A postagem que quase arruinou a vida de uma mulher -- e o que ela revela dos perigos da internet
Uma corretora de imóveis nos Estados Unidos teve sua vida virada de cabeça para baixo por causa de uma postagem na internet em que era denunciada como uma "destruidora de lares" flagrada por uma cliente tendo relações sexuais com o marido desta.
O conteúdo do post tinha sido fabricado, mas causou grande estrago na vida da corretora, a polonesa-americana Monika Glennon, em especial na carreira profissional. Ela passou dois anos tentando retirar o conteúdo danoso da internet e descobrir quem estaria por trás da postagem.
A descoberta do autor, e, principalmente, das razões que o levaram a atacar Glennon, são chocantes e servem de alerta para os perigos a que estamos sujeitos na internet, um lugar em que pessoas não se veem, não se conhecem e muitas vezes fazem imagens umas das outras através de alguns poucos comentários escritos.
A incrível história de Monika Glennon, contada em um podcast da série Que História!, da BBC News Brasil, mostrou que esse é um mundo em que qualquer pessoa com um ressentimento e um teclado pode destruir a vida.
'Você tem de ver isso!'
Monika Glennon nasceu na Polônia. Fez faculdade nos Estados Unidos, gostou do país e resolveu ficar por mais um tempo. Acabou se casando com um militar americano. Teve dois filhos, hoje já adultos e trabalhando, e vive, já há mais de 12 anos, em Huntsville, Alabama, onde sempre trabalhou como corretor em uma imobiliária.
Levava uma vida tranquila, típica de classe média alta. "Não éramos ricos, mas felizes", disse ela em depoimento ao programa Outlook da BBC.
Tudo ia bem, até uma fatídica manhã de setembro de 2015.
"Meu celular começou a tocar muito cedo", contou Glennon. "Era minha chefe, dizendo para eu olhar as mensagens que ela tinha me enviado, que alguém tinha escrito algo ruim sobre mim. Pensei que fosse uma crítica no site da empresa, eu já trabalhava havia vários anos como corretora e sabia que não era perfeita. Posso ter tido um dia ruim, algum cliente ficou insatisfeito e fez uma postagem me criticando."
"Minha chefe se referia a uma postagem no Facebook da imobiliária. Ela dizia: 'Você tem que ver isso!'."
A postagem no Facebook da imobiliária tinha um link para a página de um site. "Comecei a ler, e acho que entrei em estado de choque. Não acreditava, era horrível! Era uma história contada por uma suposta cliente minha, para quem eu teria mostrado oito casas. Ela diz que ela e o marido estavam bem satisfeitos comigo. Mas teve um dia em que ela queria ver uma casa, mas não podia, tinha uma reunião, e mandou o marido sozinho. Essa reunião teria sido cancelada de última hora, e ela decidiu pegar o carro e acompanhar a visita."
"Ela diz (no post) que, quando chegou lá, olhou a parte de baixo, a sala, a cozinha, estava gostando muito da casa, mas quando subiu, deu de cara comigo e com o marido dela tendo relações sexuais no chão de um quarto. Ela dá detalhes gráficos. Diz que pegou os dois pelados sobre um carpete branco, que tirou fotos, e que, mais tarde, graças a essas fotos, conseguiu um divórcio."
"Ela termina o texto dando os meus contatos e fazendo um alerta dirigido a mulheres: para que não me contratem nunca como corretora, porque eu seria 'inimiga das mulheres decentes'. E colocou minha foto na postagem, a foto que usava profissionalmente. Era uma história totalmente fabricada. Eu fiquei petrificada. Quase desmaiei."
'Comecei a andar armada'
O texto tinha sido publicado originalmente num site chamado shesahomewrecker.com ("ela é uma destruidora de lares.com", em tradução livre) em que são postadas denúncias sobre mulheres que supostamente seduziram maridos alheios. Um internauta chamado Ryan Baxter, provavelmente um nome falso, tinha enviado o link para esse texto a todos os contatos de Glennon no Facebook, para o marido dela e também para os dois filhos.
"Acordei meu marido mostrei a postagem para ele. Ele ficou furioso. Mas ele nunca duvidou de mim, me conhece bem. 'Ela não tem tempo para isso', ele dizia", conta Glennon.
"Meus amigos também, em momento algum, pensaram que aquilo poderia ser verdade. E mesmo sabendo que não era verdade, eu comecei a questionar minha sanidade, a me perguntar se teria sido possível de eu ter apagado algo da minha memória. Engraçado como a mente viaja. E fiquei com muita raiva. Como pode uma pessoa fazer uma coisa dessas?"
Glennon não conseguia imaginar quem, entre seu clientes ou conhecidos, poderia estar por trás da história falsa no site e da repostagem dela no Facebook. Ela vasculhou seus emails, tentou encontrar algum ponto de conflito, que indicasse talvez um rancor de algum cliente. Chegou a pensar que talvez fosse um golpe baixo de empresas competidoras ou de alguma pessoa invejosa.
Ela achava que a verdade logo viria à tona e que poderia seguir com sua vida. Mas Glennon subestimou a força de uma história falsa espalhada pela internet.
