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O que sabemos do escândalo do Facebook e por que você deve se preocupar

Imagem: Getty Images/iStockphoto

Do UOL, em São Paulo

21/03/2018 15h54Atualizada em 04/06/2018 10h50

A empresa britânica Cambridge Analytica usou testes de personalidade e curtidas no Facebook para coletar dados de usuários do Facebook em 2014. Essas informações revelaram o perfil psicológico completo de 87 milhões de pessoas que estão na rede social, que passaram a receber propaganda eleitoral altamente personalizada.

Com esses dados, a Cambridge agiu para influenciar nos resultados da campanha presidencial dos EUA em 2016, que elegeu Donald Trump, e do Brexit, o plebiscito do ano passado que levou o Reino Unido a deixar a União Europeia. O Brasil também está no meio, com 443.117 usuários atingidos.

O escândalo explodiu em 17 de março de 2018, depois que um ex-funcionário da Cambridge Analytica, chamado Christopher Wylie, revelou que a consultoria pegava dados das pessoas que fizeram o teste e também de seus amigos sem consentimento.

Mark Zuckerberg, chefe do Facebook (e do Instagram e do WhatsApp, vale dizer) vem tentando dar explicações, admitiu que errou e tomou algumas providências, mas muitas perguntas ficaram no ar (leia aqui).

Em sua turnê de desculpas, o empresário depôs ao Senado e Congresso dos Estados Unidos. Ao Senado, Zuckerberg pediu desculpas e voltou a assumir os erros que ele e sua empresa cometeram, enquanto ao Congresso ele afirmou ter sido uma das vítimas dos vazamentos de dados feitos pela Cambridge Analytica.

Em maio, Zuckerberg falou ao Parlamento Europeu. Em meio a mais desculpas, teve que explicar a postura da rede social sobre supostamente diminuir o alcance ou bloquear conteúdos de páginas de direita. "Não queremos estar na posição do Facebook dizer que o que é verdade ou falso. Por isso trabalhamos com checadores terceiros", argumentou.

Acompanhe abaixo os desdobramentos do caso

  • Curtidas revelam quem você é

    Pesquisadores da área de psicologia da Universidade Stanford e do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge notaram que curtidas aleatórias do Facebook podem traçar o perfil completo de um individuo e criaram um modelo comportamental chamado Ocean (das iniciais em inglês de mente aberta, conscienciosa, extrovertida, cordata e neurótica) que divide as pessoas nas cinco categorias.

    Os estudos mostram ainda que com 70 curtidas no Facebook dava para conhecer alguém mais do que seus amigos. Com 150, mais do que seus pais. Com 300, mais do que o seu cônjuge. E acima disso, mais do que a própria sabia sobre si mesma.

    Na época, os pesquisadores se assustaram com o resultado. "Likes" revelam tendências políticas, raça, gênero, inclinação sexual, se os pais do usuário são casados e muito mais. Muito mais. Isso sem sequer checar inbox, posts ou updates de status. Só os 'likes'.

    "Campanhas comerciais, instituições governamentais ou até seus próprios amigos do Facebook podem usar um software para inferir atributos como inteligência, orientação sexual e visões políticas que um indivíduo pode não querer compartilhar", disseram. Dito e feito. Leia mais

  • App vira negócio, e seus amigos te entregam

    Em 2014, o pesquisador Aleksandr Kogan, da Universidade de Cambridge, usou o Ocean para criar um app chamado "thisisyourdigitallife", que usava um teste de personalidade para captar informações de usuários do Facebook e traçar perfis psicológicos. Ele foi contratado pelo então chefe da Cambridge Analytica, Alexander Nix, para usar esse app e o modelo de comportamento para fins privados. A empresa começou a pagar para que pessoas fizessem o teste. Só que o aplicativo gravava não só os resultados de cada quiz e os dados da conta do Facebook envolvida, mas de todos os amigos dos 270 mil participantes do teste. Isso virou um banco de dados de 50 milhões de pessoas.

    Todas essas informações viraram um algoritmo usado para influenciar pessoas com propagandas altamente personalizadas --incluindo eleitorais. O dono da firma é o bilionário do mercado financeiro Robert Mercer, e seu diretor na época era Steve Bannon, que depois virou um dos principais assessores de Trump. Trump pagou US$ 6 milhões pelo serviço da consultoria. Leia mais

  • Quem é o "delator"

    Christopher Wylie é um cientista de dados de 28 anos que trabalhou na Cambridge Analytica. Foi ele que detalhou a jornais internacionais o que a consultoria fazia para prever e influenciar escolhas nas urnas com ajuda de publicidade online direcionada. Mas não só isso. Segundo ele, tudo era uma grande máquina de propaganda.

