Tensão entre EUA e Rússia respinga no espaço mas ISS se mantém a salvo
Washington, 25 Fev 2022 (AFP) - A invasão russa à Ucrânia levantou dúvidas sobre o futuro da Estação Espacial Internacional (ISS), há muito um símbolo da cooperação pós-Guerra Fria, onde astronautas e cosmonautas vivem e trabalham lado a lado.
A ISS esteve no centro de vários tuítes ameaçadores publicados pelo chefe da agência espacial russa, Dmitri Rogozin, que alertou nesta quinta-feira que as sanções dos EUA poderiam "destruir" a cooperação entre os dois países e disse que a plataforma de pesquisas se precipitaria em direção à Terra sem a ajuda da Rússia.
Especialistas veem essas ameaças como parte da retórica política acalorada, dada a confiança mútua das duas partes na segurança do seu pessoal. Mas elas poderiam acelerar um divórcio há muito esperado.
"Ninguém quer pôr em risco a vida dos astronautas e cosmonautas com manobras políticas", disse à AFP John Logsdon, professor e analista espacial da Universidade George Washington. "Foi uma decisão muito consciente quando a Rússia se incorporou como sócia da estação, em 1994, para tornar a mesma interdependente", acrescentou, uma decisão que levou em conta as preocupações com custo e velocidade.
- Tuítes hostis -
A ISS, uma cooperação entre Estados Unidos, Canadá, Japão, Europa e Rússia, é dividida em duas seções: o segmento orbital americano e o segmento orbital russo, cada um construído e administrado por seu país. Atualmente, a ISS conta com um sistema de propulsão russo para manter a sua órbita, enquanto o segmento dos EUA é responsável pela eletricidade e pelos sistemas de suporte vital.
Rogozin fez referência a essa codependência em uma série de tuítes hostis publicados logo após o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciar sanções contra a indústria aeroespacial russa: "Se você bloquear a cooperação conosco, quem salvará a ISS de sair de órbita sem controle e cair em território americano ou europeu?", questionou Rogozin, destacando que a estação não sobrevoa grande parte da Rússia.
A Nasa respondeu com uma declaração branda, enfatizando que "continua trabalhando com todos os sócios internacionais, incluindo a Agência Espacial Federal Roscosmos, para as operações seguras em andamento da Estação Espacial Internacional".
Julie Patarin-Jossec, acadêmica francesa e autora de um livro sobre a ISS, destacou que Rogozin "é uma figura política, conhecida por ser muito leal ao poder", e tem um histórico de declarações virulentas. Os que estão a bordo da estação são profissionais altamente capacitados e é pouco provável que sejam afetados", disse à AFP.
Julie acrescentou que se retirar do programa da ISS deixaria a Rússia sem um programa espacial tripulado, a menos que se volte rapidamente para trabalhar com a China a bordo da estação espacial Tiangong, em construção, que abriga uma tripulação de três membros.
- Longa história -
A cooperação entre os Estados Unidos e a Rússia remonta ao auge da Guerra Fria, e não é isenta de idas e vindas.
Depois que os Estados Unidos enviaram os primeiros homens à Lua, em 1969, o então presidente americano, Richard Nixon, buscou oportunidades de tornar o programa espacial mais cooperativo e convidou os aliados para participar do programa do ônibus espacial.
"Paralelamente, ele e Henry Kissinger decidiram usar uma possível missão conjunta americano-soviética como símbolo de distensão", explicou John Logsdon. Isso levou à histórica missão Apollo-Soyuz de 1975, quando as espaçonaves americanas acoplaram-se pela primeira vez, em um evento transmitido para o mundo inteiro pela TV.
A parceria deveria se expandir ainda mais, com possíveis missões do ônibus espacial a uma das primeiras estações espaciais russas, mas o presidente Jimmy Carter descartou esses planos após a invasão soviética ao Afeganistão.
Foi somente após o colapso da União Soviética que funcionários russos se aproximaram do governo Bill Clinton com a ideia de uma fusão, abrindo caminho para o lançamento do primeiro módulo da ISS, em 1998.
A estação espacial enfrentou tempestades geopolíticas no passado, principalmente a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014, mas a tensão atual, a mais grave desde a crise dos mísseis cubanos, segundo Logsdon, pode marcar o começo do fim.
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