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Thiago Gonçalves

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O que cientistas revelam no mapa mais preciso da evolução do universo?

O telescópio Blanco utilizado pelos cientistas para realizar o Levantamento de Energia Escura, que usou imagens de 226 milhões de galáxias - Reidar Hahn/ Fermilab
O telescópio Blanco utilizado pelos cientistas para realizar o Levantamento de Energia Escura, que usou imagens de 226 milhões de galáxias Imagem: Reidar Hahn/ Fermilab

03/06/2021 04h00

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A cosmologia observacional continua caminhando a passos largos. Há pouco mais de 20 anos, cientistas não sabiam da existência da energia escura. Hoje, conseguimos medir a composição do universo com uma enorme precisão.

O último grande resultado foi anunciado na semana passada, com a divulgação de dados de três anos de observação do Levantamento de Energia Escura (Dark Energy Survey, em inglês). Os líderes da colaboração mostraram o que conseguiram fazer com a observação de 226 milhões de galáxias, ao longo de 345 noites distribuídas nestes três anos, e os resultados são impressionantes.

Primeiro, uma breve descrição do projeto: o Levantamento de Energia Escura utilizou um telescópio com um espelho de quatro metros de diâmetro no Chile, batizado de Victor Blanco, tendo instalado aí uma enorme câmera de 570 megapixels. Assim, puderam observar uma fração enorme do céu noturno a cada noite, mapeando o cosmos de forma eficiente.

Munidos do instrumento, puderam observar centenas de milhões de galáxias, desde as mais próximas até aquelas a vários bilhões de anos-luz de distância. Levando em conta que a luz de objetos mais distantes leva mais tempo para chegar até nós, isso significa que estamos observando o universo em momentos distintos, desde quando era um jovem adolescente.

Aí está o pulo do gato: a forma como o universo evolui depende fundamentalmente da quantidade de matéria escura e energia escura. Assim, investigar a evolução de estruturas é investigar o próprio conteúdo do universo.

Vale lembrar que matéria escura e energia escura são coisas bem diferentes. A primeira compõe a maior parte da massa do universo, e é o que gera a maior parte da atração gravitacional em galáxias. A segunda, por outro lado, é uma força misteriosa que parece "empurrar" o tecido do universo, fazendo com que ele cresça cada vez mais rápido. Fenômenos completamente diferentes, que só recebem nomes parecidos por não compreendermos o que são realmente.

O Levantamento de Energia Escura chegou às suas conclusões de duas formas: a primeira é a observação da própria distribuição espacial de galáxias. Galáxias não se distribuem de maneira aleatória, mas são encontradas em estruturas filamentares, onde a densidade de matéria é maior. Nas regiões mais densas, encontramos os aglomerados, com milhares de galáxias em uma mesma estrutura. Como seria de se imaginar, quanto mais matéria (escura), mais ela vai se aglomerar ao longo do tempo.

O outro método é avaliar o lenteamento gravitacional, isso é, a maneira como galáxias de fundo se "distorcem", aparentemente, devido à presença de outras galáxias ou aglomerados na frente. Essas estruturas, segundo a relatividade geral, geram deformações no espaço-tempo e agem como lentes, alterando o caminho da luz das galáxias de fundo. Novamente, quanto mais matéria, mais forte será essa deformação.

No final, os pesquisadores confirmaram com excelente precisão as previsões dos modelos cosmológicos atuais, com o universo sendo composto de aproximadamente 70% de energia escura e 30% de matéria.

O grande problema é que isso não está em perfeito acordo com medidas independentes que usam a chamada radiação cósmica de fundo para determinar os mesmos parâmetros. Será que é apenas um pequeno erro de medida, ou será que existe algum fenômeno cosmológico que ainda não compreendemos? Apenas com dados ainda mais avançados seremos capazes de responder essa pergunta tão fundamental.