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Sem internet decente, periferia se afasta do debate político nas eleições

Com acesso ruim à internet, Auderlei Teixeira teme ter dificuldades para se informar sobre candidatos das eleições de 2022 - Flávia Santos
Com acesso ruim à internet, Auderlei Teixeira teme ter dificuldades para se informar sobre candidatos das eleições de 2022 Imagem: Flávia Santos

Flávia Santos e Ronaldo Matos (edição)

08/07/2022 04h00

Como os moradores das periferias que não têm acesso pleno à internet irão decidir em quem votar nas eleições de 2022? Essa é a questão que vem atormentando o baiano Auderlei Teixeira, 45, homem negro, migrante nordestino, e morador da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo, que votou pela primeira e última vez em 1993.

Teixeira diz que se arrependeu de não ter votado nas eleições seguintes, mas que fará diferente este ano. "Transferi meu título da Bahia para cá, quero muito votar este ano", afirma.

Mesmo se sentindo novamente motivado, Auderlei diz que encontra muitas dificuldades para ter acesso às informações sobre propostas dos novos candidatos e entender por que muitas obras públicas começam nesta época do ano.

Ele revela medo de não conhecer de fato os candidatos antes de votar e acabar tendo que escolher qualquer um deles.

"O governo poderia criar um projeto para facilitar a internet para todos, e quando chegar a hora, as pessoas terem condições de acessar e acompanhar a política", diz o pai de família, que só consegue acessar a internet pelo celular quando está a caminho do trabalho.

Internet cara

A Cidade Ipava, bairro onde Auderlei mora, pertence ao distrito do Jardim Ângela, onde 60% da população se autodeclara preta ou parda. Ali, segundo levantamento do Mapa das Desigualdades da Rede Nossa São Paulo, há apenas 1,4 antena de internet móvel para cada 10 mil habitantes, enquanto no Itaim Bibi, região nobre da cidade, existem 49,8 antenas de telefonia móvel para o mesmo montante de moradores.

A Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel) recomenda que as operadoras disponibilizem uma antena de telefonia móvel para acesso à internet para cada 2.200 pessoas.

Outro aspecto citado por Auderlei é o preço dos serviços da internet móvel, já que a inflação nas alturas compromete o poder de compra do morador da quebrada. "Eu acho que isso tudo vai impactar, sim. Os planos de internet são caros para a gente conseguir pagar", diz.

Para se informar, o morador recorre à televisão, aos telejornais da Globo e Record. Auderlei diz acreditar mais nas notícias veiculadas nos programas que assiste do que nos conteúdos disponíveis na internet, onde, segundo ele, é mais fácil encontrar fake news.

Sem esperanças

Em janeiro de 2022, a cidade de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, ficou conhecida nacionalmente por conta dos temporais que causaram mortes, destruição de casas, enchentes e deslizamentos de terras. Um dos bairros mais atingidos foi o Lago Azul, onde mora Emilly Cavalcante, 20, jovem que vem enfrentando uma série de barreiras digitais para acessar a internet e realizar pesquisas sobre os candidatos para as eleições deste ano.

Emilly considera que o acesso à internet de qualidade ajudaria a melhorar na escolha dos candidatos, pois para ela, esta é a eleição que representa a única esperança para mudanças positivas no país.

"Acredito que deveria ser um requisito básico ter uma internet de qualidade em todas as casas, pois com ela poderia crescer um interesse mais intuitivo de pesquisar partidos e candidatos", afirma.

Segundo a ferramenta Mapa de Antenas, da Conexis Brasil Digital, entidade que reúne empresas de telecomunicações no Brasil para promover estudos e debates sobre melhorias na infraestrutura de conexão e comunicações no país, a cidade de Franco da Rocha possui apenas 48 antenas de internet móvel para atender uma população de mais de 130 mil pessoas.

A operadora Vivo conta com 12 antenas de distribuição de sinal de internet móvel. Esse é o mesmo número de estações de distribuição de internet móvel da Claro. Já a TIM conta com 24 antenas.

O bairro Lagoa Azul, onde Emilly mora, não possui nenhuma.

Ela votou pela primeira vez em 2020, mas hoje o sentimento de Emilly em relação à política é bem diferente em relação à época do primeiro voto. "O sentimento é de desesperança", diz.

Para a jovem, debater política com amigos e família não faz mais parte do seu repertório de assuntos cotidianos, que ela gosta de abordar. "Não é o meu assunto preferido, pois cada um tem seu ponto de vista, vivências e nada está ao nosso favor", afirma.

Mesmo com a qualidade da internet deixando a desejar, Emilly tenta acessar algumas plataformas digitais para pesquisar o que está acontecendo com a política no país. Ela diz não acreditar muito no que os telejornais noticiam.

"O conteúdo que passa na televisão não é muito autoexplicativo, então não auxilia em muita coisa. Eu acompanho canais no YouTube", conta. Para ela, esses canais são fontes confiáveis de informações e abordam notícias sobre os candidatos.

Dá para acreditar na televisão?

O ponto de vista da dona de casa Daniela dos Santos, 37, moradora do Jardim Aracati, zona sul de São Paulo, é semelhante ao de Emilly.

Para ela, a televisão também é um meio de informação com pouca credibilidade, que dá destaque somente aos partidos de maior expressão. "Muitas vezes a televisão passa apenas os candidatos de maior partido", diz.

A alternativa, segundo Daniela, é pesquisar na internet não de forma aleatória, mas quando já possui um candidato em mente. "Procuro bem pouco informações sobre política na internet. Só procuro saber quando escolho um candidato e vou pesquisar sobre ele", conta.

Daniela diz que a o serviço de internet na sua casa é bem ruim. Diante desta situação, as informações não chegam facilmente, e isso se tornou um dos maiores motivos para ela não ter interesse em discutir política com familiares e vizinhos.

"As pessoas, às vezes, só querem atacar e não veem que os maiores partidos têm os piores políticos. E para mim, muitos deles são manipulados", afirma.

"O sentimento que tenho sobre a política é de frustração e raiva", acrescenta a dona de casa, que votou pela primeira vez há 20 anos.

De olho no futuro dos filhos, para que tenham educação e saúde de qualidade, ela espera conseguir ter acesso à internet decente para procurar candidatos que de fato a representem.

"O acesso à internet nos dias de hoje é essencial para tudo, principalmente no momento em que vivemos, quanto mais informações de qualidade e de boa procedência, melhor as pessoas podem tomar suas decisões", diz.