Jamestown, berço dos EUA, sob ameaça pelo aumento do nível do mar
Jamestown, Estados Unidos, 17 Mai 2022 (AFP) - A água subiu durante a noite e pela manhã havia formado um lago no gramado que cobre um cemitério em Jamestown, localidade que guarda as bases históricas dos Estados Unidos.
Os responsáveis pela conservação do local dizem com os pés molhados que esta é apenas a última de uma série aparentemente interminável de inundações no primeiro assentamento inglês permanente da América do Norte, e também lar de tribos nativas por milhares de anos.
Sacos de areia e lonas fornecem alguma proteção contra as intempéries, mas os conservadores alertam que o tempo está se esgotando para Jamestown, cada vez mais ameaçada pela elevação do nível do mar e as condições meteorológicas extremas devido às mudanças climáticas.
"Todos os elementos arqueológicos que ainda não conseguimos investigar podem ser destruídos", disse Michael Lavin, diretor de coleções da Jamestown Rediscovery Foundation, a associação responsável pelo sítio no estado da Virgínia.
No início deste mês, o National Trust for Historic Preservation, uma das principais instituições de preservação do patrimônio, incluiu Jamestown em sua lista de 2022 dos 11 lugares históricos mais ameaçados dos EUA.
- "Temos que fazer alguma coisa" -"Temos que fazer alguma coisa e tem que ser agora", declarou Lavin.
David Givens, diretor de arqueologia, trabalha no local, assim como seu colega, há mais de 20 anos. "Durante a maior parte de nossas vidas, esta foi uma área seca", afirmou.
A atual enchente subiu um metro, nível que será a norma até o final do século, segundo projeções. O nível do mar na foz do rio James já subiu 45 centímetros desde 1927.
A preocupação é grande porque o local reúne grande parte da história americana: além dos colonos ingleses, o sítio abrigou tribos nativas americanas por 12 mil anos e, em 1619, foi o primeiro lugar nos territórios norte-americanos da Grã-Bretanha para onde eram levados os escravos africanos.
- Ossos "como esponjas" -Aos pés de uma antiga igreja, a arqueóloga Caitlin Delmas raspa o solo com sua espátula, cercada por sacos de areia e lonas que são desenroladas a cada aguaceiro. "Precisamos garantir que tudo fique seco", explicou.
Em 2013, o estudo dos ossos de uma jovem encontrada lá confirmou que ela havia sido vítima de canibalismo durante a fome entre os colonos no inverno de 1609-1610.
Mas pode ser que não haja mais descobertas tão raras: Delmas disse que os ossos recentemente desenterrados eram "como esponjas" e não podiam ser analisados por causa da alternância excessiva entre estarem secos e molhados.
"Com o tempo, esses sítios arqueológicos ficarão inacessíveis, serão erodidos pela água salgada, pelas inundações", afirmou Givens.
Marcy Rockman, pioneira no estudo do impacto das mudanças climáticas nos recursos culturais dos parques nacionais dos Estados Unidos, disse que os locais de patrimônio cultural "sempre foram afetados por tempestades, vento e chuva".
"Mas o que está acontecendo é que essas forças estão se acelerando. Estão se intensificando. Estão se recombinando de novas maneiras. Estão chegando em diferentes épocas do ano" devido às mudanças climáticas, explicou.
No amplo estuário de Jamestown, alguns barcos levam blocos de granito, à espera de que o tempo melhore para reforçar o atual dique que foi construído no início do século 20 para proteger o local da erosão.
O projeto, que custa mais de dois milhões de dólares, é apenas um primeiro passo: estudos sobre as inundações também estão em andamento e "vão custar dezenas de milhões de dólares", observou Lavin.
"Os restos humanos são nossos registros de dados do passado", apontou Givens. "Estudá-los é urgente."
Katherine Malone-France, chefe de conservação do National Trust for Historic Preservation, disse, de seu escritório em Washington, que o tempo está se esgotando.
"Temos uma janela de cinco anos em Jamestown para começar a mitigar de verdade os impactos das mudanças climáticas", alertou. "É urgente."
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