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Por que tantas crianças passam horas na web vendo outros jogando Minecraft?

Criança assiste a partida de "Minecraft" - BBC
Criança assiste a partida de 'Minecraft' Imagem: BBC

Jane Wakefield

Repórter de Tecnologia da BBC News

19/05/2015 08h12

"Minecraft", o mundo virtual que a maioria dos pais simplesmente não entende como funciona, é oficialmente o jogo de maior audiência de todos os tempos no YouTube.

Segundo o portal de vídeos, o nome do game, uma espécie de Lego digital que permite ao jogador construir mundos virtuais, tornou-se o segundo termo mais buscado no site, atrás apenas de "música".

Isso se assemelha a pesquisas anteriores feitas pelas empresas Newzoo e Octoloy, que haviam identificado que vídeos relacionados a "Minecraft" haviam sido vistos 3,9 bilhões de vezes no YouTube apenas em março passado.

Nada disso é uma surpresa para os pais de meninos e meninas que se acostumaram a suplicar para que seus filhos fechem as janelas de "Minecraft" no computador para andar de bicicleta, jogar bola, ir para a praça ou fazer qualquer outra coisa além de passar horas assistindo a outras pessoas construírem mundos virtuais pela internet.

Entusiasmo ou obsessão?

É um fato que muitos pais se preocupam com os diferentes níveis de entusiasmo/obsessão/vício demonstrados por seus filhos ao jogarem "Minecraft", como mostram muitos posts em redes sociais e em reportagens.

Os pais reclamam que o jogo parece ter se tornado o centro da vida destas crianças; que elas ficam irritadiças quando não estão "ligadas" no jogo, que se mostram displicentes em relação aos deveres da escola e a tarefas do dia a dia em suas casas. Alguns decidiram proibir completamente o jogo ou limitar fortemente o tempo das partidas.

Um destes pais, ao explicar por que restringiu o acesso de seus dois meninos gêmeos ao game, simplesmente disse: "'Minecraft', assim como os principais vícios, não tem fim. Por sua vez, a infância de meus filhos não é infinta, e quero que eles a passem aprendendo sobre o mundo real, não sobre um mundo virtual".

Mas, para outros, o jogo não faz mal às crianças - contanto que, ao menos, façam algo criativo. Mas passar horas e mais horas assistindo a outras pessoas jogarem representa um nível inédito de obsessão. 

Minecraft - Reprodução - Reprodução
Um dos vastos 'mundos' do jogo 'Minecraft'
Imagem: Reprodução

Vasto conteúdo

Com certeza, há um vasto catálogo de conteúdo relacionado a "Minecraft" no YouTube. São cerca de 42 milhões de vídeos, de clipes que dão o passo a passo para construir coisas novas ou novas formas de modificar mundos já existentes àqueles que simplesmente mostram gravações de partidas.

Também há centenas de canais dedicados a "Minecraft". Alguns deles tornaram-se sensações na internet, como o Yogscast e SkyDoesMinecraft.

Stampy, voltado para crianças , é um canal no YouTube que conta com narração de um gato; ele tem mais de 5,6 milhões de assinantes e quase 3,4 bilhões de visualizações. Em 2014, foi o quarto canal mais popular do YouTube.

Outros são menos adequados para crianças, com vídeos descritos por pais como "úteis, mas cheios de palavrões".

Bec Oakley, fundadora do "MineMum", um blog que ajuda pais a entenderem o que é o "Minecraft", diz não se surpreender pelo fato de o jogo ter se tornado tão popular no YouTube.

"O YouTube é a televisão desta geração. É como crianças se entretêm, aprendem e compartilham. Além disso, há muito conteúdo disponível e grande parte dele é atraente, educacional e útil para crianças."

Ela reconhece que "Minecraft" é "definitivamente um jogo com o qual as crianças podem ficar obcecadas e assistir a partidas no YouTube pode ser parte desta obsessão". Mas acrescenta que não acredita que isto seja um sinal de um problema maior.

