A lei que explica por que desperdiçamos tempo
Historiador britânico escreveu que 'o trabalho se expande para preencher o tempo disponível para sua realização', o que ficou conhecido como Lei de Parkinson - que explica ainda por que desperdiçamos tanto tempo.
"O trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização". A teoria, de autoria do historiador e escritor britânico Cyril Northcote Parkinson, foi publicada pela primeira vez em 1955 em um artigo da revista The Economist. Mas o conceito, conhecido como Lei de Parkinson, é válido até hoje.
Lembro dele toda vez que estou diante de um prazo para entregar um trabalho. O tempo que leva para eu escrever uma reportagem depende, em geral, de qual é o meu prazo - e de quanto tempo eu tenho até o fim dele.
Em seu artigo, Parkinson usa o exemplo de uma senhora idosa escrevendo um cartão para a sobrinha. Como ela não tem mais nada para fazer, a tarefa que poderia ser simples ocupa seu dia todo.
Aparentemente, não sou a única pessoa para quem esse conceito soa verdadeiro. A Lei de Parkinson ganhou vida própria, servindo de base para vários outros artigos e um livro do próprio historiador, que viajou o mundo dando palestras sobre o tema.
Mas o que pouca gente sabe é que a intenção original de Parkinson não era mirar em senhoras que escrevem cartas ou jornalistas como eu, mas em um tipo diferente de ineficiência: a burocratização do serviço público britânico.
Em seu artigo original, ele apontou que, embora o número de navios da Marinha tenha diminuído em dois terços, e o contingente em um terço, entre 1914 e 1928, o número de burocratas havia aumentado quase 6% ao ano.
Havia menos gente e menos trabalho para gerenciar - mas a área administrativa continuava em expansão, e Parkinson argumentou que isso se devia a fatores independentes das necessidades operacionais da Marinha.
Mais subordinados, mais trabalho
Um acadêmico que analisou a fundo a Lei de Parkinson foi Stefan Thurner, professor de Ciência de Sistemas Complexos da Universidade de Medicina de Viena, na Áustria. Ele conta que se interessou pelo conceito quando a Faculdade de Medicina da Universidade de Viena se tornou independente, em 2004.
Em alguns anos, diz ele, a Universidade de Medicina de Viena que era dirigida por 15 pessoas, passou a ser administrada por 100, enquanto o número de cientistas permaneceu o mesmo.
"Eu queria entender o que estava acontecendo lá, e por que minha carga de trabalho burocrático não diminuiu - pelo contrário, aumentou", explica.
Por acaso, ele tinha lido o livro de Parkinson na mesma época. E decidiu transformá-lo em um modelo matemático que poderia ser manipulado e testado, juntamente com os colegas Peter Klimek e Rudolf Hanel.
"Parkinson argumentava que, se você tem uma taxa de crescimento de 6% de qualquer órgão administrativo, mais cedo ou mais tarde qualquer empresa vai fechar. Eles vão ter toda a sua força de trabalho concentrada na burocracia, e nenhuma na produção."
Segundo Parkinson, há dois elementos críticos que levam à burocratização. Primeiro, o que ele chamou de lei da multiplicação de subordinados, a tendência dos gestores de contratar dois ou mais subordinados para se reportarem a eles, de modo que nenhum deles represente uma concorrência direta para a própria chefia. E, segundo, o fato de os burocratas criarem trabalho para outros burocratas.
Thurner diz que as empresas geralmente começam com uma hierarquia plana, talvez dois engenheiros. E, à medida que as companhias crescem, eles contratam assistentes, que são promovidos e contratam seus próprios subordinados.
"A pirâmide começa a crescer. Pode-se adicionar camadas artificiais que não têm outra finalidade a não ser estabelecer hierarquia, o que ajuda a promover as pessoas para agradá-las e mantê-las motivadas."
"Quando a pirâmide fica muito grande e cara, pode consumir todos os lucros da empresa. Se o órgão burocrático não for cortado drasticamente nesta fase, a empresa morre."
Thurner também analisou as ineficiências no contexto original de Parkinson: dentro dos governos. Em outro estudo, ele e os colegas examinaram o tamanho de gabinetes de quase 200 países.
