Matemática explica: como é calculada a aposentadoria em outros países?
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Pergunta enviada por Endrigo Coelho, em Airdrie (Canadá)
A regra é clara, Coelho (você é primo do Arnaldo?), mas cada país tem a que merece sua. Aí no Canadá, por exemplo, você só tem direito ao benefício máximo se aposentando aos 65 anos (já tá chegando?) e, assim como no Brasil, há um teto para o valor das aposentadorias. Aliás, você sabia que a contribuição que você fez para o INSS aqui no Brasil pode ser computada na sua aposentadoria canadense? De nada.
Respondendo sua pergunta de maneira muito simplificada, são dois modelos básicos de previdência:
- benefício definido
- contribuição definida
Explico em detalhes já, já. É que antes preciso agradecer, porque não poderia haver pergunta mais fértil para estrear esta coluna de entretenimento informativo. Principalmente por vivermos, cá no Brasil, o anticlímax do reality show A Reforma, que entrou no ar em dezembro de 2016, produzido pelo poeta Michel Temer.
Trinta meses depois, já sob nova direção, numa season finale programada inicialmente para ser mais curta do que a de Game of Thrones, o enredo ainda está arrastado. Enquanto o executivo e o legislativo batem cabeça sobre o desfecho dessa trama que impactará as finanças públicas e particulares dos brasileiros pelas próximas décadas, uma coisa é certa: não pode dar em pizza.
Falando em pizza, vou ilustrar os modelos básicos de previdência no forno a lenha, à moda da casa:
Benefício definido
A mesa aqui é coletiva. Todos os trabalhadores doam, mensalmente, uma porção de ingredientes para uma rede de pizzarias nacional. Todo mês, o trigo, o tomate, o queijo, o manjericão e demais itens vão para o forno e são distribuídos para quem não trabalha mais. O tamanho das fatias varia de acordo com a quantidade de ingredientes e com o período de tempo que o sujeito doou quando era um jovem trabalhador. Nesse modelo, o risco está nas mãos do pizzaiolo: se faltar doação de ingrediente, ele precisa se virar para garantir as pizzas.
Contribuição definida
Aqui só se trabalha com pizzas individuais. Os trabalhadores seguem doando ingredientes todo mês. Só que os itens que cada indivíduo vai entregando entram numa despensa particular, não são para repartir com o colega. Ou seja, quando chegar a vez dele na fila, é o que foi armazenado ao longo da vida dele que vai para o forno. Nesse modelo, o risco está todo com o trabalhador, já que sua disciplina e possibilidade de contribuir ao longo da vida profissional é que vai definir a quantidade e a qualidade das pizzas que ainda vai comer.
A maioria dos países trabalha com a pizzaria coletiva gerida pelo governo, similar ao nosso INSS. Em alguns outros, como Chile, México, Dinamarca e Israel, as pizzarias são da iniciativa privada e só tem pizza individual mesmo. Há ainda os países que servem meio a meio, com parte da aposentadoria de responsabilidade coletiva e outra parte individualizada. É o caso de Índia, Rússia e Eslováquia.
Agora que a gente já se encheu de pizza, vamos guardar o que sobrou da metáfora para viagem.
Seja qual for a receita (no mais amplo sentido) de cada país, o fato é que sistemas de previdência do mundo todo já encararam ou precisam encarar o seguinte cenário: taxas de natalidade diminuindo e expectativa de vida aumentando. Isso quer dizer que haverá cada vez menos jovens trabalhadores contribuindo com parte dos seus salários para bancar a aposentadoria de uma quantidade cada vez maior de idosos - e que tendem a viver por mais tempo gozando do benefício. No Brasil, a projeção é de que 30% da população tenha 60 anos ou mais em 2050.
Olhando para o quintal de alguns vizinhos, podemos observar o que eles têm feito diferente da gente para fazer a conta fechar. Vamos comparar dois fatores: idade mínima para aposentadoria e expectativa de sobrevida aos 60 anos (dados da ONU).
Quanto menor é a idade mínima, menos tempo o trabalhador contribui para o sistema, e mais tempo ele se beneficia, como aposentado, dos valores depositados pelos trabalhadores mais jovens. Conforme a expectativa de sobrevida aos 60 anos cresce, o período de gozo da aposentadoria também se estende, aumentando os gastos do sistema. Não é à toa que, de 24 anos para cá, 57 países subiram a idade mínima para se aposentar, de acordo com dados da Federação Internacional dos Administradores de Fundos de Pensão (FIAP).
Desenhei os dados de alguns países para facilitar nossa conversa:
Como a previdência brasileira não trabalha com essa tal de idade mínima, o gráfico é baseado na média de idade com que nos aposentamos por aqui. Note que é bem mais cedo do que os países que adotam uma idade mínima. Aqui, é comum ver pessoas recolhendo o benefício mais cedo, se aposentando por tempo de serviço (35 anos de contribuição para homens e 30 para mulheres). Ou seja, se um rapaz começa a trabalhar com carteira assinada aos 18, pode se aposentar com 53 anos - se for mulher, com 48.
A proposta atual do Paulo Guedes é cravar 65 anos para homens e 62 para mulheres se aposentarem no Brasil. Uma medida complementar à idade mínima, já adotada por vários países, é aumentar o percentual de contribuição de acordo com indicadores de envelhecimento da população ou até mesmo de saúde do sistema financeiro do país: ainda de acordo com a FIAP, 78 países aumentaram suas taxas de contribuição previdenciária de 1995 para cá.
Isso é apenas a pontinha do iceberg. Nem vou entrar em minúcias brasileiras como aposentadoria rural e de militares para não me delongar demais logo na estreia da coluna.
Mas podem perguntar sobre esse e qualquer outro assunto à vontade. É só deixar um comentário logo após os versos que tomei emprestados do livro "Anônima Intimidade", de autoria do presidente aposentado Michel Temer, para fechar o assunto. Voltem sempre.
A Carta
Leu.
Releu.
Não entendeu.
Mas compreendeu.
Tanto escreveu
Só para dizer
"Adeus".
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