"Um fator mais importante é o tempo gasto com isso e os efeitos causados no humor e na saúde da criança", afirma Oakley.

"É importante que pais ajudem seus filhos a aproveitar o 'Minecraft' de forma saudável, conversando com eles sobre como saber a hora de fazer intervalos e estabelecendo regras, recompensando-os quando elas foram cumpridas."

Comunidade

Mas o que torna o "Minecraft" tão popular para tantas crianças?

A Mojang, empresa sueca criadora do jogo que foi comprada pela Microsoft no ano passado, não o desenvolveu especificamente para o público infantil.

Segundo o programador e designer Markus Persson, idealizador do game, o "Minecraft" foi inspirado em outros jogos, como o "Dawrf Fortress", no qual mundos virtuais podem ser construídos e administrados, o simulador de parques de diversões "RollerCoaster Tycoon" e o game de estratégia "Dungeon Keeper".

Mas a Mojang sempre incentivou os jogadores a colocarem seus próprios vídeos no YouTube.

E, diferentemente da empresa japonesa Nintendo, que monitora clipes que usem seus personagens e games para exigir a receita de publicidade obtida com eles, a Mojang sempre abordou este tipo de comportamento de forma menos rígida.

"Basicamente, terceirizamos os vídeos no YouTube para a comunidade de milhões de pessoas, e elas criaram algo mais criativo que jamais poderíamos fazer por conta própria. Isso não nos prejudica", disse Vu Bui, diretor de operações da Mojang ao jornal "The Guardian" no ano passado.

Ao mesmo tempo em que "Minecraft" explodiu em popularidade, o mesmo ocorreu com o YouTube entre espectadores mais jovens - em fevereiro de 2015, nove dos 20 canais mais assistidos do portal eram voltados para este tipo de público.

"Assistir a outras pessoas jogando 'Minecraft' permite às crianças ampliarem a experiência que têm com o game, ao poder compartilhar e aprender uns com os outros", diz Oakley, do blog "MineMum".

Efeitos no cérebro

Também houve estudos, alguns deles controversos, que analisam os efeitos de videogames no cérebro.

Pesquisadores na China fizeram, por exemplo, exames de ressonância magnética no cérebros de 18 universitários que passavam uma média de dez horas por dia jogando "World of Warcraft", um RPG online.

Em comparação com outro grupo que passava menos de duas horas por dia jogando, o primeiro apresentou menos massa cinzenta, a parte do cérebro responsável pelo raciocínio.

E, no início dos anos 1990, cientistas alertaram que, como videogames estimulam as regiões do cérebro que controlam a visão e o movimento, outras partes responsáveis pela emoção e o aprendizado poderiam ficar menos desenvolvidas.

Em termos de pesquisas específicas sobre "Minecraft", um artigo assinado pelos psicólogos Jun Lee e Robert Pasin na revista "Quartz" sugere que ele pode não ser tão criativo como alguns pais esperam.

"A criatividade é limitada pelas combinações de ferramentas e materiais disponibilizados pelo jogo para a construção de mundos. Então os jogadores têm apenas uma missão: criar estruturas cada vez mais complexas. Apesar de isso parecer ser uma experiência muito criativa, crianças que estudamos relataram se sentir irritadas e com emoções à flor da pele após partidas de 'Minecraft'."

O jogo, segundo os pesquisadores, é "menos sobre um jogo com infinitas possibilidades e mais sobre trabalhar para cumprir infinitas tarefas de construção".

E este fenômeno, em que jogadores passam muito tempo assistindo a partidas no site, ocorre com outros jogos. Como, por exemplo, meu filho, que nunca foi fã de "Minecraft" e gosta de assistir partidas de "Fifa Soccer", às vezes por horas a fio.

Crianças costumam ficar obcecadas com certas coisas. Há uma longa lista de brinquedos e games que se tornaram uma obsessão para elas, apenas para serem descartados sem cerimônia alguns anos depois.

Talvez este acabe sendo também o destino de "Minecraft", e as crianças voltem a assistir vídeos de animais fofinhos no YouTube como qualquer outra pessoa comum.