Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Pandemia estimula artistas a projetarem informação nas paredes da periferia
Artistas visuais mostram como a técnica do vídeo projeção, que se tornou parte da paisagem de prédios no centro de São Paulo durante a pandemia, pode ganhar as quebradas e se transformar em uma linguagem artística e autônoma para informar moradores.
Toni Baptiste, 36, e Flávio Camargo, 44, transformaram a técnica em linguagem artística voltada para as periferias da cidade de São Paulo. Juntos, eles formam o Coletivo Coletores, um dos principais precursores desta linguagem que foi disseminada ainda mais por conta da pandemia de covid-19.
Com a chegada da pandemia nas periferias de São Paulo em março de 2020, todas as atividades que o grupo tinha programado foram canceladas. Como muitas das famílias das periferias, os artistas tiveram parentes e vizinhos vítimas da covid-19.
Com a quarentena e o distanciamento social, muitos grupos que trabalham com vídeo projeção em uso comercial ou de entretenimento, passaram a utilizar a técnica para trazer mensagens de conforto e reivindicações no contexto da pandemia. A vídeo projeção conquistou as ruas e foi exibida pelas redes sociais e canais de streaming.
"A maioria dessas projeções eram no centro de São Paulo, de pessoas que moravam em apartamentos na região e que tinham uma vista privilegiada, para que elas pudessem da própria janela ter um grande paredão para projetar. Essa informação circulava apenas no circuito da vídeo projeção e quando tinha uma mensagem conveniente, a grande mídia divulgava", diz Baptiste, que é morador da Vila Flávia, no distrito de São Mateus, zona leste de São Paulo.
Ainda em 2020, surgiu um convite do CPDOC Guaianás (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás) para fortalecer uma manifestação contra a reabertura de um shopping em Itaquera, zona leste de São Paulo. Além dessa pauta, a manifestação também reivindicava um hospital de campanha na zona leste, que era na época a região do estado de São Paulo onde mais havia vítimas de coronavírus. Com equipamentos simples, o Coletores fez de forma independente uma "projeção de guerrilha".
Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, o coletivo também fez uma outra ação de vídeo projeção em locais de saúde. Com equipamentos dentro de uma kombi, o Coletores saiu pelas ruas da zona leste para homenagear os profissionais de saúde que são linha de frente no combate à pandemia, além de trazer mensagens de conscientização.
Criando uma linguagem
Os artistas formaram o coletivo em 2008, durante a graduação em Artes Visuais, e ambos eram professores da rede pública. "Quando conhecemos a vídeo projeção, tínhamos menos recursos do que temos hoje. Compramos projetor para dar aula e usamos este mesmo projetor para fazer as nossas ações artísticas", afirma Baptiste.
Interessados em pensar a arte urbana para além das linguagens tradicionais como o grafite e o pixo, o Coletores desde suas primeiras ações se empenhou em utilizar uma combinação de técnicas para criar experimentações artísticas inovadoras. Passando pela fotografia, instalações, design, grafite, animações e games, a vídeo projeção se apresentou como um desafio com amplas oportunidades.
A barreira da aquisição de equipamentos caros não intimidou o grupo. "Muitas vezes, em trabalhos que repercutem até hoje, nós tínhamos equipamentos muito aquém daquilo. Por a gente ter conseguido adaptar a precariedade dos nossos equipamentos à nossa linguagem, conseguimos tirar proveito disso", diz Camargo, que é morador de Poá, na Grande São Paulo.
Segundo ele, durante o processo de produção das imagens e textos a serem projetados, há a curadoria e edição que driblam as características desfavoráveis dos equipamentos.
Um dos exemplos mais emblemáticos dos trabalhos do Coletores é a série de pesquisa iconográfica "Resistência", que ainda está em desenvolvimento, feita a partir de fotografias de momentos históricos da luta da população negra, indígena e periférica no mundo.
A fotografia da caminhada de 1965 liderada por Martin Luther King, militante do movimento negro nos Estados Unidos, em Selma, no estado do Alabama, foi projetada na favela da Vila Flávia, zona leste de São Paulo.
Considerando o registro da ação tão relevante quanto a intervenção em si, na fotografia da atividade feita pelo Coletores é possível observar as texturas das paredes das casas, sua iluminação e partes do seu interior.
Dessa maneira, a "foto da foto" torna-se uma outra obra em si porque captura as interpretações possíveis entre a vida dos moradores das periferias da cidade de São Paulo no século 21 e a luta por direitos da população negra na década de 60 nos Estados Unidos.
Versatilidade da linguagem tecnológica
A vídeo projeção, utilizada como linguagem, pode tornar o conteúdo mais dinâmico e agregar outra camada de experiência visual. Dentre os trabalhos que os Coletores já fizeram em parceria com outras coletividades e artistas estão shows musicais e peças teatrais.
Desde o ano passado, o coletivo realizou diversas oficinas em espaços culturais, como a Oficina Alfredo Volpi, em Itaquera, e espaços universitários como a UFABC e USP.
"A gente sempre pensa a oficina como um campo aberto. De repente, o interesse da pessoa não é a vídeo projeção em si, mas a produção de conteúdo para esta linguagem, como a animação. Entendemos que esse é um ponto de partida, uma entrada a este mundo de produção. Por isso, partimos de ferramentas que sejam usadas de maneira muito intuitiva, acessível. A gente tenta mostrar que existem vários caminhos, como o da poética, para pensar a estética. E também tem um caminho da operação, porque muita gente também se interessa pela matemática da coisa", diz Camargo.
No final deste mês, entre os dias 26 e 29, eles irão ministrar uma oficina gratuita e virtual em parceria com o Centro de Mídia M'Boi Mirim.
O Coletores selecionou quatro estilos para serem ministrados na atividade voltada para moradores das periferias: vídeo mapping, vídeo guerrilha, projeção em shows e grafite digital. "Ao mapearmos o grafite e fazermos uma projeção nele, criamos uma outra camada de interpretação", afirma Baptiste.
São 30 vagas e as inscrições vão até o dia 22 de abril ou até as vagas serem preenchidas. O contato com os inscritos será feito pelo WhatsApp.
Para fazer a inscrição, é necessário acessar este link.
As aulas acontecem das 19h às 21h e serão ministradas pelo aplicativo Google Meet.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.