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Como Telegram tem sido usado para espalhar fake news sobre guerra da Ucrânia

Dado Ruvic/Reuters
Imagem: Dado Ruvic/Reuters

Em Washington

10/03/2022 09h32

Dois dias após a Rússia invadir a Ucrânia, uma conta na plataforma de mensagens Telegram se passou pelo presidente Volodymyr Zelensky e instou suas forças armadas a se renderem.

A mensagem não era autêntica, e o verdadeiro Zelensky logo negou o pedido em seu canal oficial do Telegram, mas o incidente evidenciou um grande problema: a desinformação que se espalha rapidamente, sem controle, neste aplicativo criptografado.

A conta falsa de Zelensky atingiu 20 mil seguidores no Telegram antes de ser encerrada, uma ação corretiva que, segundo especialistas, é rara.

De acordo com Oleksandra Tsekhanovska, chefe do Grupo Analítico de Guerra Híbrida do Centro de Mídia de Crise da Ucrânia, com sede em Kiev, os efeitos são tanto de curto quanto longo alcance.

"Para o Telegram, a prestação de contas sempre foi um problema, por isso era tão popular, mesmo antes da guerra, em grande escala com extremistas de direita e terroristas em todo o mundo", disse ele à AFP de sua casa nos arredores da capital ucraniana.

O Telegram tem 500 milhões de usuários, que compartilham dados individualmente e em grupos com relativa segurança. Mas o uso do app como um canal de transmissão unidirecional, no qual seguidores podem receber informações, mas não responder, significa que o conteúdo de contas não autênticas pode facilmente alcançar grandes públicos.

Notícias falsas costumam ser divulgadas por meio de grupos públicos ou chats, com efeitos potencialmente fatais.

"Alguém se passando por um cidadão ucraniano simplesmente entra no chat e começa a espalhar informações erradas ou coletar dados, como a localização de abrigos", explicou Tsekhanovska, que apontou que mensagens falsas levaram ucranianos a desligar seus telefones em um horário específico da noite, sob o argumento da cibersegurança.

Tal medida pode colocar as pessoas em risco, pois os cidadãos recebem avisos sobre ataques aéreos por meio de alertas em seus celulares.

Frouxo e ausente

Além disso, a arquitetura técnica do Telegram limita a capacidade de deter a disseminação de informações falsas: a falta de um fluxo público de mensagens e o fato de os comentários poderem ser facilmente desabilitados nos canais reduzem o espaço para reclamações.

Embora alguns canais tenham sido removidos, analistas consideram o processo de reparação pouco transparente e insuficiente.

"Há um contraste gritante com a forma como outras empresas são administradas hoje", observou Emerson Brooking, especialista em desinformação do Laboratório de Pesquisa Digital Forense do Atlantic Council.

O WhatsApp, serviço de mensagens rival, introduziu algumas medidas para combater a desinformação no começo da pandemia de covid-19. Restringiu o número de vezes que um usuário pode encaminhar algo e desenvolveu sistemas automatizados que detectam e sinalizam conteúdo censurável.

Ao contrário dos gigantes do Vale do Silício, como Facebook e Twitter, que têm programas muito públicos contra a desinformação, "o Telegram é notoriamente frouxo e ausente em sua política de moderação de conteúdo", afirmou Brooking.

Consequentemente, na pandemia, muitos recém-chegados ao Telegram, entre eles ativistas antivacina de destaque, se viram amparados pelo descontrole para compartilhar informações falsas sobre vacinas, segundo um estudo do Instituto para o Diálogo Estratégico.

"Mais proativo"

Diferente do Facebook, Google e Twitter, o fundador do Telegram, o russo Pavel Durov, administra sua empresa em relativo sigilo em Dubai.

No entanto, em 27 de fevereiro, ele admitiu por meio de sua conta, em russo, que "os canais do Telegram estão se tornando cada vez mais uma fonte de informações não verificadas relacionadas" ao conflito na Ucrânia.

Ele inicialmente chegou a dizer que restringiria alguns canais na Rússia e na Ucrânia "durante o conflito" devido à impossibilidade de verificar o conteúdo de todos eles, mas mudou sua posição depois que muitos usuários reclamaram, alegando que o Telegram era uma importante fonte de informação.

Oleksandra Matviichuk, advogada em Kiev e diretora do Centro para as Liberdades Civis, classificou a posição de Durov como "muito fraca".

"É preciso começar a ser mais proativo e encontrar uma solução real para essa situação, e não ficar parado sem interferir. É uma postura muito irresponsável por parte do dono do Telegram", disse.

Nos Estados Unidos, a menor utilização do Telegram o ajudou a evitar o escrutínio do Congresso, mas o assunto não passou despercebido.

Alguns usaram a plataforma para se organizar antes do ataque contra a sede do Congresso dos EUA no início de janeiro de 2021, e no mês passado o senador Mark Warner enviou uma carta a Durov pedindo-lhe que freasse as operações de informações russas no Telegram.