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Os problemas de saúde que astronautas enfrentam no espaço

07/09/2020 17h20

Os astronautas das missões Apollo, realizadas de 1961 a 1972 pela Nasa, agência espacial americana, podiam estar em ótimas condições físicas, mas isso não significa que não tenham enfrentado problemas de saúde no espaço.

A BBC Future selecionou alguns casos emblemáticos:

Resfriado

Lançada em 11 de outubro de 1968, a Apollo 7 foi a primeira missão tripulada a orbitar a Terra após a tragédia da Apollo 1 - quando um incêndio na cabine matou toda a tripulação. O módulo de comando foi completamente redesenhado para seu lançamento.

Havia muita coisa em jogo nessa missão. Se a Apollo 7 falhasse, é provável que Neil Armstrong talvez nunca desse seu "pequeno passo" na Lua. Pelo menos não até o fim daquela década - meta estabelecida pelo então presidente John F. Kennedy em 1961.

A Apollo 7 foi comandada por um dos astronautas mais experientes da Nasa, Wally Schirra - veterano das missões Mercury e Gemini. Ao lado dele na cápsula, estavam os astronautas novatos Don Eisele e Walt Cunningham. Os analistas da época previam que essa seria a tripulação que faria a primeira tentativa de pousar na Lua.

Poucas horas após o lançamento, no entanto, Schirra ficou resfriado.

"O impacto do resfriado de Wally (Schirra) foi tremendo", conta Cunningham.

"Wally precisava assoar o nariz com bastante frequência, e ele assoava o nariz uma vez e jogava o lenço de papel fora. Depois de algumas vezes, Don e eu dissemos: 'Não, não, você vai ter que usar esses lenços de papel mais de uma vez'."

Mas, com lenços de papel usados enfiados em todos cantos da cápsula, o resfriado de Schirra não era apenas desagradável para a tripulação. A doença deixou o comandante cansado e irritado, e isso se refletiu em suas comunicações com a base na Terra.

"Foi um relacionamento muito interessante entre nós na sala de controle e a tripulação", diz Gerry Griffin, diretor de voo que estava na base de controle de missões.

Em uma série de trocas de mensagens rabugentas, Schirra recusou instruções, questionou procedimentos e até mandou o chefe - seu colega na missão Mercury 7, Deke Slayton - para o inferno.

"Até hoje, de certa forma, é desconcertante para mim", acrescenta Griffin.

"Fiquei chocado, de verdade."

Após 11 dias em órbita, a tripulação retornou à Terra. A missão foi considerada um triunfo técnico, provando a capacidade da nave Apollo.

Enquanto estava no espaço, Schirra acabou com o estoque de lenço de papel e todos os 24 comprimidos de descongestionante nasal que estavam no kit de primeiros socorros da espaçonave. Infelizmente, seu comportamento foi visto como um reflexo de toda a tripulação. E nenhum deles jamais voltaria ao espaço novamente.

Gases

Uma equipe médica monitora os astronautas antes, durante e depois das missões. Os problemas de saúde reportados durante os voos da missão Apollo incluíam erupção cutânea causada pelo uso prolongado de um dispositivo de coleta de urina, irritação nos olhos e batimentos cardíacos irregulares.

Um astronauta deslocou o ombro coletando uma amostra lunar. A tripulação da Apollo 13 sofreu desidratação.

Três astronautas relataram casos de excesso de gases - provavelmente causado por suas dietas. Os médicos acreditavam que os problemas cardíacos reportados durante a Apollo 15 se deviam à falta de potássio. Assim, aumentaram a quantidade de frutas cítricas nas refeições dos astronautas da Apollo 16.

Quando o comandante da Apollo 16, John Young, pisou na Lua, ele desabafou sobre os efeitos da nova dieta com seu companheiro de missão, Charlie Duke. Os comentários foram inadvertidamente transmitidos ao controle da missão... e ao resto do mundo.

"Estou peidando de novo", diz ele a Duke. "Não sei o que diabos está me causando isso... acho que é acidez no estômago."

"Não como tanta fruta cítrica há 20 anos!", ele acrescenta. "E vou te dizer uma coisa, daqui a 12 dias, não vou comer nunca mais."

A flatulência confinada dentro de uma nave já é desagradável o suficiente, mas durante a missão Apollo 10, um dos astronautas não conseguiu selar adequadamente o saco de lixo fecal depois de ir ao banheiro. Logo após o episódio, a conversa na cápsula era sobre de quem eram os excrementos que estavam flutuando junto com eles na nave.

Alteração da frequência cardíaca

O comandante da Apollo 11 era notoriamente calmo sob pressão. Foi o que fez dele um excelente piloto de testes. Durante a missão, do lançamento à reentrada na atmosfera terrestre, a frequência cardíaca média de Neil Armstrong foi de 71 batimentos por minuto. Em 20 de julho de 1969, ele se tornou o primeiro homem a pisar na Lua, seguido por Edwin Aldrin.

Enquanto desciam em direção à superfície lunar, e todos os sistemas funcionavam normalmente, a frequência cardíaca de Armstrong ainda era relativamente baixa, 110 batimentos por minuto.

Mas quando os alarmes de alerta do computador soaram, a frequência cardíaca de Armstrong começou a subir - só caiu quando Houston deu autorização à tripulação para prosseguir. No entanto, quando se aproximaram da superfície da Lua e sua área de pouso planejada estava repleta de pedras, seus batimentos subiram novamente.

