Temos dados precisos do Universo, mas por que não usamos em nossos estudos?
A cosmologia é um dos temas científicos relacionados ao meu trabalho que mais desperta a curiosidade dos leitores. De onde viemos, e para onde vamos? O que causou o Big Bang? O que são a matéria escura e a energia escura?
Essas perguntas estão de fato relacionadas a algumas das mais importantes fronteiras da ciência e são tema de pesquisa de diversos cientistas ao redor do mundo.
Tais questionamentos fundamentais parecem também despertar a curiosidade de muitos estudantes de Física e Astronomia, que se dedicam com afinco ao estudo das equações de Friedmann que regem a expansão do Universo.
No entanto, fico um pouco apreensivo quando vejo boa parte do material de estudo desses estudantes, assim como o trabalho realizado por seus orientadores. Grande parte do trabalho teórico sobre equações da cosmologia tem suas origens na década de 80, quando nosso entendimento sobre o Universo ainda era limitado.
Estamos hoje no que chamamos a era da cosmologia de precisão. Na década de 90, por exemplo, conseguimos medir a velocidade da expansão do Universo com grande precisão, graças ao lançamento do telescópio espacial Hubble.
Posteriormente, diversos satélites espaciais (sobretudo o COBE, WMAP e Planck) estudaram em detalhes a radiação cósmica de fundo, também chamada por alguns como o eco do Big Bang. As pequenas variações de temperatura dessa radiação estão em perfeito acordo com nosso modelo cosmológico atual e conseguem determinar com altíssima precisão a quantidade de matéria e energia escura no Universo.
Junto com a medida de brilho e distância de supernovas realizada no final da década de 90, conseguimos determinar que aproximadamente 70% da composição do Universo é de energia escura, o que significa que o Universo está em expansão acelerada. Ele crescerá cada vez mais rapidamente, até que todo o combustível para formar estrelas se acabe, tornando o cosmo um lugar frio e escuro.
No entanto, muito da pesquisa teórica parece não levar esses avanços em consideração, criando variações hipotéticas das equações que já são efetivamente descartadas pelas observações.
Para mim, é uma forma inócua de se fazer ciência. Sem levar em conta os resultados observacionais mais recentes, essa linha de pesquisa não se preocupa mais em descrever a realidade do universo, mas se converte em um exercício matemático.
O método científico consiste na formulação de hipóteses e confirmação — ou descarte — das hipóteses por meio de observações e experimentos. Se os resultados não favorecem suas hipóteses, cientistas devem ter a consciência e maturidade para abandonar os modelos e seguir em frente.
E aí mora a beleza da ciência, com uma forma de pensar que é facilmente aplicável em outras áreas do conhecimento.
Se comecei falando sobre cosmologia, podemos também pensar em lições semelhantes na medicina, política ou economia, para mencionar apenas alguns campos onde o pensamento crítico parece ter sido abandonado nos últimos anos…
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