Quem inventou a máscara N95, equipamento que protege contra o coronavírus?
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Pergunta de Delise Bravo-Bussey, de McDonald, TN (EUA) - quer enviar uma pergunta também? Clique aqui
Há uma mulher e um homem por trás da máscara - tão importante e escassa para quem está na linha de frente no combate ao novo coronavírus. Cada um a seu tempo, a americana Sara Little Turnbull e o taiwanês Peter Tsai foram as grandes mentes que legaram ao mundo a N95 - todos apoiados por colegas, parceiros e assistentes de desenvolvimento e de pesquisa, obviamente.
Sara foi uma designer que atuou por quase 20 anos como editora de decoração da revista House Building. Em 1958, deixou a publicação para abrir sua própria consultoria de design industrial. Um de seus primeiros clientes foi a 3M. No departamento de embalagens de presente e tecidos da empresa, Sara entrou em contato com uma nova tecnologia.
Jateando ar em uma camada de polímero derretido, a empresa descobriu como produzir tecidos sem entrelaçamento de linhas, como os panos tradicionalmente vinham sendo feitos desde a Antiguidade. Sara trabalhou com a primeira aplicação desses materiais: a produção de fitas de enfeite mais rígidas.
Sara viu tanto futuro nos tecidos sem entrelaçamento, finos, leves e moldáveis, que pensou em cem produtos que utilizassem o material. Um deles foi um sutiã que, involuntária e indiretamente, inspirou a criação da N95. Ainda na década de 1950, Sara acompanhou a enfermidade de parentes próximos, o que a motivou a trabalhar no design de uma máscara para ser usada por profissionais da saúde em hospitais - a similaridade entre os esboços que ela desenhou para o sutiã e para a máscara são inegáveis, além da inspiração do bojo e do elástico da peça feminina para o metal e para as fitas que sustentam e ajustam a N95 à face.
Há também um relato folclórico na 3M sobre um funcionário que, testando o sutiã para outros fins, descobriu que o tecido era tão poroso e "respirava" tão bem que servia para filtrar a gordura da canja que preparou em casa - mais tarde o material serviu para o desenvolvimento de um filtro de óleo. Mesmo com toda inovação na vedação, na acoplagem ao rosto com elástico em vez de fitas presas com nós, e na capacidade de barrar micropartículas sem atrapalhar a respiração, a máscara não foi para os hospitais, já que não barrava agentes biológicos como bactérias e vírus.
Mas o uso industrial bombou. Em 1972, a N95 nasceu como um dispositivo para proteger os pulmões de trabalhadores da construção civil, da mineração e de outras indústrias cujo ambiente continha partículas nocivas ao sistema respiratório, como amianto e carvão. A máscara foi batizada como N95 porque é eficiente na captura de partículas não oleosas (daí a letra N, de "não") e retém até 95% de micropartículas de até 0,3 micrômetros (1 micrômetro é a milésima parte do milímetro) presentes no ar.
Só que a máscara levou mais de 20 anos para entrar nos hospitais, como Sara idealizou. E é aí que o taiwanês Peter Tsai aparece na história, embora nunca tenha sido um profissional da saúde. Em 1992, o cara começou a desenvolver a tecnologia que faria a N95 dar seu salto de qualidade.
Aconteceu a 145 km da sua casa, cara Delise, quando Tsai era pesquisador da Universidade do Tennessee, em Knoxville. Ao longo do doutorado, o taiwanês estudava de tudo: matemática, física, engenharias elétrica, mecânica, química e o que mais aparecesse. Enquanto um PhD médio cumpria 90 créditos, ele acumulou 500 em seu currículo escolar. No meio de tantas disciplinas apareceu a engenharia de materiais. Era o toque cirúrgico que faltava nesse caldo interdisciplinar para Tsai aprimorar a filtragem da N95.
Submetido a um processo elétrico chamado descarga de corona - vejam a ironia do destino - o material da máscara ficava ionizado. Esse efeito eletrostático incorporado ao tecido da N95 aumentou a capacidade de filtragem em dez vezes.
Logo, além da eficiência da barreira física, proporcionada pela maneira com que os furos se estruturam no material, Tsai acrescentou um "verniz elétrico", que fazia partículas ainda menores aderirem ainda mais ao tecido. E foi assim que bactérias e vírus foram, finalmente, barrados no baile das máscaras.
A tecnologia patenteada por Tsai e companhia somada a um surto de tuberculose nos anos 1990, abriram os olhos da indústria para a possibilidade de adaptar a N95 para os ambientes hospitalares a fim de proteger os profissionais de saúde do contágio por doenças transmitidas por micropartículas no ar.
E nessa proteção a médicos, enfermeiros e funcionários de hospitais reside a diferença mais importante entre a N95 e as máscaras cirúrgicas: a N95 é uma máscara respiratória, que protege o usuário de inalar partículas; as máscaras cirúrgicas e as de tecido, por sua vez, não protegem quem as veste, mas funcionam no sentido oposto, evitando que a pessoa pulverize partículas nocivas por aí.
Resumindo, porque é importante frisar: a N95 evita a inalação do vírus que vem de fora, enquanto que máscaras cirúrgicas ou de pano diminuem sua propagação pelo ar. É por isso que há recomendações e até apelos das autoridades para que as N95 sejam destinadas exclusivamente para os profissionais de saúde que estão enfrentando a covid-19.
A escassez de N95 começou antes da pandemia. A demanda aumentou logo no início do ano por causa de grandes incêndios na Califórnia e na Austrália. Com a dificuldade mundial para abastecer tantos hospitais e profissionais com a máscara, Tsai retornou da aposentadoria iniciada em 2019. Neste momento, ele colabora com um time de cientistas de vários países para estabelecer procedimentos de higienização das máscaras que ajudou a criar. O objetivo é possibilitar que uma mesma unidade seja reutilizada várias vezes mantendo a eficácia.
Uma salva de palmas para o trabalho de Sara (falecida em 2015), de Tsai e de todos os profissionais de saúde protegidos pelo trabalho deles. Que esses heróis anônimos sejam sempre reconhecidos por trás da máscara que carregam.
*
Cena pós-crédito: em 2018, um ano antes de se aposentar, Tsai descobriu uma técnica de ionização duas vezes mais eficiente do que a descarga de corona para aumentar a capacidade de filtragem de materiais. Se ela for aplicada com sucesso à N95, pode diminuir pela metade a espessura da máscara, aumentando o conforto ao vestir e respirar.
Consultoria: Roger Almeida, cardiologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Gilton Marques, cirurgião gástrico do Hospital Sírio-Libanês.
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