Eles descobriram que o tamanho dos gabinetes estava negativamente correlacionado com a eficácia do governo, estabilidade política e responsabilidade fiscal, conforme avaliação do Banco Mundial; assim como, com a longevidade, conhecimento e padrão de vida, dados medidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Para testar como o tamanho de um grupo afeta sua capacidade de tomar decisões, eles criaram um modelo baseado nas redes de fluxo de informações e descobriram que havia uma mudança significativa quando os grupos atingiam 20 integrantes.
"Com 20 pessoas, você vê uma forte diferença na construção de coalizões. Grupos menores se formam e acabam bloqueando uns aos outros, o que explica por que é extremamente difícil tomar decisões unânimes quando os gabinetes são grandes", afirma.
Prazos ameaçadores podem ser a solução?
Hoje, embora alguns pesquisadores possam rir da menção à "lei" que passou a significar muito mais do que a intenção original do autor, também não há dúvida de que eles sabem a que ela se refere.
Mas até que ponto é verdadeira a ideia de que, sem uma limitação rigorosa de tempo, nós perdemos tempo e nosso trabalho demora mais a ser concluído?
Estudos realizados nas décadas seguintes ao artigo de Parkinson mostraram que ele tem algum mérito. Na década de 1960, pesquisadores constataram que, quando as pessoas ganhavam "por acaso" tempo extra para finalizar uma tarefa, a tarefa levava mais tempo para ser concluída.
Em outra série de estudos de 1999, os participantes foram convidados a avaliar quatro coleções de fotos. Quando foram informados que a quarta coleção tinha sido cancelada, passaram mais tempo analisando a terceira, em vez de apenas terminar a tarefa mais rápido.
Os pesquisadores também descobriram que o tempo extra gasto em uma tarefa - no caso, contando o número de letras em uma frase - não levou a uma maior precisão ou capacidade de recordar as palavras em um teste surpresa realizado posteriormente.
Então, isso significa que, como jornalista, devo estabelecer prazos menores ou limitar o trabalho de apuração e redação de cada história? Deveríamos, de uma maneira geral, impor restrições de tempo mais rígidas para melhorar nossa produtividade?
Os seres humanos têm uma capacidade limitada de memória, atenção e fadiga tarefa - ou banda larga mental, de acordo com Eldar Shafir, professor da Universidade de Princeton, nos EUA, e coautor do livro Escassez, que analisa a psicologia da falta de recursos e como isso influencia nossos comportamentos.
"Como nossa capacidade de atenção é limitada, nós a dividimos esporadicamente da maneira como podemos ao longo da vida cotidiana", diz ele.
"Mas, às vezes, por necessidade, precisamos nos concentrar."
No livro, ele e o coautor Sendhil Mullainathan advertem para o risco de focar demais em um projeto às custas de outras tarefas.
"Quando você tem um prazo, é como ter uma tempestade à sua frente. É ameaçador e está se aproximando, então você se concentra fortemente na tarefa."
E você pode conseguir fazer um ótimo trabalho, mas o problema é que todo o resto é deixado de lado.
"Se você está concentrado demais em um projeto importante, pode ao mesmo tempo esquecer de pegar o seu filho na escola, do aniversário da sua mãe, de dar comida para o cachorro etc. Esse pode ser o preço que você paga pelo sucesso que vai alcançar com o seu foco."
E correr para realizar algo em poucas horas também pode ter desvantagens, principalmente se o seu prazo for definido por outra pessoa.
"Se o seu prazo for muito curto e você entrar em pânico, terá sacrificado outras coisas e poderá trabalhar de maneira ineficiente, e as coisas poderão dar errado de qualquer maneira", afirma.
"As pessoas gostam de dizer que, se não fosse no último minuto, nada seria feito. Mas pesquisas mostram que a produtividade das pessoas não é linear", explica Elizabeth Tenney, professora-assistente da Eccles School of Business da Universidade de Utah, nos EUA, que estuda pressão de tempo e produtividade.
"Quando as pessoas se sentam para realizar uma tarefa, elas se esforçam muito inicialmente. Em algum momento, haverá um rendimento decrescente. Para otimizar a produtividade, você precisa maximizar os benefícios, minimizar os custos e encontrar esse ponto de inflexão."
Segundo ela, isso não quer dizer ocupar o tempo todo designado para a tarefa ou trabalhar até o fim do prazo.
E quanto à hipotética senhora que escrevia um cartão para a sobrinha no artigo de Parkinson? Se ela tivesse se dado um prazo mais apertado, provavelmente terminaria mais rápido. Mas como não tinha mais nada para fazer ao longo do dia, ela terminou a tempo.
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life
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