Os desvios milionários na base espacial de Vostochny, 'menina dos olhos' de Putin
A construção de um novo centro espacial russo, o Vostochny, uma espécie de "menina dos olhos" do presidente Vladimir Putin, está sendo marcado por fraudes, desvios e outras irregularidades, que custaram cerca de 11 bilhões de rublos (cerca de R$ 720 milhões) aos cofres do país.
O Comitê Federal de Investigação da Rússia (SK) diz que está cuidado agora de mais 12 casos criminais ligados ao megaprojeto. A maior pena aplicada até agora, de 11 anos e meio de prisão, foi para Yuri Khrizman, ex-diretor da construtora estatal Dalspetsstroy.
Mark Galeotti, especialista na Rússia do instituto Royal United Services, disse à BBC que o escândalo de Vostochny expõe a escala de corrupção na vasta burocracia estatal do governo Putin.
"Como você pode lidar com isso sem declarar guerra à sua própria elite? Ele não está preparado para fazer isso. Essa dependência por megaprojetos quase invariavelmente cria enormes oportunidades de fraudes e enriquecimento ilícito", disse Galeotti.
Por que Vostochny é tão importante para a Rússia?
Vostochny é a primeira base espacial construída na Rússia para lançamentos espaciais comerciais. O primeiro lançamento ocorreu em abril de 2016 e houve mais quatro desde então.
O vasto cosmódromo fica no extremo leste da Rússia, bem longe das grandes cidades, o que reduz o risco de detritos de foguetes atingirem qualquer grande centro urbano. Antes, o lugar abrigava uma base soviética de mísseis chamada Svobodny.
As missões espaciais são uma questão de orgulho nacional: afinal, a União Soviética foi quem enviou o primeiro ser humano ao espaço, o cosmomauta Yuri Gagarin, em 1961.
Em visita a Vostochny em setembro, Putin declarou: "Este é o projeto de construção mais importante a nível nacional."
Atualmente, o custo total de Vostochny é de 300 bilhões de rublos (aproximadamente R$ 19 bilhões), informou a agência de notícias russa RIA Novosti. Mas houve vários estouros no orçamento e atraso em obras.
O projeto também tem uma razão política. Até aqui, a Rússia realizava seus lançamentos espaciais no cosmódromo de Baikonur, erguido na era soviética em território do atual Cazaquistão. O Cazaquistão é um vizinho próximo, mas ter um grande cosmódromo em território russo é mais seguro para Moscou a longo prazo.
O centro espacial ainda está em obras: uma segunda plataforma de lançamento em construção receberá o Angara, um foguete de alta capacidade de carga, com o lançamento inaugural marcado para 2021.
Vostochny também fica em uma região com altos níveis de pobreza, o que traz a esperança de que o centro contribua para a economia local.
Como é que o projeto de Vostochny começou a sair dos trilhos?
No início de 2015, um grupo de operários entrou em greve de fome por não terem recebido seus salários após a falência de uma construtora subcontratada.
O lançamento inaugural, marcado para o mesmo ano, teve de ser adiado para o ano seguinte, o que fez com que Putin pedisse que o SK investigasse o gerenciamento do projeto. Assim foi descoberto um amplo esquema de corrupção.
No domingo, o SK informou que 58 funcionários envolvidos no projeto foram condenados por fraude e abuso de poder.
Somente os desvios feitos por Khrizman custaram ao estado 5,2 bilhões de rublos (cerca de R$ 341 milhões). Ele e vários outros diretores de empreiteiras foram presos em fevereiro de 2018; o filho dele, Mikhail, foi condenado a cinco anos e meio de prisão.
O antigo chefe de contabilidade da Dalspetsstroy, Vladimir Ashikhmin, foi condenado a sete anos de prisão; o então presidente da assembleia regional de Khabarovsk, Viktor Chudov, recebeu seis anos.
Houve desvios, estimativas infladas nos custos de mão de obra e material, e fraudes em acordos com empreiteiras subcontratadas, informou o jornal russo Kommersant.
Também foi constatado o uso de concreto de baixa qualidade na construção das plataformas de lançamento, que precisaram passar por reparações, segundo a agência de notícias Tass.
Apesar do escândalo, a base de Vostochny ainda está sendo supervisionada por Dmitry Rogozin, diretor da agência espacial estatal Roscosmos.
Rogozin é próximo de Putin, mas não faz parte da cúpula mais próxima ao presidente, explicou Galeotti à BBC.
'Estão é roubando às centenas de milhões'
Em uma reunião de governo em 11 de novembro, Putin subiu o tom ao reclamar da corrupção contínua em Vostochny.
"As pessoas escutaram centenas de vezes: 'Trabalhe de forma transparente'. Mas não! Eles estão é roubando às centenas de milhões", disse Putin.
Seu porta-voz Dmitry Peskov explicou mais tarde que a irritação fora direcionada a gerentes anteriores ? e não atuais ? do projeto.
A falta de transparência orçamentária é um problema básico deste e de outros grandes projetos do Estado na Rússia, diz Galeotti.
"O presidente Putin gostaria que Vostochny se mostrasse uma referência mundial. Ele está em busca de histórias de sucesso agora, mas mesmo isso não é suficiente para resolver os problemas do sistema. Ele não está disposto a realmente modernizar os fundamentos do sistema."
Outros países, incluindo os EUA e a China, continuam interessados em fazer negócios com a Roscosmos, valorizando sua experiência no espaço e capacidade técnica.
Mas novos concorrentes no ramo, como o SpaceX de Elon Musk, já estão desafiando a vantagem competitiva da Rússia.
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