Topo

Ricardo Cavallini

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

No clube das gigantes, Apple tenta ser maior defensora da proteção de dados

Oleg Magni/ Pexels
Imagem: Oleg Magni/ Pexels

03/02/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Não perderei tempo falando por aqui sobre os males causados pelas redes e sua falta de privacidade, muito já foi dito sobre isso.

A boa notícia é que as leis de proteção de dados e privacidade ganharam um novo aliado, e um de peso que pode muito bem fazer esse jogo virar de vez. Ironicamente, a ajuda para mudar esse cenário vem justamente de uma gigante de tecnologia: a Apple.

E o principal incomodado é ninguém menos quem melhor representa o problema, o Facebook.

Em dezembro, a rede social chegou a publicar anúncios de uma página em jornais como o The Wall Street Journal, acusando a Apple de prejudicar pequenas empresas. Segundo o Facebook, o fato de a Apple bloquear o rastreamento de dados para fazer propaganda iria acabar com a publicidade online.

Isso é, para dizer o mínimo, incorreto. A empresa que vende sabonete não precisa ferir minha privacidade para me fazer propaganda. O chilique do Facebook nem mesmo pode ser considerado justo, pois a Apple está apenas obrigando a empresa (e outros desenvolvedores de aplicativo) a deixar claro para os usuários quais os dados são rastreados e compartilhados.

Esta direção da Apple não é nova, mas em janeiro deste ano a empresa começou a forçar a mão nesta direção de forma muito mais declarada e consistente.

Para começar, soltou um panfleto digital explicando como os dados são rastreados sem você saber. Similar ao método usado pelo filme "O Dilema das Redes", o panfleto usa uma historinha de ficção (um pai indo passear com a filha no parque) para mostrar como nossa privacidade é ferida e as ações mais inocentes geram toneladas de dados sobre o nosso perfil e nossas ações.

E no final do mês, seu executivo-chefe Tim Cook fez um discurso em Bruxelas bem contundente para a comissão de privacidade da União Europeia, pedindo mais ação dos países do continente.

A posição de Cook é bem simples. Segundo ele, privacidade é um direito humano fundamental, não importa qual país você more. Este direito deve ser protegido usando quatro princípios essenciais:

  1. As empresas precisam se desafiar a não colher os dados como princípio.
  2. As pessoas têm o direito de saber quais dados seus estão sendo coletados, para o que e por quem serão usados.
  3. As empresas devem reconhecer que os dados pertencem ao usuário e criar mecanismos para copiar, corrigir ou apagar os mesmos.
  4. Todos têm o direito a proteção dos seus dados.

Embora o Facebook não tenha sido nominalmente citado no discurso, qualquer ação a favor da privacidade parece ir contra o seu modelo de negócio. E Cook não mediu as palavras, ligou esse modelo de negócios a divisão social, o discernimento entre o verdadeiro e falso e até mesmo a violência no mundo real.

Para quem não entende por que a Apple tomou essa postura, acredito que a maioria já deve ter escutado a frase "se é de graça, o produto é você".

A vantagem da Apple é que ela cobra por seus produtos e seus serviços. Os que são gratuitos, como o iMessage, servem para criar diferencial em cima de sua plataforma, para atrair ou manter seus consumidores.

Ela não precisa ferir nossa privacidade, pelo contrário, quanto mais segura e justa for a plataforma, maior seu diferencial perante aos concorrentes. A empresa que ficou conhecida por ser a melhor usabilidade passa a ser agora a melhor e mais segura para você e seus filhos.

Fora isso, se posicionar desta forma pode ajudar a se descolar de outras gigantes da tecnologia, que nos últimos anos passaram a apanhar de todos os lados, seja por privacidade, impostos, monopólio. A maçã não irá evitar essas discussões e acusações, mas defendendo a privacidade a colocará bem distante de outras empresas, como Twitter e Facebook.

Para nós, consumidores, a postura da maçã é uma ótima notícia por três motivos.

Primeiro, a empresa tem cerca de metade da fatia do mercado de smartphones nos EUA, onde está o maior faturamento do Facebook e dos grandes anunciantes, o que deve provocar uma reação em cadeia.

Segundo, o peso de suas ações pode pautar outras empresas para seguir o mesmo caminho. Como aconteceu quando limitou o uso de cookies de terceiros e foi seguida pelo Google.

Terceiro, ajuda a educar consumidores a serem uma voz forte para ensinar políticos e formadores de opinião —que na maioria das vezes não entendem como a tecnologia funciona, muito menos o modelo de negócios e suas consequências.

Ter um gigante como a Apple falando e agindo a nosso favor pode ser justamente o que faltava para o jogo virar.