    "Exploramos o Facebook para colher perfis de milhões de pessoas e construímos modelos para explorar o que sabíamos sobre eles e atacar seus medos internos", disse ele, que entregou um dossiê com e-mails, mensagens de voz, contratos e transferências bancárias às autoridades.

    Wylie se descreve como um "gay canadense e vegano que, sabe-se lá como, acabou criando a ferramenta de guerra mental e psicológica de Steve Bannon". Segundo o Guardian, ele agora tenta desfazer os eventos (Trump e Brexit) que ajudou a concretizar.

    Ele saiu da empresa em 2015 junto com parte da equipe original, que estava insatisfeita com as inclinações políticas dos donos. Leia mais

  • Como o Big Data é usado

  • Roubo de dados

    Marketing político não é crime, o problema é usar os dados indevidamente. Os usuários do aplicativo não faziam ideia de que suas informações seriam usadas para ajudar a eleger Trump. O Facebook descobriu o que chamou de mau uso em 2015 e exigiu que os dados fossem apagados. Mas, pelo visto, isso não rolou. E nada mais aconteceu até ser pressionado pelas reportagens.

    Kogan (foto) alega que fez tudo dentro da lei e que o Facebook autorizava. Embora ele admita que mudou os termos do app de uso acadêmico para comercial no curso do projeto, diz que o Facebook não fez objeção. Na época, havia uma "brecha" nas normas da rede social que permitia a aplicativos externos coletar dados de amigos das pessoas.

    Kogan diz que está servindo como "bode expiatório" das duas empresas e que não tinha ideia de que ajudaria a eleger Trump. Segundo o Facebook, houve "sério abuso" das regras da plataforma, que permitiam acessar dados, mas não vender.

    Já Sandy Parakilas, um ex-gerente de operações do Facebook, disse que a coleta de dados por desenvolvedores externos já foi rotineira e que a empresa levou anos para reprimir a prática. Para Parakilas, o grande potencial de abuso está na chamada "permissões de amigos", que dá acesso para softwares se conectarem aos amigos dos usuários e até aos amigos de amigos. Leia mais

  • Vitória de Trump e vídeo secreto

    O então CEO da Cambridge Analytica foi gravado por um repórter que se passou por cliente. No vídeo feito pelo Channel 4 News, Alexander Nix diz que seu trabalho influenciou diretamente na vitória de Trump, se vangloria do feito e descreve formas de prejudicar candidatos rivais com suborno, espiões, uso de prostitutas e disseminação de notícias falsas. "Não precisa ser verdade, só precisa que as pessoas acreditem", diz. Nix foi afastado logo após as denúncias.

  • Facebook muda para sobreviver

    Zuckerberg anunciou algumas providências para conter o escândalo: auditoria em apps, mudança nos dados que são fornecidos e investigação dos apps que tiveram acesso a grandes quantidades de dados antes de 2015, quando mudaram as regras. "Se não podemos [proteger seus dados], então não merecemos servir você", escreveu.

    Ele prometeu banir quem violar os termos e avisar os usuários afetados. Programas que usarem o Facebook para login receberão apenas nome, foto do perfil e email, e os dados são apagados após três meses de inatividade. Uma das mudanças imediatas foi a simplificação do controle de privacidade, que ficou com menos submenus e textos mais diretos.

    Especialistas ouvidos pelo UOL elogiaram a tentativa de transparência, mas ainda há desconfiança: "Facebook é uma rede gratuita e a moeda de troca são nossos dados", disse Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital. "Não existe almoço de graça na sociedade capitalista. Como esse é o negócio do Facebook, lucram com a venda e compartilhamento de dados, não é interessante vedar todas as brechas." Leia mais

  • Pressão política

    Parlamentares nos EUA, no Reino Unido e no Brasil pressionam o Facebook para que preste esclarecimentos. O Ministério Público do DF já abriu inquérito civil público para saber se os brasileiros tiveram informações devassadas.

    Zuckerberg foi convocado para testemunhar nos EUA, na União Europeia e no Reino Unido. Ele atendeu aos pedidos dos dois primeiros em abril e maio, mas disse que não irá comparecer ao Parlamento britânico. As autoridades do Reino Unido também realizaram buscas na sede da Cambridge Analytica para recolher material que ajudem a elucidar o caso.

    "Não cabe a uma empresa decidir qual é o equilíbrio correto entre privacidade e inovação e o uso de dados. Estas regras devem ser decididas pela sociedade em conjunto e estabelecidas pelo Parlamento", disse Matt Hancock, ministro da Cultura britânico. Leia mais

  • Imagem: Reprodução
    Imagem: Reprodução

    Dados de mais de 400 mil brasileiros vazaram

    "Os dados dos brasileiros certamente estão na praça", diz o promotor Frederico Meinberg, coordenador da Comissão de Proteção dos Dados Pessoais do Ministério Público do DF, que vai investigar o caso por aqui.

