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Publicidade viral mobiliza milhões na web e gera polêmica

Foto de Neymar no Instagram na campanha #naosomosmacacos - Instagram
Foto de Neymar no Instagram na campanha #naosomosmacacos Imagem: Instagram

06/05/2014 16h27

Um anúncio oferece o melhor emprego do mundo. Estranhos se beijam pela primeira vez em frente às câmeras. Um jogador de futebol manda uma banana para o racismo. Além de terem estourado na internet, essas ações têm outra grande semelhança: apesar da aparente espontaneidade, foram todas criadas por profissionais.

O tema virou polêmica na semana passada, quando foi descoberto que a campanha antirracismo #somostodosmacacos, lançada pelo jogador Neymar nas redes sociais, havia sido criada por uma agência de publicidade. Centenas de pessoas se sentiram manipuladas e passaram a criticar a ação.

O marketing viral, segundo especialistas, é uma arma poderosa, com capacidade para reforçar positivamente a imagem das marcas. Mas precisa ser planejado para que as pessoas não se sintam enganadas.

"É sempre melhor ser transparente na internet", diz Matt Smith, da agência britânica de marketing digital The Viral Factory.

"O marketing viral é como o início de conversa. Se ela começa com uma mentira, as pessoas ficarão bravas", opina.

"As pessoas só compartilham coisas nas quais acreditam, não aquelas com ganhos financeiros. Quando sentem que algo não é autêntico, elas se sentem enganadas", diz Jonah Berger, especialista em marketing da Universidade da Pensilvânia e autor do livro Contágio - Por que as coisas pegam.

Segundo Felipe Wasserman, professor especialista em redes sociais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), essa insatisfação não costuma acontecer quando a campanha é por uma boa causa, como a lançada por Neymar.

Também costumam ser bem aceitas ações que propagam algo agradável. É o caso da campanha que oferecia o "melhor trabalho do mundo" para incentivar o turismo em uma ilha australiana.

A BBC Brasil levantou quem são responsáveis por algumas das campanhas publicitárias que se tornaram virais nos últimos anos.

#somostodosmacacos

Criada pela agência Loducca, a ação teve início após o jogador Daniel Alves comer uma banana atirada no campo por um torcedor. Neymar, que também já havia sido vítima de racismo, postou no Twitter e no Facebook uma foto sua e de seu filho com uma banana e a hashtag #somostodosmacacos. Mais de 150 mil pessoas publicaram a hashtag.

A Loducca tem cerca de 200 profissionais e inclui, em sua lista de clientes, gigantes como Ambev, Pepsi e Yamaha.

Guga Ketzer, vice-presidente de criação da Loducca, afirma que o #somostodosmacacos não foi uma campanha da agência, mas sim o movimento de um jogador, que teve auxílio da Loducca para elaborá-lo.

"Neymar é excelente jogador de futebol, mas não é publicitário. Assim como o Obama é excelente político, mas não escreve seu discurso. Qual é o problema de um jogador ter ajuda de um profissional que consiga ampliar sua voz?"

Ketzer afirma que a ação foi legítima porque vendia apenas "a possibilidade de um mundo melhor". Para ele, campanhas como essas são válidas quando "não enganam as pessoas a ponto de elas se sentirem usadas".

Perdi meu amor na balada

Em 2012, fez sucesso no Brasil um vídeo que mostrava um jovem à procura de uma mulher que conheceu em uma casa noturna. Tratava-se, na verdade, de um comercial de um novo telefone da Nokia.

A ação foi feita pela agência NaJaca. Com sete profissionais, a NaJaca, segundo a sócia Maria João Abujamra, é contratada por outras agências para "projetos especiais", mais trabalhosos. Já fizeram campanhas para Sony e GOL.

Após clientes se sentirem enganados, a Nokia foi alvo de processo no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). O caso foi arquivado, pois o teaser - espécie de anúncio prévio, com o objetivo de atiçar a curiosidade do público -, é previsto pelas normas do conselho. As regras do Conar, no entanto, destacam também que a publicidade precisa ser facilmente identificável pelo consumidor.

"Há mesmo uma certa enganação em campanha virais como essas", afirma Abujamra. Para ela, porém, a propaganda foi importante para abrir um debate sobre este tipo de ação.

Enterro do Bentley

Um excêntrico milionário brasileiro anunciou no Facebook, no ano passado, que enterraria seu carro, avaliado em cerca de R$ 1 milhão, seguindo a tradição dos faraós. O anúncio causou comoção, até que, no dia do enterro, Chiquinho Scarpa revelou que se tratava de uma campanha para incentivar a doação de órgãos. Se o enterro de um carro causa espanto, por que a reação diante do enterro de alguém com valiosos órgãos não é a mesma?

A campanha foi idealizada pela agência Leo Burnett, que possui escritórios em mais de 80 países. No Brasil, são dois, somando cerca de 300 profissionais. Entre os clientes, estão Fiat, Schin e Samsung.

