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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Descobriu buraco negro e pronto? Não, agora vem a ciência que poucos falam

Impressão artística de buraco negro na Via Láctea - AFP Photo/Ho/ESA - Hubble
Impressão artística de buraco negro na Via Láctea Imagem: AFP Photo/Ho/ESA - Hubble

07/06/2023 04h00Atualizada em 07/06/2023 08h57

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No final de maio, uma equipe de cientistas liderada por Akos Bogdan, do Centro de Astrofísica da Universidade Harvard, anunciou a descoberta de um buraco negro supermassivo em uma galáxia apenas 500 milhões de anos após o Big Bang, através de sua emissão de raios X.

Até onde sei, seria o buraco negro mais distante já observado em raios X. Essa emissão energética é gerada pela matéria aquecida ao redor do objeto, que possuiria cerca de 40 milhões de vezes a massa do Sol.

Um buraco negro produzido tão rapidamente pode descartar alguns modelos de formação destes monstros cósmicos. Afinal, se ele tivesse começado como um miniburaco negro, não haveria tempo para ele crescer tanto —a física impede que ele se alimente rápido demais.

Isso significa que o buraco negro já deve ter nascido grande.

Um possível modelo para que isso aconteça é o do colapso direto do gás nas galáxias: ao invés de se formar a partir da morte de estrelas, ele já nasceria diretamente de uma grande quantidade de gás primordial que "cai" no centro da galáxia, gerando rapidamente um buraco negro maduro, com massas de dezenas de milhares de vezes a massa do Sol.

Desafios e perspectivas

Um ponto interessante deste estudo é o enorme desafio observacional enfrentado pela equipe. Afinal, para enxergar uma fonte de raios X tão distante, eles foram obrigados a buscar objetos em regiões magnificadas pelo efeito de lentes gravitacionais, ou seja, atrás de grandes aglomerados de galáxias que distorcem o espaço-tempo, servindo efetivamente de lentes cósmicas para observar o que está atrás.

O grande problema é que os próprios aglomerados são muito brilhantes em raios X, devido à enorme presença de gás quente no seu interior. Assim, para encontrar aquele buraco negro distante, é preciso subtrair a emissão dominante do próprio aglomerado.

No final, a equipe encontra apenas um punhado de fótons que estariam originando na galáxia distante, afirmando que o buraco negro seria sua fonte. De forma convincente, mostram que os fótons estão vindo exatamente do mesmo lugar que uma galáxia distante vista pelo telescópio espacial James Webb.

Será que é verdade? Eu diria que isso não importa. A ciência não busca uma verdade absoluta, mas argumentos que apoiem um modelo. E embora os dados sejam um pouco ruidosos, a equipe de Bogdan tem argumentos relativamente fortes.

A descoberta é definitiva? Não, com certeza não, e agora podemos tentar observar essa galáxia com mais cuidado para confirmar ou descartar estes primeiros resultados. Mas pelo menos temos um ponto de partida sólido.

De certa forma, é como a possível descoberta de fosfina na atmosfera de Vênus em 2021.

Desde então os resultados foram descartados, provavelmente por ruídos no sinal original que não haviam sido analisados da melhor forma. Ainda assim, a equipe publicou seus dados de forma transparente, permitindo a revisão dos resultados por seus pares, através de mais observações.

Por isso a reprodutibilidade é um componente tão importante na ciência: os resultados não devem depender apenas de um cientista ou equipe, mas a metodologia deve estar claramente descrita para que toda a comunidade possa utilizar os dados e dar seguimento às pesquisas.

Não importa tanto estar certo ou errado, o fundamental é o esforço coletivo.

O maior risco, a meu ver, é quando a imprensa ressalta os trabalhos individuais como grandes descobertas transformadoras. Isso pode solidificar o mito de que a ciência funciona em grandes saltos por mérito de gênios individuais, descartando todo o trabalho coletivo envolvido.

E a queda é enorme quando resultados vistos como revolucionários são descartados por trabalhos subsequentes.