"Por mais moderna que seja a cidade de Huntsville, ela fica no 'Bible Belt' (o chamado 'cinturão da Bíblia', como é conhecida a região no sudeste dos EUA que engloba vários Estados em que evangélicos conservadores exercem grande influência sobre a sociedade). Adultério? Não pode! Meus clientes começaram a sumir. Os únicos telefonemas que recebia eram de homens sinistros que ficavam respirando alto no telefone. Eles ligavam porque meus dados ainda estavam na internet. Eu não queria tirar os contatos, meu trabalho depende da internet.
A história começou a circular e a ser compartilhada. Segundo Glennon, apareceram versões ainda mais explícitas. "Tentei tirar essas postagens, mas sempre que solicitava isso a algum site, não acontecia nada. E mais homens ligavam me convidando pra sair. Eu estava com muito medo. Pusemos sistemas de vigilância na casa. E eu comecei a andar armada."
'Nazista disfarçada'
Glennon contratou advogados que entraram na Justiça para tentar retirar as postagens da internet e rastrear o autor da postagem original. Demorou um ano, quando os advogados, após várias intimações judiciais, chegaram a um nome: Mollie Rosenblum.
"Era uma total desconhecida, morava em Athens, Alabama, 45 minutos da minha casa", explica Glennon. "Eu só descobri a conexão dela comigo mais tarde. Em 2014, uma estação de TV local fez uma reportagem sobre uma adolescente que tinha visitado Auschwitz e tirado selfies sorrindo, o que causou polêmica, muita gente considerou isso uma grande falta de respeito. Eu vi essa reportagem no site da TV. Era uma menina de 18 anos, o pai dela era fanático pela Segunda Guerra, eles sonhavam em visitar o campo de concentração de Auschwitz juntos. Mas o pai morreu de câncer, e essa menina foi sozinha, realizar o sonho dos dois. Foi quando tirou essa selfie."
"Havia duras críticas a ela nos comentários, chamando ela de nazista. Eu resolvi comentar, escrevi que, aos 18 anos, muitos cometem erros, e que não havia necessidade de xingá-la desse jeito. Mollie Rosenblum, que é judia, também estava participando da discussão, e ficou ofendida com meu comentário. Ela fez uma pesquisa sobre mim na internet, e em questão de poucas horas, escreveu a história falsa e postou no site shesahomewrecker.com."
Os advogados também descobriram quem era a pessoa que distribuiu a postagem de Rosenblum entre os amigos e contatos de Glennon no Facebook, usando o nome de Ryan Baxter. Era uma mulher de 20 e poucos anos, Hannah Lupian, que vive na Califórnia, e que nunca teve ligação alguma com as duas mulheres. Ela frequentava o site shesahomewrecker.com e aparentemente gostava de distribuir os textos a parentes e conhecidos das pessoas denunciadas ali.
Os advogados entraram em contato com Mollie Rosenblum. Ela admitiu ter escrito a postagem original e pediu desculpas, mas disse que, se fosse processada, iria a público nas redes sociais para dar explicar as razões que a levaram a criar a história falsa. De fato, alguns meses depois, ela postou no Facebook que tinha inventado a história do adultério de Glennon, mas que tinha feito isso por que esta seria uma antissemita, uma "neonazista disfarçada".
"Achei que fosse ter um ataque do coração", contou Glennon. "Já tinham se passado dois anos, eu estava de saco cheio disso tudo e resolvi entrar em contato com ela. Os meus advogados disseram, 'Você tá louca? Não faça isso!'. Mas foi o que fiz. Convidei ela para um encontro num restaurante em Athens, a cidade dela, e ela topou."
'Uma pessoa bem articulada'
No dia do encontro, o marido de Glennon ficou esperando do outro lado da rua, armado, "para qualquer coisa".
"Entrei no restaurante, Mollie estava sentada. Ela começou na defensiva. Perguntou se eu era polonesa. Disse que sim, e ela respondeu 'ah, então você é neonazista'. Eu disse: 'Absolutamente não!'. E comecei a explicar que tinha nascido na Polônia comunista, como era minha família. Ela fez várias perguntas, e respondi a todas elas."
"Depois ela me falou dela, que lê muito, que estuda História. É uma pessoa muito bem articulada. Passamos quatro horas conversando. No final, ela disse que deveria ter me contatado no Facebook, tentado me conhecer antes de reagir como reagiu. Ela pediu desculpas, prometeu que tentaria retirar a postagem original e que faria comentários nas páginas que tinham postado a história, dizendo que era mentira e pedindo desculpas. Eu a perdoei, para me sentir melhor e seguir em frente."
Monika Glennon e sua família gastaram mais de US$ 100 mil com advogados e levaram dois anos para que o caso fosse resolvido e julgado. Mollie Rosenblum e Hannah Lupian foram condenadas por difamação e violação de direitos autorais por causa do uso não autorizado da foto de Glennon e ordenadas a arcar com os custos do julgamento e uma indenização, um total de US$ 290 mil.
Até meados deste ano, Glennon não foi ressarcida em um tostão sequer, porque as duas mulheres não têm dinheiro.
Para Glennon, entretanto, foi um alívio saber que a postagem que tanto estrago fez na vida dela "não veio de uma pessoa conhecida".
Ela segue tocando a vida, mas quer tirar um proveito positivo da difícil experiência que teve. "Resolvi contar minha história, para que as pessoas saibam dos perigos da internet."
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