Marcelo Rizério, um dos criadores da campanha, afirma que este formato foi escolhido porque o cliente, a ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), tinha poucos recursos. "Nunca teríamos feito isso para lançar um produto. Seríamos apedrejados. Mas, como é uma causa nobre, todos entenderam."

First Kiss

Um vídeo com imagens em preto e branco, mostrando diversos casais se beijando pela primeira vez, foi visto mais de 80 milhões de vezes no Youtube este ano.

Por trás deste viral não estava nem uma grande agência de publicidade, nem uma grande marca. A diretora, Tatia Pilieva, era amiga da dona da marca Wren, grife fundada em 2007 e baseada em Los Angeles, e fez o vídeo para ajudá-la.

Apesar de o nome da marca aparecer no início no vídeo e nos créditos, muitas pessoas se incomodaram quando foram alertadas de que se tratava de um vídeo comercial. A peça foi acusada de ser uma farsa.

"Foi muito surpreendente para mim -a conexão nunca foi escondida. Acho que essa conversa demonstrou que as pessoas estão acostumadas a comerciais de que não gostam, que querem evitar. Nós fizemos um conteúdo que as pessoas amaram", diz Melissa Coker, dona da Wren.

De acordo com ela, as vendas subiram 14.000% após o sucesso do vídeo.

O melhor emprego do mundo

Em 2009, uma campanha procurou um zelador para a paradisíaca ilha Hamilton, no Estado de Queensland, na Austrália. Mais do que encontrar alguém para coletar correspondências e alimentar tartarugas, a campanha visava promover o turismo no local.

Deu certo: foram enviados mais de 35 mil vídeos de pessoas que desejavam a vaga, vindos de 197 países. Com um orçamento de US$ 1,2 milhão, a campanha conseguiu atenção midiática que valeria, segundo seus idealizadores, US$ 165 milhões.

A campanha foi feita pela agência australiana Cummins Nitro. No mesmo ano, o idelizador vendeu sua parte da agência para o grupo Sapient Nitro, em um negócio avaliado em US$ 50 milhões. O criador da campanha, Sean Cummins, publicitário há 30, fundou uma nova agência dois anos depois. Entre seus clientes estão Nike e Chrysler Jeep.

Já a Sapient Nitro é hoje a maior agência digital dos EUA e a quarta maior do mundo. Marcelo Tripoli, da SapientNitro, afirma que a campanha fez sucesso porque saía da mesmice e não enganava ninguém.

"Uma campanha como essa consegue alcance global rapidamente. O Brasil, por exemplo, está entre os países do mundo onde se gasta mais tempo na internet. Há um excesso de informação, o que significa que as pessoas só compartilham aquilo que realmente chama a atenção."

Melhor pelados que

No mês passado, após um jovem ser despido com violência por pessoas encapuzadas em uma universidade na Venezuela, diversos internautas postaram fotos nuas no Twitter com a hashtag #mejordesnudosque em protesto contra a violência. A hashtag foi mencionada mais de 200 mil vezes no Twitter.

A campanha não foi feita, oficialmente, por uma agência, mas foi iniciada por publicitários. Seu criador foi o vice-presidente de criação da Ogilvy & Mather Venezuela, Ricardo Cie. Como as primeiras fotos foram feitas na agência, com fundo branco e composição semelhante, ficou claro, para quem decidiu aderir, que se tratava de uma peça publicitária.

Campeonato de lavagem nasal

Mais de 700 mil pessoas assistiram, em 2011, ao vídeo da final do "campeonato mundial de lavagem nasal". A competição, que contava com um russo defendendo seu título de tricampeão, foi na verdade inventada pela Red Graphic, uma agência da publicidade russa.

A campanha incluiu o estabelecimento da Federação Internacional de Jala Neti (um tipo de limpeza nasal de yoga), com sede em Lausanne, e a criação de um site para o fã clube de um famoso atleta. A marca que contratou a campanha, Aqua Maris, aparecia apenas como patrocinadora do evento.

Vem, Sean Penn

No início de 2013, os brasileiros se mobilizaram para trazer o ator Sean Penn para o país. O motivo? O protagonista de um filme brasileiro, Ariel Goldenberg, portador de síndrome de Down, sonhava em ter ao seu lado, na estreia do longa, o colega americano, de quem é fã desde que ele interpretou um personagem com deficiência intelectual no filme Uma Lição de Amor (2011).

Muitas pessoas se sentiram incomodadas quando se deram conta de que a ação havia sido feita por uma agência para promover o filme de Ariel, Colegas (2012).

"A questão não é se tem ou não profissionais por trás dessa ação. Tratava-se de história verdadeira. O público viu exatamente isso e por isso mesmo o vídeo viralizou. E graças a esse mesmo público, o sonho se realizou", afirmou Fred Saldanha, da AgênciaClick Isobar.

A agência, com forte atuação no ramo online, tem cerca de 270 profissionais e quatro escritórios no Brasil. A campanha não conseguiu trazer Sean Penn ao Brasil, mas Ariel viajou aos EUA para conhecer o ídolo.