O que há por trás do revival dos mapas de papel?
Antes da invenção do GPS, precisávamos chegar de A a B. E como fazíamos isso?
Nos Estados Unidos, um dos países em que mais se usam carros no mundo, muitos motoristas usavam o TripTiks - cadernos que não apenas continham mapas, mas eram verdadeiras bíblias de viagem, apresentando dicas personalizadas que levavam em conta, por exemplo, senso de aventura e mesmo orçamento de viagem.
Este serviço era - e ainda é - oferecido gratuitamente pela Associação Americana de Automobilismo (AAA). Os cadernos ofereciam sugestões de percursos para quem quisesse apreciar a paisagem, trazia sugestões de restaurantes e atrações locais normalmente ignoradas por guias de viagens, como museus exóticos.
Você deve estar imaginando que os TripTiks devem ser hoje em dia um tipo de dinossauro do mundo dos mapas, ainda mais nessa era em que smartphones oferecem sofisticados aplicativos de navegação, incluindo os que usam a sabedoria das multidões para fornecer informações atualizadas em tempo real.
Mas a verdade é que os cadernos nunca estiveram tão populares. E parece indicar uma tendência global contrária ao avanço da revolução digital que, ao longo da última década, feriu de morte a indústria literária, jornais e revistas.
Ponto de partida
A "Grande Viagem" americana é algo lendário. Ter um carro e percorrer os EUA de costa a costa é um marco cultural na história do país.
Pergunte mesmo aos millennials como sua família fez a última viagem - por exemplo, Milwaukee para Orlando -, e é bem provável que ela tenha começado em uma filial local da AAA.
Lá, um especialista da TripTik teria coletado um festival de mapas e - de cabeça - traçado com caneta luminosa a melhor rota para o freguês, marcando ainda atrações e locais úteis, como banheiro públicos, pelo caminho.
A associação foi fundada em 1902 como grupo de pressão ligado à indústria automobilística, mas foi fundamental para o desenvolvimento de mapas rodoviários.
No início do século 20, o automóvel estava se popularizando nos EUA, e os mapas da AAA foram desenhados especificamente para os novos tipos de motoristas.
Os 23 mil carros registrados no país contavam, por exemplo, com mapas em que "boas estradas" eram indicadas.
Os TripTiks, porém, só surgiram em 1937, compilados por equipes especiais de técnicos rodoviários. Mike Camarano foi um deles nos anos 70, trabalhando em tempo parcial enquanto fazia o curso universitário de Geografia.
"Nós éramos o Google antes do Google", conta Camarano, que na verdade também era o TripAdvisor antes do TripAdvisor.
Ele também desempenhou outras funções na AAA, incluindo a de repórter de estradas: dirigia meses a fio para avaliar as condições de rodovias ao redor dos EUA - um misto de agente de viagens e cartógrafo.
Em outro ponto da carreira na empresa, era especializado em mapear postos de gasolina, hotéis e restaurantes. Isso sem falar quando precisava explorar todas as saídas de uma autoestrada para ver o que havia ao redor.
Hoje, em meio ao festival de crowdsourcing (informações vindas do públido) que norteia aplicativos, a AAA ainda aposta na avaliação e expertise de profissionais para dar o caminho das pedras.
Embora a associação diga apreciar o valor de novas tecnologias e a importância da avaliação dos consumidores, Camarano até hoje se vale de mapas de papel e TripTiks para planejar viagens.
"Se você usar demais a Siri (o assistente virtual do sistema iOs, da Apple), você perde a habilidade de se guiar. Preocupo-me com isso."
Em 1994, porém, o AAA começou a vender os TripTiks pela internet.
O planejamento virtual feito pelos próprios usuários teve início seis anos depois. Em 2015, depois de constatar que apenas 3% dos TripTiks estavam sendo feitos à mão nas filiais, a direção da associação decidiu aposentar a versão em papel do guia.
Porém, este ano provou que os boatos sobre a morte dos TripTiks eram um pouco exagerados - o mês de julho foi o mais popular para eles da história, com dois milhões de unidades produzidas. Metade deles eram de cópias físicas compradas online.
Uma reviravolta em termos de hábitos de consumo em meio à revolução digital.
E não apenas para o caso do famoso guia de viagem: no ano passado, o Instituto Real de Navegação, no Reino Unido, fez um estudo que mostrou uma queda na habilidade de leitura de mapas em meio ao público em função da popularidade de aplicativos para smartphones e aparelhos de GPS.
Vendas de mapas de papel caíram vertiginosamente ao longo da última década, mas tiveram um revival a partir de 2014. A principal agência de cartografia do Reino Unido, a Ordnance Survey, registrou aumento de 7% nas vendas entre 2014 e 2015.
Essas estatísticas sugerem que há uma espécie de afeto por mapas de papel - e feitos por humanos.
As empresas e organizações por trás deles precisam apresentar diferenciações para serviços como o Google Maps. O TripTiks, como vimos, oferece rotas panorâmicas, algo ainda não oferecido pela gigante da tecnologia.
Mas o AAA está adotando uma política do "junte-se a eles" em vez de tentar derrotar a concorrência. Iniciou uma colaboração com o Google em que fornece expertise para a concorrente no que diz respeito, por exemplo, às melhores rotas para cada época do ano.
Sim, produtos físicos não são mais populares como eram antigamente, mas tampouco foram totalmente substituídos por tecnologias digitais.
Para muitos viajantes, como Camarano, mapas físicos permitem espontaneidade e abrem espaço para exploração, algo bastante valorizado por pessoas que não querem apenas o destino como atração, mas também a jornada.
"Há um lindo mundo fora de seu telefone celular", conta Camarano. "As pessoas vão finalmente aceitar a ideia de que precisam olhar em volta."
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