IA criando arte? Qual o limite para a substituição dos humanos?
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Inteligência artificial (IA) ameaçando empregos é uma discussão atual, mas nada nova. Menos ainda se considerarmos a tecnologia como um todo. Mas é os artistas? Seria um campo tão humano quanto a arte isento de risco? Nos últimos anos começaram a aparecer uma série de exemplos de obras "autorais" como músicas e pinturas criadas por IA.
Em outubro de 2018, a obra "Retrato de Edmond de Belamy" foi vendida por US$ 432.500 pela famosa casa de leilão Christie's, um resultado surpreendente até mesmo para a casa, cuja expectativa era um montante 40 vezes menor.
A imagem, feita com IA pelo coletivo francês Obvious, usou como base o software criado pela pesquisa do estudante norte-americano Robbie Barrat.
Com o resultado, foi natural que as obras "criadas" pelo próprio Barrat também chamassem atenção, começando pela sua série de nudes. Sua coleção de mulheres nuas são imagens deformadas e descritas por Barrat como surreais, embaraçadas e com redemoinhos.
Uma das peças foi vendida a poucos meses por cerca de R$ 89 mil. E o proprietário atual colocou a peça a venda com preço sugerido de R$ 50 milhões.
Tentando olhar sem preconceitos, é difícil dizer se a peça é resultado da falta de capacidade do software de produzir algo que faça sentido; se é uma mistura de estilos, do impressionismo ao surrealismo (que devem ter sido usados como base para treinar a ferramenta) ou; na mais generosa das leituras, um estilo novo que um dia iremos aprender a apreciar.
Se você torceu a boca para tudo isso, espere que melhora.
Até mesmo a plataforma onde a obra está sendo negociada pode ser um conceito estranho para alguns. A SuperRare é um marketplace de obras de arte digitais usando Ether, uma criptomoeda (assim como o Bitcoin) da rede Ethereum.
Segundo o site, já foram negociadas na plataforma quase 6.900 obras, em 178 países e com valores que somam US$ 899 mil, o equivalente a mais de R$ 4,6 milhões.
Navegando pelo site é possível acha exemplos de obras vendidas por milhares de dólares.
Seria este o gif animado mais caro de todos os tempos?
Sim, um dinheiro virtual com uma obra de arte que não existe fisicamente, um nude que não é nude de alguém que nem mesmo existe. É para dar um nó na cabeça de muita gente.
Alguns diriam que é um dinheiro de mentira com obras de mentira com um nude de mentira de uma pessoa de mentira. Mas para estes, vale lembrar que empresas como a Epic Games faturam bilhões vendendo artigos digitais para jogos. Em 2018 a empresa faturou US$ 2,4 bilhões com roupas e apetrechos para personagens do jogo Fortnite. O valor é equivalente ao lucro anual de um dos cinco maiores bancos do Brasil. Roupinha digital, dinheiro virtual, receita bem real.
Qual o limite da arte?
Voltando à história de IA criando arte, talvez o caminho óbvio nesta discussão seja procurar entender onde cada um —humanos e máquinas— podem contribuir para trabalharem juntos.
Perguntei para o DJ e produtor musical Maestro Billy se o uso de IA ajudava na composição. Segundo ele, "o uso de IA poupa cerca de 80% do trabalho, justamente a parte mais complicada. Compor é trabalhoso e cansativo, com uma série de limitações. Quando a IA entrega o solo, os acordes e a sequência harmônica, fica muito mais fácil trabalhar naquilo que o ser humano realmente pode brilhar, que é criar e montar a música."
Mas se tratando de arte, talvez a discussão mais interessante seja entender os limites.
Uma recente pesquisa realizada na Europa, solicitou que 565 participantes avaliassem pinturas. Foram separados em dois grupos e foram apresentadas imagens criadas por humanos e por IA. Para um grupo, foi dito que todas as imagens eram criadas por humanos e, para o outro grupo, que todas eram criadas por IA.
As apresentadas como criadas por IA tiveram avaliação pior, mesmo quando produzidas por humanos. As obras apresentadas como produzidas por humanos foram percebidas três vezes mais atrativas, bonitas, inovadoras e com maior significado.
Este viés inconsciente vem de onde? Da falta de entendimento sobre a real capacidade da IA ou apenas falta de validação de grupo? Ou será que até mesmo o lado estético da arte é compreendido pelo ser humano como uma forma de expressar ideias e emoções, algo que as máquinas ainda não são capazes. Menos empatia, menos valor?
Será que um dia vamos encarar como arte algo que foi feito 100% sem interferência humana? Fiz a pergunta a Bruno Assam, diretor-executivo da Unibes Cultural.
"Partindo do conceito sobre arte contemporânea, onde o artista valoriza o conceito, a atitude e a ideia da obra ao invés do objeto final, a 'provocação' de que a IA pode ser um novo indutor da criação artística me parece no mínimo instigante. Evidente que a arte atualmente estabelecida depende do princípio básico a partir do artista e de suas intenções, porém pensar que IA venha a ter um papel potente numa dialética com o artista ou mesmo independente do artista me põe em mil caminhos do pensamento."
Se um dia vamos aceitar computadores fazendo arte talvez seja cedo para dizer, mas a discussão é boa e terá muitos capítulos.
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