (menos de 900 seguidores no Linkedin) que se define como uma reunião de "futuristas apaixonados, criadores de mudanças e viciados em tecnologia, todos em busca de criar uma sociedade saudável e feliz para toda a humanidade." O objetivo é garantir que as crianças possam aprender no metaverso em segurança.

Mais adiante, Nina registrou os comentários a seu post:

  • "Não escolha um avatar feminino, é uma solução simples";
  • "Não seja estúpida, não era real";
  • "Um pedido patético por atenção";
  • "Avatares não têm corpos inferiores para atacar";
  • "Você obviamente nunca jogou Fortnite";
  • "Eu sinto muito que você teve que experimentar isso" e;
  • "Isso deve parar".

De todo modo, as queixas de Nina surtiram efeito.

Há poucos dias, a Meta anunciou que, a partir de agora, vai haver uma espécie de zona permanente de segurança em seus universos digitais. Quatro pés, ou seja, 1,2 metro virtual definido como o espaço pessoal de cada um. Nele, nenhum outro avatar pode entrar.

Meta usa recurso de limites pessoais no metaverso por casos de assédio - Divulgação/ Meta - Divulgação/ Meta
Meta usa recurso de limites pessoais no metaverso por casos de assédio
Imagem: Divulgação/ Meta

Para o vice-presidente da Horizon, Vivek Sharma, os novos limites pessoais vão ajudar a estabelecer normas comportamentais para o mundo novo. No futuro, admitiu o executivo da Meta, cada usuário poderá definir o tamanho desse espaço.

"É um passo importante e ainda há muito trabalho a ser feito. Continuaremos testando e explorando novas maneiras de ajudar as pessoas a se sentirem confortáveis", diz.

A mudança não satisfez alguns críticos, que reclamam punição efetiva a quem sair da linha no metaverso.

Will Oremus, colunista do Washington Post, relatou o contato que manteve com um avatar que parecia ser o de uma criança de nove anos, num desses mundos virtuais. O bonequinho aproximou-se da figura de Will e perguntou onde estavam. A voz era de criança e explicou que tinha nove anos e estava usando os oculus dos pais.

O risco, lembrou Will citando especialistas, é que ao permitir a convivência entre crianças e adultos num espaço sem regras, a Meta estaria abrindo um território de caça para predadores sexuais.

Casos já foram documentados em jogos como Fortnite e Minecraft e também no Instagram e Discord.

Kristina Milian, porta-voz da Meta, procurada por Will, não informou se a empresa já recebeu denúncia de abusos envolvendo crianças em seus mundos virtuais e repetiu que o metaverso é um território em construção e que a companhia de Zuckerberg fará todos os esforços para torná-lo seguro e confiável e conta para isso com a colaboração dos usuários.

O Fórum Econômico Mundial publicou recentemente um documento na mesma direção, onde diz ser necessário construir ecossistemas confiáveis. E dá exemplos:

"Uma boa noção dos riscos potenciais pode ser encontrada em alguns aplicativos existentes que criam 'mundos virtuais', como em muitas plataformas de jogos. É claro que existem desafios de segurança significativos já identificados nesses ambientes. Por exemplo, recriações do tiroteio na mesquita de Christchurch de 2019 destinadas a crianças muito pequenas foram encontradas várias vezes na plataforma Roblox, apesar dos esforços significativos da empresa para conter a onda desse conteúdo.

Conteúdo violento extremista e terrorista não é o único dano em tais mundos virtuais. Recentemente, no Oculus Quest VR Headset do Facebook, um funcionário experimentou um discurso racista que durou vários minutos enquanto jogava Rec Room e não conseguiu identificar ou denunciar o usuário. Tatear também tem sido um problema que surgiu no metaverso, por várias razões."

Depois de listar iniciativas na direção de mais segurança em várias partes do mundo, o documento conclui:

"Neste momento, uma das formas mais comuns de governança nos mundos virtuais é uma forma de moderação reativa e punitiva. Isso não impede que os danos ocorram em primeiro lugar e muitas vezes as consequências podem ser contornadas, à medida em que os maus atores se tornam mais sofisticados ao reagirem às novas regras. Encontrar maneiras de incentivar melhores comportamentos e talvez recompensar interações positivas pode ajudar a criar um futuro digital mais seguro, especialmente devido ao aumento dos riscos de segurança no metaverso."

Nina Patel, concluiu seu post mais recente sobre o caso deste modo:

"Gosto de me imaginar como uma exploradora. Em uma fronteira que ainda não foi explorada, cheia de expectativa, emoção, esperança e com isso —medo. Mas sou uma mulher determinada (com uma comunidade forte ao meu redor) e não estou disposta a ser derrotada por 3 ou 4 avatares dispostos a me assustar ou intimidar. Vamos nos inspirar nas mulheres da história, criando o mundo que elas querem ver?"

O metaverso —com suas infinitas possibilidades e seus avatares absolutamente customizaveis— onde seu avatar, seu eu, pode ser homem ou mulher, mas também robôs, criaturas fantásticas e o que mais a imaginação permitir é um novo mundo. Um mundo que poderia surgir com questões urgentes e estruturantes do nosso tempo —machismo, racismo e preconceito nas suas diversas facetas— já superadas.

Infelizmente os colonizadores e construtores desse novo mundo somos nós mesmos e precisamos de muito cuidado e atenção para não carregar e reproduzir todos esses comportamentos deploráveis nessa nova realidade.

Mas é um mundo novo, onde, como disse Nina, somos todos exploradores. Você pode ser quem quiser e como quiser; onde os limites da criação são a sua própria imaginação.

Temos todas as condições para criar um espaço melhor e mais seguro para todos.