A julgar pelo que eu recebi no WhatsApp nas últimas semanas, injetar desinfetante no corpo é ótimo contra a covid. Se não adiantar, estudos da Novartis já mostraram que a hidroxicloroquina mata o vírus. O coronavírus, você já deve saber, foi criado em laboratório da China. Tudo isso, óbvio, não é só fake news, mas também bastante perigoso. Na pandemia, estamos todos a uma informação incorreta de distância da morte. O Congresso captou a mensagem, e os deputados Tabata Amaral (PDT-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) construíram um projeto de lei para combater a desinformação, a "lei das fake news". A despeito da saraivada de críticas, o texto entrou na pauta do Senado, mas a votação na terça foi adiada. A semana que antecedeu este fatídico dia, no entanto, foi inacreditável. O que rolou?Na segunda, ativistas de direitos digitais, executivos de Facebook, Google e Twitter e parlamentares se reuniram online para discutir o assunto. Lá pelas tantas, Francisco Brito Cruz, diretor do Internet Lab, soltou: Acho um descalabro votar um texto que foi apresentado no dia anterior Mal sabia ele que o projeto seria alterado mais uma vez. Aliás, mudanças bruscas são a tônica dessa história, afinal: - Em uma semana, o projeto foi modificado quatro vezes. Rigoni e Tabata estavam prontos para discutir com jornalistas mais uma delas às 21h da sexta (29), mas cancelaram. Isso porque...
- ... Preferiram apresentar a nova versão apenas na segunda, na véspera da votação. Depois de passarem o fim de semana vendo a classe artística se voltar contra o projeto...
- ... Resolveram tirar a caça às fake news da lei, que passou a mirar nas ferramentas usadas para espalhá-las. Além disso...
- ... O texto passou a criminalizar o uso de contas falsas nos moldes da lavagem de dinheiro e a classificar como organização criminosa quem criasse perfis assim. Mas...
- ... A ideia de "seguir o dinheiro" é algo que seria regulamentado, disse-me Vieira, somente após a lei de fake news ser aprovada. Não só adiantaram os planos, como também...
- ... Incluíram a exigência de apresentar RG ou CPF para criar contas em redes sociais e apps de bate-papo, além de pregar a limitação de perfis por pessoa. Só que...
- ... O relator do PL, o Senador Ângelo Coronel, que também conduz a CPMI das Fake News, tinha suas próprias ideias sobre o assunto, já que...
- ... Modificou o texto para voltar a obrigar Facebook e Twitter a remover fake news e propôs uma punição de R$ 10 bilhões caso não o fizessem. Tudo bem, mas...
- ... O texto dele só foi apresentado aos líderes partidários pouco antes das 2h da madrugada de terça, dia da votação. Dali a 14 horas seria a votação.
Por que é importante?Se você se perdeu no desdobramento dos eventos, muito provavelmente concordará com ativistas e as rede sociais. A reclamação é que um assunto desta complexidade está sendo tratado a toque de caixa, surfando o medo das consequências trazidas pela desinformação em plena pandemia. O projeto (uma das versões dele) ainda obrigava os sites a remover conteúdo que julgassem falsos. Muitos viram nisso um caminho aberto para a censura online e a transformação de Facebook e Twitter nas "polícias da internet". Curiosamente, nem estas empresas querem isto. Ficarem alheios ao que as pessoas publicam em suas plataformas é algo que elas lutam para manter. Se você achou abomináveis os exemplos do primeiro parágrafo, provavelmente acha que alguma coisa tem de ser feita para conter o avanço das notícias falsas. Saiba, porém, que não há uma alma, em quarentena ou não, que não ache isso. Quem é contra os projetos acha, no entanto, que a pandemia não justificativa a criação de uma legislação que vai voltar para nos assombrar toda vez que entrarmos na internet. Não é bem assim, mas está quase láDito isto, prepara-se: os parlamentares estão convencidos de que as fake news são o inimigo da vez. Não é difícil imaginar por quê. A CPMI das fake news, mesmo suspensa, produz estarrecedoras descobertas sobre o financiamento governamental à máquina de mentiras online. Já o inquérito do STF identifica que muitas pessoas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro estão envolvidas na produção da desinformação. Forjada no calor deste momento, a lei está sendo encarada como solução final do Congresso para solucionar a desinformação. A intenção é boa, mas, no ritmo em que o papo está sendo levado, fica de fora uma parte essencial desta conversa: o povo, afinal, é ele o público leitor das fake news. PUBLICIDADE | | |