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Belinda Parmar, a pioneira da tecnologia que proíbe aparelhos eletrônicos e telas em sua casa

Reprodução/Concrete.TV
Imagem: Reprodução/Concrete.TV

26/05/2018 09h20

Belinda Parmar costumava se referir a si mesma como uma "evangelizadora da tecnologia".

Ela fazia visitas frequentes a escolas para incentivar meninas a explorar essa área de conhecimento e até mesmo recebeu da rainha Elizabeth 2ª a Ordem do Império Britânico, conferida pela Coroa por contribuições a artes e ciências, e, no caso dela, por ajudar a aumentar a participação feminina nessa indústria.

Hoje em dia, ela continua a ser uma entusiasta da tecnologia e da liberdade e benefícios que isso gera, mas também conheceu seu lado negro em primeira mão - e se preocupa em como isso pode afetar seus filhos.

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Com base em novas pesquisas e sua experiência pessoal, ela acaba de lançar a campanha #TheTruthAboutTech (#AVerdadeSobreATecnologia, em inglês) para alertar adultos e crianças sobre os possíveis malefícios da tecnologia.

Parmar não tem problema em falar sobre o que a motivou a ter essa iniciativa. "Tenho um filho viciado em videogames. Um sobrinho passou seis semanas em um hospital psiquiátrico, porque se negava a ir à escola, só queria jogar videogame o dia todo", conta ela à BBC.

"Isso me fez enxergar o lado ruim da tecnologia. A verdade é que não podemos controlá-la, ela é que nos controla."

Belinda Parmar, a pioneira da tecnologia que proíbe aparelhos eletrônicos e telas em sua casa - Dan Bridge - Dan Bridge
"A tecnologia tem um lado negro e preocupante", diz Belinda Parmar
Imagem: Dan Bridge
'Tecnologia lixo'

A neurociência aponta que o desenvolvimento cognitivo de uma pessoa continua até os 25 anos.

Desde que nascemos até atingirmos essa idade, a maturidade emocional, nossa autopercepção e a forma como avaliamos o que ocorre à nossa volta vão se alterando conforme o córtex pré-frontal do cérebro se desenvolve.

Nesse período, as crianças usam a tecnologia, de redes sociais a videogames muitas vezes sem supervisão de um adulto.

Parmar analisou pesquisas sobre o tema e diz que os potenciais danos da "tecnologia lixo", aquela que não enriquece nossas vidas, podem ser:

- Dessensibilização e agressão: "Jogar games violentos não transformará seu filho em um assassino, mas, quando jogam, eles são levados a ver a violência como algo trivial", explica Parmar.

- Achar que ações não têm consequências: nos videogames, o mau comportamento não é punido. Se você comete um erro, tem uma outra vida para seguir jogando.

- Desenvolver uma obsessão: Parmar diz que 5% das crianças se viciam em videogames.

"Algumas crianças podem ter uma relação perfeitamente saudável com a tecnologia, enquanto outras ficam patologicamente dependentes dela", diz.

Gratificação instantânea

Isso tem alguma relação com o transtorno de déficit de atenção e a hiperatividade? Ou com a dopamina, neurotransmissor ligado a sensações de prazer, gerada em nosso corpo quando matamos um monstro virtual ou recebemos uma curtida nas redes sociais?

Foram perguntas feitas por Parmar a si própria: "Como mãe, como compenso esse nível de excitação ou gratificação instantânea?".

Ao fundar sua empresa, a Lady Geek, consultoria para aproximar as mulheres e a indústria de tecnologia, ela costumava pensar que a tecnologia era uma forma de democratizar o mundo. "O maior erro foi crer que a tecnologia é neutra", ela diz hoje.

"A verdade é que, apesar de todas as promessas de democratização, creio que a tecnologia está alimentando um déficit de empatia no mundo."

Parmar diz que a tecnologia "não é como a obesidade: todo mundo sabe que isso é algo ruim para nós, podemos fazer campanha contra ela". "O problema com a tecnologia é que ela tem muitos benefícios e aspectos positivos", afirma.

Equilíbrio como solução

Parmar defende que tenhamos uma vida mais equilibrada. Por isso, lançou sua campanha. "Trata-se de usar a tecnologia de forma que nos conecte, nos ponha de novo em contato com nossas famílias", explica.

Ela acredita que os "ditadores digitais do Vale do Silício" devem refletir sobre as plataformas que estão criando e os produtos que oferecem. "Há muitas técnicas de apropriação e manipulação extrema", diz, citando "o retrato perfeito no Instagram que nos reafirma com base no número de curtidas. O valor de nossas amizades segundo o Snapchat. As bolhas sociais criadas pelo Facebook".

Parmar diz que os adultos são responsáveis por controlar não só seus próprios hábitos, mas os de seus filhos. Ela avalia que 70% da tecnologia consumida por crianças pode ser definida como "tecnologia lixo".

As dificuldades

Mas ela reconhece não ser fácil impor limites. "Está em nossas mãos esse controle, mas, para cada pessoa que decide como usar um aparelho ou aplicativo, há milhares de desenvolvedores que trabalham para mantê-la conectada. Como competir?"

Sean Parker, cocriador do Facebook, diz que a rede social deve grande parte de seu êxito à dopamina que produz em nós. Sua frase "Só Deus sabe o que isso está fazendo ao cérebro de nossos filhos" viralizou em novembro do ano passado.

Parmar vai um pouco além: "O inventor do botão 'curtir' do Facebook, Justin Rosenstein, apagou sua conta na rede social por medo de ficar viciado. Steve Jobs não deixava seus filhos brincar com iPads... Sem dúvida, essas empresas deveriam ajudar-nos a controlar esse problema em nossas famílias."

Ela também avalia que não somos bons em lidar com esse problema, porque, em parte, negamos nossa obsessão com a tecnologia.

"Sabe quantas vezes uma pessoa checa seu celular por dia? Em média, 82!", diz.

"Uma estatística que me impactou foi a de que um adulto subestima em 50% a quantidade de tempo que passa no celular. Assim, se nós não temos nem ideia disso, imagine uma criança?"

Como dar o exemplo

Parmar diz que muitas vezes nos esquecemos que devemos dar o exemplo. "Sei disso por experiência própria. Quando estava fundando a Lady Geek, a primeira coisa que fazia ao acordar era checar o Twitter", diz.

"A essa altura, eu tinha dois filhos e deveria dar mais atenção a eles e não às redes sociais. O que tinha de fazer - e reconheço que ainda trabalho nisso - é parar e pensar que, se quero que meus filhos façam o que digo, devo ser um exemplo a ser seguido por eles."

Em outras palavras, afirma ela, "não podemos restringir todo o acesso de nossos filhos a tecnologia se não nos comportamos de forma adequada".

Parmar afirma que "não há uma solução mágica", mas faz algumas sugestões do que ter em mente ao tentar afastar as crianças da "tecnologia lixo".

1. Não é culpa do seu filho: estamos enfrentando uma epidemia, lembre-se disso.

2. Dê o exemplo: ninguém gosta de hipocrisia, então seja um exemplo a ser seguido.

3. Proíba as telas: quando estiverem comendo, quando estiverem conversando, quando saírem. Decida as atividades em família em que as telas são vetadas. Seja firme.

4. Crie espaços livres de telas: algumas áreas deveriam ser livres de tecnologia, e as crianças não deveriam nunca ter telas em seus quartos.

5. Seja consistente: para que seu plano tenha sucesso, todos os membros de sua família devem participar dele. Pais, cuidadores e filhos devem seguir as mesmas regras.