O que a defesa da cloroquina tem em comum com o terraplanismo?
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A Terra é plana ou esférica? A própria pergunta pode parecer engraçada, certo? No entanto, nosso tratamento da pandemia tem muitos paralelos com o terraplanismo, e quando falamos de covid-19 o assunto imediatamente se torna muito mais sério.
Estamos vivendo uma crise, não há dúvida. Enquanto escrevo, o Brasil conta com mais de 8,5 milhões de casos e mais de 210 mil mortos pela pandemia. Infelizmente, podemos atribuir grande parte disso ao tratamento anticientífico do problema. Mas qual a relação com o formato da Terra?
Historicamente, a ideia de uma Terra plana surgiu no século 19, atribuída a Samuel Rowbotham. A partir de observações de barcos em canais, Rowbotham concluiu que a Terra seria plana, já que ele continuava vendo os barcos a grandes distâncias após partirem. Claro, ele desconsiderou diversos outros efeitos, selecionando apenas as evidências que reforçariam sua crença.
E aí justamente mora o problema: de forma anticientífica, Rowbotham escolhia os resultados que reforçassem sua visão, descartando outros experimentos como se fossem inválidos, mas nunca colocando seu modelo à prova.
Tomemos como contraexemplo a relatividade geral de Einstein. Nesse caso, por mais exótica que a teoria possa parecer, ela fazia previsões que foram confirmadas por observações de estrelas durante o eclipse solar total de 1919.
Embora a ideia da Terra plana tenha quase desaparecido, ela ganhou força novamente no século 21, graças às redes sociais que amplificavam e ecoavam as vozes defendendo uma ideia absurda. Soa familiar, não?
Se o formato da Terra pode não ter um impacto significativo na nossa vida, o tratamento de uma pandemia evidentemente tem uma enorme repercussão. E os paralelos são evidentes: defensores da visão anticientífica escolhem a dedo os resultados que parecem reforçar seu modelo, jogando pela janela o método científico.
Como resultado, vemos a proliferação de um chamado "tratamento precoce" com um coquetel de medicamentos que inclui a cloroquina e que nunca recebeu aval científico, mas que se encaixava numa visão ideológica pregada por governantes que não admitem erros, mas que começaram a pandemia tratando o problema como uma histeria pública. Duzentos mil mortos depois, vemos o resultado desastroso da postura negacionista.
Esta semana vimos a saída de Donald Trump, outro presidente que usava as redes sociais para disseminar a desinformação e como arma para inflamar seu público mais fiel. A conclusão dessa política foi vista no último dia 6, quando seus apoiadores invadiram o congresso norte-americano.
Estamos agora em uma encruzilhada. Após quase um ano de pandemia e desinformação, finalmente chegamos à tão sonhada vacina. No entanto, ainda há aqueles que lutam para invalidar o que pode ser o final de um processo longo doloroso.
É fundamental valorizar a educação científica. Como cientistas e divulgadores, temos o dever de oferecer ao público as ferramentas para que possam discernir o que é fake news, e para que governantes possam guiar as políticas públicas de acordo com as evidências científicas.
Não há dúvidas. Eu vou tomar vacina, e espero que todos os leitores também.
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