Os 6 números que definem todo o Universo
Neste trecho editado do The Little Book of Cosmology ("O Pequeno Livro da Cosmologia", em tradução literal, publicado pela Princeton University Press e reproduzido aqui com permissão da editora), o professor de física Lyman Page explica como nosso modelo de Universo é baseado apenas em seis parâmetros.
Como estudamos o Universo como um todo?
Meu trabalho se concentra na radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na sigla em inglês) — os tênues resquícios de energia do Big Bang — e como medi-la pode guiar nosso caminho para a compreensão do Universo.
Mas há muitas outras maneiras de estudar o cosmos, e os físicos que o fazem se especializam em tudo, desde a relatividade geral até a termodinâmica e a teoria das partículas elementares.
Fazemos observações em quase todos os regimes de comprimento de onda acessíveis para medição e com detectores de partículas de última geração.
As observações provêm de lugares próximos e dos confins mais distantes do espaço.
Todas essas evidências e teorias podem ser reunidas em um modelo padrão surpreendentemente simples de cosmologia, que tem apenas seis parâmetros.
Esses são os números que definem todo o Universo.
O conteúdo do Universo
Os primeiros três parâmetros nos falam sobre o conteúdo do Universo.
Nós os descrevemos como frações de uma estimativa total de matéria e energia, como os componentes de um gráfico de pizza.
O primeiro parâmetro descreve a quantidade de matéria normal, átomos, no Universo, e diz que eles representam apenas 5% do Universo.
O segundo parâmetro descreve a matéria escura, um tipo de partícula elementar nova que ainda não entendemos, que representa 25% do Universo.
Surpreendentemente, a quantidade de matéria escura, que podemos derivar das nossas medições das diminutas flutuações de temperatura da radiação cósmica de fundo, coincide com o valor deduzido das observações dos movimentos das estrelas e galáxias.
No entanto, o valor que obtemos das medições da CMB é muito mais preciso.
Nossas medições também nos dizem algo mais.
Como a CMB chega até nós desde a Era da Recombinação (ou do Desacoplamento), quando o Universo primordial se resfriou o suficiente para liberar os fótons do plasma quente que os uniu por várias centenas de milhares de anos após o Big Bang, fazendo com que o Universo se tornasse transparente, podemos ver que a matéria escura claramente existia nos primórdios do Universo.
Além disso, podemos ver que os átomos, a matéria de que somos feitos, representam apenas um sexto da massa total do Universo.
O terceiro parâmetro é a constante cosmológica, a misteriosa energia escura que está na raiz da expansão acelerada do Universo.
Ela representa 70% da estimativa total de matéria e energia do Universo. Também não sabemos o que é essa energia escura, mas sabemos que ela existe, porque medimos diretamente sua presença por meio da aceleração cósmica.
Estrelas e galáxias em formação
O quarto parâmetro é a profundidade óptica, ou quão opaco o Universo era para os fótons que viajam por ele.
Este é o mais astrofísico de todos os parâmetros do modelo padrão da cosmologia.
Com isso, queremos dizer que ele captura nosso escasso conhecimento de todo o complexo processo de formação e subsequente explosão das primeiras estrelas e formação das primeiras galáxias no Universo.
A intensa luz dessas primeiras estrelas e galáxias quebrou o hidrogênio que prevalecia no cosmos em prótons e elétrons que o compõem, causando a reionização do Universo.
Nesse processo, cerca de 5 a 8% dos fótons da CMB, os fótons que haviam sido liberados no momento do desacoplamento, se dispersaram novamente.
Para fazer uma analogia, considerando que o Universo antes era transparente, é como se tivesse entrado um pouco de névoa.
Não muito forte, você ainda consegue ver um litoral distante, mas a visibilidade foi reduzida. Curiosamente, para determinar a profundidade óptica do Universo, é feita uma medição da polarização da CMB.
A polarização, junto com a intensidade e o comprimento de onda, é uma das três características de uma onda de luz. A polarização especifica a direção na qual uma onda de luz oscila.
Por exemplo, a luz que reflete no capô do seu carro está polarizada horizontalmente. Ou seja, a onda de luz oscila de um lado para o outro horizontalmente.
Os óculos escuros polarizados bloqueiam essa direção de oscilação e seu reflexo associado.
Da mesma forma, os elétrons liberados pelo processo de reionização dispersaram e polarizaram os fótons da CMB.
Se você pudesse olhar para a CMB com ou sem "óculos escuros" polarizados, veria que parece ligeiramente diferente.
Flutuações quânticas
Os dois últimos parâmetros descrevem as origens das diminutas flutuações que deram origem a toda a estrutura que observamos hoje no Universo.
Se tivéssemos um modelo completo do Universo, que começasse com pequenas flutuações quânticas e previsse com sucesso quais seriam as flutuações da matéria em esferas com 25 milhões de anos-luz de diâmetro, poderíamos eliminar um desses dois parâmetros.
Infelizmente, embora tenhamos um esboço muito bem sucedido para entender como o Universo evoluiu, ainda não conhecemos todas as conexões, por isso precisamos desse parâmetro.
É chamado de espectro de potência primordial e descreve as flutuações na densidade do Universo no espaço tridimensional.
No início do Universo, essas flutuações eram pequenas, mas à medida que o Universo se expandiu, essas variações de densidade se tornaram grandes em todo o cosmos.
Onde havia áreas ligeiramente mais densas no cosmos primordial, a matéria continuou a se agrupar, e agora podemos ver galáxias ou aglomerados de galáxias; em outras, onde havia menos densidade, não vemos quase nada.
O parâmetro restante, chamado índice espectral escalar, é o mais difícil de entender, mas também é nossa melhor janela para o nascimento do Universo.
Ele nos diz como as flutuações primordiais, as pequenas variações de energia que estavam presentes no Universo primitivo, dependem da escala angular.
Para compreender isso melhor, vamos usar uma analogia musical.
Este último parâmetro cosmológico nos permite distinguir entre "ruído branco" e, digamos, "ruído rosa", em que as notas graves (análogas às escalas angulares grandes) têm um volume maior do que as notas agudas (análogas às escalas angulares pequenas).
Usando a CMB, descobrimos que as flutuações primordiais eram ligeiramente maiores em amplitude em escalas angulares grandes do que em escalas menores. Em outras palavras, o ruído cósmico primordial é ligeiramente rosado.
Com esses seis parâmetros, podemos calcular as características não apenas da CMB, mas também de qualquer medição cosmológica que desejamos fazer.
Podemos, por exemplo, calcular a idade do Universo: 13,8 bilhões de anos (pode haver uma variação aproximada de 40 milhões de anos).
A observação mais restritiva é a da anisotropia da CMB: as diminutas flutuações da temperatura.
No entanto, o modelo padrão da cosmologia é consistente com todas as medições de todas as áreas da física e da astronomia.
Em suma, não importa como olhamos para o cosmos — por meio de sondagens de galáxias, de estrelas em explosão, da abundância de elementos de luz, das velocidades das galáxias ou da CMB —, nós só precisamos de todos os seis parâmetros explicados acima, e processos físicos conhecidos, para descrever o Universo que observamos.
O que significa ser capaz de descrever algo de forma tão simples e quantitativa? Significa que entendemos como as peças do Universo se encaixam para formar o todo. Entendemos algumas conexões profundas na natureza.
Isso significa que se pode demonstrar que estamos errados, não com diferentes argumentos, mas com um modelo quantitativo melhor que descreve mais aspectos da natureza.
Há poucos sistemas estudados por cientistas que podem ser descritos de forma tão simples, completa e com tanta precisão. Temos sorte de o Universo observável ser um deles.
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