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Thiago Gonçalves

Até a dúvida sobre fosfina em Vênus é crucial para a ciência avançar

Imagem de Vênus divulgada pela Nasa - Nasa /JPL-Caltech
Imagem de Vênus divulgada pela Nasa Imagem: Nasa /JPL-Caltech

05/11/2020 04h00

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Pois é, gente. Como dizem por aí, a ciência é uma caixinha de surpresas. Um artigo intitulado "Não há fosfina na superfície de Vênus", de autoria do pesquisador Geronimo Villanueva (Nasa /Goddard) e equipe põe em dúvida a detecção de fosfina anunciada por Jane Greaves.

Para lembrar, os modelos tinham grande dificuldade para explicar a presença de fosfina em Vênus. Uma hipótese seria a origem orgânica, com organismos extremófilos produzindo a fosfina através de processos biológicos.

Os motivos para a contestação são bastante técnicos. Em resumo, o trabalho original usava um ajuste matemático para remover ruído e artefatos nos dados, o que seria necessário para isolar o sinal do composto.

Segundo Villanueva, no entanto, o ajuste era sensível demais, gerando seus próprios artefatos —entre eles, um sinal artificial indicando a presença da molécula. Ao reproduzir a análise com um algoritmo diferente, o sinal desaparecia.

Debate científico

Oh, não, era tudo um erro! Bom, vamos com calma?

Primeiro, é importante lembrar que o trabalho original passou pela revisão rigorosa de três especialistas, na prestigiosa revista Nature. Se houve algum erro não foi algo simples ou amador.

Eu mesmo li o trabalho e a análise me pareceu rigorosa. Vale lembrar também que o grupo foi bastante cuidadoso no anúncio, dizendo apenas que não havia explicação clara para o resultado, e que não necessariamente aquilo significava a descoberta de vida em outro planeta.

A contestação de Villanueva, por outro lado, foi apenas submetida para avaliação, ou seja, ainda não passou pelo mesmo crivo.

Ainda assim, o ponto levantado é válido. O sinal pode, sim, ser falso. E por isso mesmo é importante entender a importância da reprodutibilidade de resultados na ciência. Isso significa que uma descoberta deve ser passível de reprodução e verificação.

Afinal, a natureza funciona da mesma forma para todos os cientistas. Isso garante também que os resultados apresentados sejam verificados e ratificados.

Da mesma forma, devemos ter cuidado ao tratar de ciências na imprensa e nas redes sociais. Muitas vezes, passa-se a impressão de uma mudança definitiva de paradigma, o que aconteceu em ambos os casos: "Encontraram vida em Vênus!" "Não, o trabalho estava completamente errado!"

A ciência encontra-se em algum ponto intermediário. Evidências, análises, reanálises, uma sequência de debates e reflexões partindo de observações e nosso conhecimento prévio.

Se às vezes parece que a ciência avança em grandes passos graças a trabalhos individuais, isso é falso. Na verdade, o conhecimento evolui gradualmente, graças ao trabalho conjunto de um grande número de cientistas debatendo os resultados a partir de uma argumentação fundamentada.

Nesse debate não devemos pensar em vencedores e perdedores. Ganhamos todos com as descobertas e a evolução do nosso entendimento do Universo.