    No dia 4 de abril, o Facebook confirmou a previsão de Meinberg. Mike Schroepfer, chefe de tecnologia da empresa, informou que dados de 87 milhões de usuários podem ter sido compartilhados irregularmente com a Cambridge Analytica. Destes, 0,5%, ou 443.117, são do Brasil, oitavo país mais afetado.

    Só no Brasil, duas ou três empresas usam modelo de operação similar ao Cambridge para obter dado por meio da instalação de apps, apontou o promotor em entrevista ao UOL Tecnologia.

    "Não tenho dúvidas que vai ter um impacto na eleição brasileira e nas próximas do mundo todo. Você não ganha pedindo votos, ganha não perdendo tempo nem dinheiro com eleitores que não vão votar em você. Trump não gastou tempo com eleitores negros, com LGBT, com latinos. Ele focou no branco do interior dos EUA. Como tinha essas informações? A Cambridge fez isso." Leia mais

  • Empresa tinha planos para o Brasil

    As primeiras informações, dadas pelo consultor brasileiro André Torretta, eram de que os usuários brasileiros não tiveram seus dados coletados. Ele iniciou uma parceria com a consultoria britânica em 2017 para que ela exercesse suas funções nas eleições deste ano no Brasil. Com as denúncias, a parceria foi cancelada.

    À BBC Brasil, Torretta disse que, embora seja eficaz na segmentação de eleitores em categorias psicológicas, a Cambridge não tinha um banco de dados. Isso seria feito por ele. "Mas eu não iria pedir isso ao Facebook. Imagina eu indo lá e pedir. O pessoal do Facebook ia rir da minha cara. Ia usar o que já tem disponível na rede social e fazer pesquisas em bairros, entrevistas, usar dados do IBGE", afirma. Leia mais

  • Pressão dos anunciantes

    Após reunião com a ISBA, órgão que representa as principais agências de publicidade do Reino Unido, um grupo de anunciantes britânicos ameaça abandonar o Facebook. "Não acho que eles estejam blefando. Eles vão exercer uma pressão real", afirmou Davis Kershaw, diretor da M&C Saatchi, uma das agências mais reconhecidas do mundo. Mais de 3.000 marcas que compõem a ISBA exigem respostas sobre a violação dos dados.

  • Imagem: Marcio Jose Sanchez/AP
    Imagem: Marcio Jose Sanchez/AP

    Google muda política e outros reagem

    Em meio à polêmica, o Google divulgou um texto, dizendo que quem usa a plataforma de publicidade AdWords na Europa deve fazer "esforços comercialmente razoáveis" para divulgar e obter consentimento para usar, coletar e compartilhar dados em qualquer site, app, email ou algo similar. O Google deu mais poder ao usuário para cancelar essa permissão e jogou mais responsabilidade dos editores com empresas terceiras.

    A empresa de internet Mozilla, dona do navegador Firefox, decidiu suspender publicidade no Facebook até que a rede social fortaleça as configurações de privacidade para aplicativos de terceiros. Leia mais

  • Imagem: Getty Images
    Imagem: Getty Images

    Delete o Facebook (ou processe a empresa)

    Com o escândalo, a #deletefacebook começou a circular na internet. O mais novo nome de peso a aderir foi Elon Musk (foto), dono das empresa Tesla e SpaceX. Indagado no Twitter, ele disse não saber que ele e suas empresas mantinham ainda páginas no Facebook, prometeu deletá-los e cumpriu.

    Até o fundador do WhatsApp Brian Acton, hoje fora da empresa, e o cofundador da Apple Steve Wozniac entraram na campanha.

    Com medo de continuar no Facebook, alguns internautas se questionam se agora é o melhor momento para deixar a rede social. Outros entraram com uma ação coletiva contra o Facebook e a consultoria Cambridge Analytica devido ou roubo de dados. Eles questionam, entre outras coisas, a capacidade do Facebook de proteger as informações de seus usuários. Leia mais

  • Imagem: Getty Images
    Imagem: Getty Images

    Criador de modelo pede "responsabilidade"

    Um dos criadores do modelo usado pela Cambridge Analytica, o pesquisador Michal Kosinsky, pediu "responsabilidade" e "total controle dos usuários" sobre dados disponibilizados online, em artigo escrito ao "Financial Times". Ele foi o primeiro alvo da empresa de marketing político, que queria usar sua pesquisa, mas recusou o emprego por considerar que envolvia questões de privacidade. Já Alex Kogan, seu parceiro na universidade, aceitou o cargo.

    "Um usuário emocionalmente instável pode ser levado a comprar um seguro desnecessário baseado em seu perfil psicológico. Prever alguns traços do usuário também pode ser perigoso para alguns indivíduos. Já é possível expor a orientação sexual de um usuário ou religião, comprometendo sua segurança", apontou. Leia mais

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