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Renato de Castro

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O que os vazamentos de dados nos ensinam sobre criar a sociedade do futuro?

Darwin Lagazon/ Pixabay
Imagem: Darwin Lagazon/ Pixabay

17/02/2021 04h00

No nosso último texto, nós conversamos sobre os riscos de curto prazo presentes no Relatório Global de Riscos, do Fórum Econômico Mundial, que, querendo ou não, todos nós estamos vivenciando. Doenças infecciosas lideram a preocupação dos pesquisados e a desilusão juvenil é um dos resultados da crise que temos passado.

Ao considerar o médio prazo (de três a cinco anos), entre os 10 itens elencados há dois de caráter tecnológico: falha de segurança cibernética e falha de governança de tecnologia. Você deve estar se perguntando: médio prazo? Nós já estamos vivenciando isso. E você tem razão.

Fevereiro começou com a notícia de que dados de mais de 220 milhões de brasileiros que incluíam, inclusive, informações de pessoas que já morreram, estavam disponíveis para compra na deep web.

Apesar da fonte de tais dados ainda ser desconhecida e investigações estarem em andamento, os criminosos têm lucrado desde o começo com o vazamento: um pacote que inclui informações sobre 100 pessoas físicas ou jurídicas é negociado por US$ 50 (cerca de R$ 268,50). O quão importante os dados passaram a ser ficou ainda mais claro no segundo anúncio de vazamento deste mês.

A empresa de cibersegurança PSafe detectou um novo vazamento envolvendo operadoras de telefonia na semana passada. Desta vez, registros de mais de 100 milhões de contas de celular, que incluem pessoas conhecidas como os jornalistas Fátima Bernardes e William Bonner, e o presidente da República, Jair Bolsonaro, que também fez parte do vazamento anterior, estão disponíveis para qualquer um na internet. O interessante é que o idioma não é barreira em casos assim: aparentemente, o hacker é estrangeiro e vende cada registro por US$ 1.

A presença de falha de segurança cibernética em curto e médio prazo se dá pela transformação que o mundo está passando.

Segundo o estudo "Covid-19 e o futuro dos negócios", da IBM, que ouviu mais de 3800 executivos c-level em 20 países, seis em cada dez empresas aceleraram projetos de digitalização nos últimos meses e mais da metade dos executivos (51%) deve priorizar esse tema nos próximos dois anos.

Ao passar do papel para o digital, os riscos também são migrados e, assim, novas medidas preventivas devem ser implementadas, e é aí que devemos ficar de olho nas falhas de governança de tecnologia.

Aqui na Europa, a GDPR (General Data Protection Regulation) entrou em vigor em 25 de maio de 2018 justamente para iniciar a regulamentação de um mundo que já estava ficando cada vez mais digital. No final de 2020, foi a vez do Brasil colocar em prática a sua legislação desse tipo, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que tudo e todos estejam adaptados às novas regras e ao novo universo.

Está cada vez mais claro que, assim como a sociedade, dificilmente entidades conseguem trabalhar sozinhas. A relação entre governos e empresas é cada vez mais nítida em inúmeros projetos e o outsourcing não é mais uma novidade, mas sim algo cada vez mais presente nas companhias.

Por falar em corporações e digitalização, é claro que muitas empresas de tecnologia tiveram resultados expressivos quando as compras, reuniões e aulas online se tornaram mais do que normais, e gigantes de tecnologia tiveram destaque ao implementar novas funcionalidades e soluções em tempo recorde.

O relatório aponta que no início de janeiro de 2021, as cinco maiores empresas de tecnologia do mundo representavam 23% do S&P 500 —índice que mede o desempenho das ações de 500 grandes empresas listadas em bolsas de valores nos Estados Unidos— por capitalização de mercado, um crescimento de 4,6% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Se pensarmos mais para frente, ao falarmos sobre riscos de longo prazo, ou ameaças existenciais, armas de destruição em massa, colapso do estado, perda de biodiversidade, avanços tecnológicos adversos, crises de recursos naturais, colapso da previdência social, colapso do multilateralismo, colapso da indústria, falha na ação climática e reação contra a ciência são listados. A dúvida que fica é: por que as pessoas reagiriam contra a ciência? Primeiramente, vamos entender esse conceito.

Segundo o relatório, a reação contra a ciência é a "Censura, negação e/ou ceticismo em relação às evidências científicas e à comunidade científica em escala global, resultando em uma regressão ou paralisação do progresso na ação climática, saúde humana e/ou inovação tecnológica". Agora, podemos pensar no cenário em que vivemos.

Não muito tempo atrás, já foi dito que as vacinas alteram o DNA e até mesmo servem para implantar microchips nas pessoas, tudo isso abordado em uma matéria no final de novembro no UOL e fruto da infodemia, que falamos na coluna passada.

Isso é tão grave que, de acordo com o site Al Jazeera, no Irã, mais de 700 mortes e quase seis mil hospitalizações ocorreram devido à informação falsa de que a ingestão de álcool altamente concentrado matava o coronavírus.

Essa realidade não está muito distante do Brasil: embora não tenhamos dados consolidados de ações desse tipo, o estudo "Iceberg digital", da Kaspersky, publicado no ano passado, aponta que seis em cada 10 brasileiros não conseguem reconhecer uma notícia falsa.

Como tenho falado há tempos, não estamos fazendo cidades, mas elas têm evoluído para se tornarem mais inteligente. Não é de hoje que temos construído base para o futuro no que diz respeito a dados e como a sociedade se organiza como um todo.

Por isso, é importante entendermos o presente para melhor gerenciarmos o futuro. Momentos como o de agora, que nos traz mudanças profundas e rápidas, nos mostram que a resiliência e a capacidade de se adaptar são fundamentais na sociedade moderna, não acha?

Nos vemos no próximo texto.