A 600m, a frequência cardíaca de Armstrong era de 120 batimentos por minuto. A 300m, com o combustível acabando, saltou para 150 batimentos por minuto - e permaneceu assim durante o pouso.

Dois minutos depois, quando o controle da missão deu autorização a eles para "ficar" e as tensões diminuíram, a frequência cardíaca do comandante voltou ao normal.

Fora o susto durante a Apollo 15, quando os médicos notaram irregularidades na frequência cardíaca de dois astronautas durante as caminhadas espaciais, os batimentos cardíacos mais acelerados no espaço foram registrados durante a missão Gemini 9.

No último dia da missão, o astronauta Gene Cernan teve que fazer uma caminhada fora da cápsula para colocar um dispositivo na parte traseira da espaçonave. Ao tentar manobrar e ativar o dispositivo sem o apoio das mãos ou de amarras, ele ficou rapidamente exausto.

"Foi uma ideia terrível", contou Cernan em entrevista alguns meses antes de morrer.

"Toda vez que eu girava a válvula, ela me girava."

"Minha frequência cardíaca estava em 170 batimentos por minuto, os médicos estavam ficando loucos - eles não sabiam o que fazer, sabiam que eu estava em apuros."

Superaquecendo de forma perigosa e com o visor embaçado de suor, ele conseguiu entrar de volta na nave e fechar a escotilha.

"Tom [Stafford] pressurizou por fim a espaçonave e eu consegui respirar", lembrou Cernan.

"Quando tirei meu capacete, ele disse que eu parecia um rabanete... pegou a pistola d'água e apenas esguichou em mim."

Enjoo espacial

O primeiro satélite americano, o Explorer 1, descobriu faixas de radiação intensa - chamadas Cinturões de Van Allen - ao redor da Terra. Mesmo passando rápido por eles e desviando das áreas em que é mais forte, havia uma preocupação real de que os astronautas poderiam não sobreviver à jornada até a Lua.

Em 1966, a União Soviética enviou dois cães ao espaço que passaram pelos cinturões, e aparentemente não aconteceu nada. Mas os médicos da Nasa ainda estavam preocupados com os possíveis efeitos em seres humanos.

Então, quando o comandante da Apollo 8 - a primeira missão a deixar a órbita da Terra - ficou doente, o primeiro pensamento foi que ele tinha sido contaminado pela radiação.

Frank Borman não teve nenhum problema de saúde em seu voo anterior de 14 dias na missão Gemini 7. Tampouco a tripulação da Apollo 7, que orbitou a Terra, sentiu náusea. Mas quando a Apollo 8 deixou a órbita da Terra, Borman estava vomitando.

Hoje nós sabemos que Borman apresentou sintomas comuns do que chamamos de enjoo espacial - causado pela ausência de gravidade - e, em poucas horas, ele se recuperou. A Apollo 8 se tornou uma das missões mais ousadas e bem-sucedidas da história espacial.

A exposição total à radiação da tripulação da Apollo 11 foi de 0,2 rads (0,002 Gy na unidade internacional padrão de hoje), "ficando abaixo do nível clinicamente significativo".

Quarentena

Quando a tripulação da Apollo 11 "pousou" nas águas do Oceano Pacífico, não foi recebida com abraços ou apertos de mão. A equipe de resgate chegou de barco, abriu a escotilha, jogou três trajes de proteção biológica para dentro da cápsula e selou a escotilha novamente.

Quando os astronautas finalmente saíram, estava usando esses trajes - e seus rostos estavam escondidos atrás de respiradores. Somente após serem transportados de helicóptero para um porta-aviões, o USS Hornet, e entrarem em um trailer especialmente adaptado, eles puderam tirar a roupa e respirar normalmente.

O trailer era uma Instalação Móvel de Quarentena (MQF, na sigla em inglês), construída para proteger a Terra de eventuais germes da Lua - ou infecções por patógenos do espaço.

Dentro dele, a tripulação podia relaxar enquanto era monitorada, caso houvesse qualquer efeito nocivo de sua viagem à Lua. Da mesma forma, todas as pessoas que manipularam amostras de rochas lunares coletadas pelos astronautas também foram mantidas em quarentena e sob observação.

"É um trailer Airstream padrão construído em um palete de carga da Força Aérea para que possa ser transportado em um avião de carga", explica Bob Fish, administrador do USS Hornet, que virou um museu em Oakland, na Califórnia.

O MQF da Apollo 14 está em exibição no hangar do navio. Equipado com um sistema de filtragem de ar, cozinha, áreas sociais e dormitórios, Fish diz que era relativamente luxuoso.

"Três caras ficaram naquela pequena cápsula espacial por dias rastejando um sobre o outro, sem privacidade, sem dormir."

"Então, na verdade, isso aqui parecia o Taj Mahal para eles - tinham seus próprios beliches, banheiro, chuveiro e um bom lugar para comer comida de verdade."

O período de quarentena - no trailer e, mais tarde, nas instalações de Houston - também ofereceu à tripulação da Apollo 11 a oportunidade de reunir seus pensamentos e escrever seus relatórios de missão, antes de partirem em turnê mundial como celebridades.