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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Invisível, mistério da matéria escura leva nosso saber científico ao limite

Imagem do Hubble do aglomerado Abell 370 mostra galáxias distorcidas pela matéria escura, vistas como enormes arcos cósmicos - NASA/ ESA/ J. Lotz e equipe HFF
Imagem do Hubble do aglomerado Abell 370 mostra galáxias distorcidas pela matéria escura, vistas como enormes arcos cósmicos Imagem: NASA/ ESA/ J. Lotz e equipe HFF

22/03/2023 04h00

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A matéria escura continua sendo um dos grandes mistérios da astrofísica contemporânea. Sabemos que ela existe por causa dos seus efeitos gravitacionais observados em galáxias, mas ainda não sabemos do que é feita.

A epopeia começou nos anos 1930, quando o astrônomo suíço Fritz Zwicky notou que galáxias em aglomerados se moviam rápido demais. Para que o aglomerado não fosse dizimado, com galáxias voando para todo lado, era necessário que houvesse um excesso de matéria ali, gerando gravidade suficiente para manter as apressadinhas presas na estrutura.

Infelizmente o trabalho chamou pouca atenção na época. Foi apenas na década de 1970, quando a grande astrônoma norte-americana Vera Rubin analisou o movimento de gás em galáxias como a nossa, que a hipótese da matéria escura ganhou tração.

A descoberta foi semelhante à de Zwicky: o gás se movia rápido demais, e a única explicação era algum tipo de matéria invisível.

Mas Thiago —você diria—, será que simplesmente não é algum tipo de átomo que não está brilhando muito?

Já pensamos nisso, mas realmente não há nenhum tipo de matéria normal que seria invisível dessa forma a todos os nossos instrumentos. Então deve ser mesmo algum componente mais exótico, fora do nosso entendimento padrão dos elementos básicos do Universo.

Temos várias teorias de como isso seria possível. Algumas já foram descartadas pelos experimentos, outras são mais populares, como o que chamamos de supersimetria.

O grande problema é que estamos desenhando experimentos cada vez mais complexos para tentar encontrar essas partículas elementares estranhas, sem sucesso. E estamos chegando no limite do que a natureza nos permite estudar.

A dificuldade traz à tona modelos alternativos, que tentam desde a década de 1980 explicar os mesmos fenômenos sem a necessidade da existência de matéria escura.

Criada por Mordehai Milgrom, a chamada hipótese da dinâmica newtoniana modificada, como o próprio nome indica, é uma atualização da Física que altera as equações de movimento a grandes distâncias, explicando matematicamente o movimento de corpos no universo.

O trabalho, embora criada "a posteriori" (ou seja, ajustada na mão para se adaptar às observações), é uma solução elegante para o problema da matéria escura.

O grande problema é que é cada vez mais difícil justificar o uso da dinâmica newtoniana modificada.

A ciência avançou muito desde os anos 80, e as evidências para a matéria escura se multiplicaram.

A mesma partícula exótica que justificaria o movimento de galáxias hoje é princípio básico para explicar diversos fenômenos na Astrofísica, desde a curvatura de feixes de luz ao redor de aglomerados de galáxia até o número de aglomerados observados hoje no Universo, passando até mesmo pela própria abundância de átomos de hidrogênio hoje em dia a partir de sua criação no Big Bang.

Tudo isso hoje a gente só entende se considerar que cerca de 25% de tudo que existe no Universo é feito de matéria escura (contra apenas 4% da matéria "normal", feita de átomos comuns).

É uma explicação simples, que de forma única dá conta disso tudo ao mesmo tempo.

A dinâmica modificada, por outro lado, tem que se desdobrar e se complicar cada vez mais para explicar essas novas descobertas. Não só a dinâmica newtoniana, mas a própria hipótese deve ser mais e mais modificada para não ser descartada.

Isso quer dizer que a matéria escura existe com certeza?

Não podemos dizer isso definitivamente, mas provavelmente sim. Afinal, alguns dos defensores da dinâmica modificada são excelentes pesquisadores, e não simplesmente negacionistas.

Mas também são humanos. E é isso que precisamos entender: mesmo nas ciências exatas, os pesquisadores são gente. Com seus próprios preconceitos e ideologias, e mesmo em casos técnicos e matemáticos como a matéria escura, podem não ser necessariamente isentos em suas posições.