Thiago Gonçalves

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Opinião

Múons: como essas partículas podem mudar o que conhecemos sobre Física?

Cientistas do Fermilab, nos Estados Unidos, anunciaram na semana passada um novo resultado da colaboração Muon g-2. A medida da anomalia magnética do múon, de aproximadamente 20 partes por milhão, está em forte desacordo com as predições teóricas, levando a uma possível e importante revisão do nosso entendimento de partículas elementares.

Múons são partículas semelhantes ao elétron, mas possuem 200 vezes mais massa. Como o elétron, os múons possuem como um pequeno "ímã interno", que faz com que ele se mova de forma particular na presença de um campo magnético.

O interesse da medição está na confirmação de previsões matemáticas, que ao contrário do que se esperava, não parecem ser reproduzidas pelo experimento. Já havia indicação desse comportamento inesperado no primeiro resultado apresentado pela equipe em 2021, mas agora a precisão do experimento aumentou muito, com o resultado mantido.

Nos últimos dois anos, os cientistas puderam acumular mais dados obtidos com um enorme ímã supercondutor de 15 metros de diâmetro. Com as novas medições, a incerteza da medida foi reduzida pela metade, e o conflito com a teoria ficou mais claro. As chances de que a diferença seja um acidente estatístico são de aproximadamente uma em 3 milhões.

O resultado pode efetivamente colocar a Física em cheque.

As previsões teóricas se baseiam no chamado Modelo Padrão de partículas elementares, e o conflito entre observação e predições poderiam representar uma revolução no nosso entendimento do comportamento da matéria.

Alguns canais de notícia anunciaram a descoberta como uma possível quinta força no universo (além das forças fraca, forte, eletromagnética e gravitacional, que governam todas as interações entre partículas que conhecemos no Modelo Padrão). Isso poderia até mesmo explicar mistérios da Astrofísica como a matéria escura e a energia escura, dizem eles.

Sim, é verdade, isso é possível. Mas não sei se é provável, pelo menos ainda.

Os próprios autores do trabalho foram mais cuidadosos no anúncio da descoberta.

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O artigo científico mostra como os novos resultados podem até alterar as previsões teóricas, já que muitas das contas se baseiam em outros experimentos. Ou seja, o problema ainda pode estar nas contas, que representam um desafio à parte, ao invés dos modelos físicos.

No final, não há dúvidas de que seja um resultado importante.

As medidas divergem do esperado com probabilidade suficiente para indicar que há algo estranho acontecendo. Resultados semelhantes com medidas do bóson de Higgs e ondas gravitacionais já levaram a prêmios Nobel para seus cientistas.

Por outro lado, anúncios revolucionários anteriores também foram desmentidos, como:

  • A fusão a frio, em 1989;
  • A descoberta de ondas gravitacionais primordiais pelo experimento BICEP2, em 2014;
  • Ou a presença de fosfina na atmosfera de Vênus, em 2020.

Descuidos técnicos acabaram gerando resultados que seriam refutados alguns meses mais tarde.

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Sinceramente, não me parece a posição da colaboração Muon g-2. Em nenhum material do laboratório encontrei uma declaração de que a física seria virada de cabeça pra baixo. Pelo contrário, estão animados com o resultado, que confirma de forma convincente a descoberta preliminar de 2021, mas os próprios cientistas afirmam que serão necessários alguns anos para refinar os modelos, coletar mais dados, e entender de forma definitiva o que está acontecendo com os múons.

Ainda é possível esperar uma revolução na Física e um prêmio Nobel para os cientistas? É sim, sem dúvida. Mas como já dizia Carl Sagan, astrônomo e divulgador norte-americano, alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. A única forma de termos certeza é através da boa ciência: mais dados e uma investigação cuidadosa e rigorosa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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